Para quem nasceu depois dos anos 2000, o Facebook provavelmente não é a rede social mais interessante do momento. Mas a geração anterior se lembra bem de como o ‘like’ e o ‘feed’ de notícias mudaram a forma de consumir informação e de se relacionar, dentro e fora da web.
Com uma trajetória que ajuda a contar a história da própria internet, o Facebook consolidou a era das redes sociais no mundo. A plataforma liderada pelo bilionário Mark Zuckerberg completa duas décadas neste domingo colecionando feitos e controvérsias.
Mudou os negócios e inaugurou a economia dos influenciadores digitais. Afetou a política, colocou em xeque a privacidade e levantou questões sobre desinformação e saúde mental de crianças e adolescentes. Em nova lua de mel com o mercado financeiro, quer agora rejuvenescer e incorporar novas tecnologias como a inteligência artificial (IA) generativa, em meio a um debate global prolongado sobre a regulação das redes.
Criada em 4 de fevereiro de 1994 por Zuckerberg e alguns colegas de universidade como TheFacebook (inspirada nos clássicos anuários de fotos dos estudantes americanos), a rede surgiu como exclusiva para alunos de Harvard.
No ano seguinte, perdeu o “The” e passou a aceitar como usuário qualquer internauta com mais de 13 anos. Hoje, segue como a rede social mais relevante do planeta, com 3 bilhões de usuários ativos mensais. Isso sem contar os 2 bilhões do Instagram e os outros 2 bilhões do WhatsApp, do mesmo grupo — os rivais YouTube e TikTok têm respectivamente 2,5 bilhões e 1,2 bilhão de usuários.
Mas, ao iniciar sua terceira década, o Face vê a concorrência ascender rapidamente e tem o desafio de capturar quem já nasceu em um mundo conectado.
‘Espírito do tempo’
No Brasil, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) indica que o TikTok é a rede mais acessada por usuários entre 9 e 17 anos — para 34% deles é a plataforma principal. Nos EUA, o app de origem chinesa e o YouTube, do Google, são os primeiros em frequência de acesso por adolescentes de 13 a 17 anos, diz o Pew Research Center.
“Já faz algum tempo que o Facebook não tem mais a mesma predominância cultural que tinha”, diz Francisco Cruz, diretor executivo do InterLab. “Redes sociais precisam ter a capacidade de capturar momentos icônicos de uma época e, mais importante, o espírito do tempo.”
Em 2020, o TikTok virou o primeiro rival a incomodar os apps da Meta, a empresa resultante do Facebook que hoje é um conglomerado de redes sociais. No ano seguinte, o TikTok se tornou a marca de rede social mais valiosa do mundo, segundo a consultoria Brand Finance, avaliada em US$ 65,7 bilhões, contra US$ 59 bilhões do Face. Naquele ano, a empresa dona do Facebook mudou seu nome para Meta, tentando melhorar sua imagem após controvérsias e mirando num novo negócio.
“Foi uma aposta muito alta no metaverso, que ainda não se concretizou em receita. A crítica do mercado era estarem gastando muito com algo que não tinha retorno, enquanto concorrentes ganhavam espaço”, lembra William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue.
Na semana passada, no entanto, Zuckerberg conseguiu aplacar a indisposição dos analistas com uma alta de 69% no lucro da Meta em 2023. As ações dispararam mais de 20% em um só dia na sexta-feira, levando o valor de mercado da empresa a US$ 1,22 trilhão — é a quinta empresa mais valiosa do planeta.
“A empresa fez uma aposta muito alta no metaverso que não se concretizou em receita. A crítica do mercado era eles estarem gastando muito com algo que não tinha retorno enquanto concorrentes ganhavam mercado”, lembra William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue.
Na semana passada, no entanto, Zuckerberg conseguiu aplacar a indisposição dos analistas com uma alta de 69% no lucro da Meta em 2023. As ações dispararam mais de 20% em um só dia na sexta-feira, levando o valor de mercado da empresa a US$ 1,22 trilhão — é a quinta empresa mais valiosa do planeta.
‘Leilão de atenção’
Ao longo das duas décadas, a estratégia do Facebook para manter o reinado foi ir além de si mesmo, com a compra de rivais como Instagram e WhatsApp e a integração de inovações inspiradas em outras redes — como o Reels, similar ao TikTok, ou, antes disso, o Stories, parecido com o SnapChat.
Tudo para manter o usuário engajado o maior tempo possível. Recentemente, criou o Threads para rivalizar com o X (ex-Twitter), mas o aplicativo não deslanchou. Assim, o Facebook foi virando uma “família de apps”, sob o guarda-chuva da Meta.
Francisco Cruz, do InterlLab, analisa que parte importante da estratégia da empresa passa pela interconectividade dos seus aplicativos:
“Essa é uma integração que aconteceu para os usuários, mas também do ponto de vista de receita. O dado que é coletado aqui será utilizado para direcionar publicidade lá.”
Enquanto usuários rolam seus feeds e stories infinitos com conteúdo de amigos, celebridades, marcas e desconhecidos, a plataforma de anúncios da Meta cruza essa enorme quantidade de dados para operar o “leilão”, processo complexo que determina qual anúncio será exibido para quem. Neste pregão, o item leiloado é a atenção do seguidor, e os interessados no certame são os anunciantes.
“Você paga pela interação e pode replicá-la do Instagram para o Facebook, com a possibilidade de direcionar o usuário para uma conta no WhatsApp”, diz Rogério Salgado, fundador da Agência Explorer.
Na constante disputa concorrencial, a Meta dobrou a aposta em influenciadores, desacelerou investimentos no metaverso e voltou a focar no que sempre fez caixa: a publicidade. Em 2021, investiu US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) em criadores de conteúdo. Em duas décadas, liderou as mudanças impostas pelas redes a vários negócios de produção de conteúdo, da música e do audiovisual ao jornalismo.
Nessa nova economia dos influencers, quem dita as regras — e fica com a maior parte dos ganhos, em detrimento dos criadores de conteúdo — são as plataformas.
Em 2024, a expectativa é que a companhia acelere sua nova aposta: a introdução da inteligência artificial generativa nas redes. Em setembro do ano passado, Zuckerberg anunciou que as plataformas teriam em breve chatbots de IA generativa para interagir com usuários e criar conteúdo.
As mudanças para anunciantes feitas com IA já aparecem nas receitas da empresa, que subiram 16% no ano passado, para US$ 134 bilhões. A Meta já fala em criar a IA geral, algo capaz de superar a capacidade cognitiva humana.
Assim como ao longo dos últimos 20 anos, Zuckerberg está sempre em busca de novas rotas para se manter no topo. Em alguns casos, inovações de suas redes alteraram a própria dinâmica de uso da internet — para o bem e para o mal.
Victor Piaia, professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI), cita como mudança mais significativa a forma de as pessoas consumirem informação. O feed, ou “linha do tempo”, virou paradigma para produtos digitais e mudou o cotidiano:
“Distâncias sociais se tornaram menos rígidas e conviver com opiniões dos outros de modo constante trouxe uma transformação significativa.”
Mas, assim como os encontros virtuais, o Facebook inaugurou a era de discórdias em redes sociais, cujos algoritmos favorecem a formação de bolhas de opinião. E teve suas próprias polêmicas, como o mapeamento controverso de comportamentos de usuários para fins publicitários ou políticos, nem sempre com a autorização expressa dos internautas para o uso dos dados.
É crescente também a cobrança da sociedade sobre a responsabilidade das gigantes de tecnologia em relação aos riscos a que usuários, particularmente os mais jovens, estão expostos em suas plataformas, como predadores sexuais, golpistas, teorias da conspiração e dramas psicológicos como os que envolvem suicídios de adolescentes.
Futuro fragmentado
A essas críticas, a Meta costuma dizer que trabalha no aperfeiçoamento de mecanismos para coibir esses riscos, mas sempre na linha de que são os usuários os responsáveis pelo que postam nas plataformas.
Para especialistas, nem as polêmicas, nem a ascensão de concorrentes devem tirar a relevância do Facebook nos próximos anos. Mas a inovação e a atenção dos usuários será, cada vez mais, dividida com outras plataformas.
Maurício Felício, professor de comunicação e publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz que é natural que o Facebook amadureça e assuma outro lugar na chamada infosfera:
“Redes sociais se movem organicamente, vão aprendendo e se reposicionando. É uma evolução natural.”
Monica Magalhaes, especialista em inovação e fundadora da Agência Disrupta de Exploração de Futuro, vê como caminho natural a sobreposição de redes sociais, com públicos que migram entre elas e outros que permanecem fiéis a uma:
“São públicos específicos para cada uma. Haverá uma distribuição de formatos.”
Giordana Pucci, de 22 anos, é uma das poucas jovens que preferem se concentrar no Facebook. Chegou a desativar o aplicativo em 2017, para tentar reduzir o tempo de tela. Manteve o Instagram, que quase não usava, mas acabou voltando ao Face. Gosta do feed povoado de amigos e familiares:
“O Facebook tem “calor humano”, interajo mais porque são pessoas que eu conheço — diz a estudante de Brasília.”
Por Juliana Causin e Carolina Nalin, Agência O Globo