sexta-feira,22 novembro, 2024

Anteprojeto que regula IA é à prova de obsolescência por avanço tecnológico

O anteprojeto de lei de regulação da inteligência artificial no Brasil não se prende a padrões técnicos. Com isso, a norma é atemporal, evitando o risco de ficar obsoleta com o desenvolvimento tecnológico. É o que afirmam especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

No fim de dezembro, a comissão de juristas responsável por elaborar um anteprojeto de regulação da inteligência artificial no país entregou o relatório final dos trabalhos ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Substitutivo de três projetos de lei relativos ao tema — 5.051/2019, 21/2020 e 872/2021 —, o texto visa a estabelecer princípios, regras e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da tecnologia no país.

Presidente da comissão, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, afirma que o anteprojeto segue a boa prática de prever textos normativos tecnologicamente neutros. Isso significa que a proposta não se fia a um padrão técnico, de modo que suas normas são atemporais.

“Nesse sentido, pretende-se um texto que estipula e consolida direitos mínimos já reconhecidos no ordenamento brasileiro, o que não é incompatível com a abordagem de classificação de riscos, que é dinâmica e mutável”, explica o ministro.

Dessa maneira, diz Cueva, o projeto busca estabelecer padrões de condutas que podem e devem ser alcançados com inovação e o estado da arte da tecnologia. Uma lei baseada nessa lógica permite que as empresas que bem operacionalizem o atendimento a tais direitos detenham um diferencial competitivo, segundo o magistrado.

A regulação da inteligência artificial não equivale a regular a tecnologia em si, mas, sim, os modelos de negócios que usam essa ferramenta, afirma o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Elton Leme, que é professor da FGV e coordenador adjunto do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento.

“Toda regulamentação que envolve uma tecnologia disruptiva é um enorme desafio. Para dar conta desse desafio, a comissão optou por diferentes modelos regulatórios: previsão de princípios; abordagem baseada em riscos; abordagem baseada em direitos; instrumentos de governança; estímulo à autorregulação; e adoção de boas práticas. Dessa forma, a legislação prevê um sistema regulatório que permite uma maior oxigenação e tem mais instrumentos de adequação à evolução da própria tecnologia”, opina Leme.

A juíza federal Caroline Tauk, coordenadora acadêmica do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento, diz que os parlamentares precisam se envolver mais na discussão sobre o tema.

Um maior engajamento de senadores e deputados permitiria estabelecer um desenho de gerenciamento de riscos que desse conta da complexidade dos diferentes sistemas de inteligência artificial e a consequente responsabilidade dos operadores, na opinião de Caroline.

Conceito de IA
Mas, afinal de contas, o que é inteligência artificial? O anteprojeto a define como um “sistema computacional, com graus diferentes de autonomia, desenhado para inferir como atingir um dado conjunto de objetivos, utilizando abordagens baseadas em aprendizagem de máquina e/ou lógica e representação do conhecimento, por meio de dados de entrada provenientes de máquinas ou humanos, com o objetivo de produzir previsões, recomendações ou decisões que possam influenciar o ambiente virtual ou real”.

Essa definição procura diferenciar a inteligência artificial dos sistemas de automação, que não produzem previsões, recomendações ou decisões, de acordo com Villas Bôas Cueva.

Elton Leme afirma que a inteligência artificial é um campo de estudo que envolve máquinas capazes de fazer tarefas, com aprendizado, resolução de problemas, raciocínio e tomada de decisões. Segundo o desembargador, é algo que envolve, necessariamente, atividades de interpretação e análise. “Ela é capaz de aprender com experiências anteriores e ajustar seus próprios algoritmos, tornando-se cada vez mais precisa.”

Já a automação, diz o magistrado, é o uso de tecnologia para automatizar processos ou tarefas repetitivas. “Ela elimina a necessidade de intervenção humana, ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência e a precisão. Isso pode ser feito por meio de programação de algoritmos simples ou de sistemas completos que substituem as atividades humanas por máquinas. As duas tecnologias podem estar presentes num mesmo sistema, mas não são interdependentes”, explica Leme.

Já Caroline Tauk ressalta que não há um conceito amplamente aceito de inteligência artificial, seja porque os sistemas interagem com a inteligência humana de inúmeras formas, seja porque eles são projetados para operar com diversos níveis de autonomia. Por isso, uma forma simples é descrever os sistemas de inteligência artificial como “sistemas baseados em computador que são desenvolvidos para imitar o comportamento humano”.

Por sua vez, a automação simples se dá quando as máquinas respondem a um comando, e seu uso destina-se a tarefas repetitivas ou de baixa complexidade cognitiva, explica a juíza. Como exemplo, ela cita os sistemas de tramitação processual eletrônica no Judiciário, que permitem programar a publicação e intimação de decisões, uma vez assinadas pelo julgador, dispensando que tais atos sejam feitos pelo assessor.

“Quando há um salto de sofisticação na automação, fala-se em inteligência artificial, ocasião em que as máquinas têm a capacidade de escolher a melhor ação a ser tomada para atingir um determinado objetivo, considerando dados disponíveis. É nesse sentido a definição proposta pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em 2019, ao anunciar princípios para o desenvolvimento da inteligência artificial, tendo como signatários 42 países, entre eles o Brasil”, cita Caroline.

Novos crimes?
O anteprojeto de regulação da inteligência artificial não cria crimes. O foco da proposta é o impacto das tecnologias sobre a sociedade, afirma Villas Bôas Cueva. Dessa forma, o texto prevê responsabilização civil e eventualmente sanções administrativas pelo descumprimento de preceitos da lei. Os direitos já existem, é uma questão de contextualizá-los, bem como as penalidades para a violação deles, destaca o ministro.

Muitas atividades que são consideradas criminosas na vida “real” também podem ocorrer no ambiente virtual, menciona Elton Leme. Entre elas, fraudes, roubo de dados, pornografia infantil, bullying, assédio, difamação e violação de direitos autorais.

Por Sérgio Rodas

Redação
Redaçãohttp://www.360news.com.br
1º Hub de notícias sobre inovação e tendências da região Centro-Oeste e Norte do Brasil.

LEIA MAIS

Recomendados