Amazônia vive hoje momento bastante diferente do que vivia em 2022, mas ainda há um extenso caminho a percorrer na direção do desenvolvimento sustentável
Celebramos anualmente o dia da Amazônia em 5 de setembro. É uma ótima oportunidade para fazermos um balanço de como caminha o processo de desenvolvimento da região, seus avanços, entraves, oportunidades e desafios. O objetivo desse artigo é contribuir para essa reflexão. Farei essa análise em quatro eixos clássicos para análises de processos de desenvolvimento sustentável: ambiental, social, econômico e governança.
Podemos começar observando que a Amazônia vive hoje um momento radicalmente diferente em relação a 2022. Nesse mesmo período do ano passado, a Amazônia vivia uma explosão do desmatamento, garimpo, extração de madeira ilegal, grilagem e narcotráfico. Podemos dizer que o boom do crime organizado atingiu o seu pico em 2022 e, em 2023, iniciou-se uma trajetória de reversão desse quadro.
Na dimensão ambiental, a taxa de desmatamento, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), diminuiu em 42,5%, saindo de 5.754 km² em 2022 para 3.149 km² em 2023, na comparação dos meses de janeiro a julho. Nesse mesmo período, as multas aplicadas pelo Governo Federal aumentaram em 147%, os embargos em 123% e as apreensões em 107%. Isso foi fruto de uma mudança no posicionamento político do governo, que incluiu a montagem de equipes com melhor qualificação técnica e lideranças comprometidas com a agenda ambiental.
Além disso, houve uma mudança na narrativa política extremamente relevante. O discurso da gestão bolsonarista de leniência e apoio aos garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros foi substituído por uma narrativa de cumprimento da lei e respeito aos direitos dos povos indígenas e à legislação ambiental. Essa mudança de narrativa teve grande impacto sobre os agentes do crime e da destruição da Amazônia.
Ainda existem enormes desafios na agenda ambiental. Entre eles, merece destaque a destinação de terras públicas ainda não designadas. É essencial frear a grilagem de terras públicas, que representa um dos principais vetores econômicos do desmatamento.
Com relação à dimensão social, houve uma profunda mudança nas políticas de combate à invasão de terras indígenas. A visita do presidente Lula ao território Yanomami logo no início de 2023 foi muito simbólica. As imagens chocantes do garimpo cruzaram as fronteiras político partidárias e geraram um sentimento de indignação na maioria da sociedade brasileira. A desintrusão de invasores da Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará, foi muito simbólica e mostra a necessidade de reverter as invasões de territórios indígenas.
Um grande desafio é a superação dos elevados níveis de pobreza, urbana e rural, que alcançam mais de um terço da população da região norte e mais de 50% da população em alguns estados. O fortalecimento de políticas sociais de transferência de renda, como o Bolsa Família, é um fator positivo, mas insuficiente. É necessário formular programas mais abrangentes, capazes de colocar as populações pobres numa trajetória de prosperidade multidimensional com base numa abordagem sistêmica. Isso requer uma revisão das políticas de educação, saúde, saneamento, energia, geração de renda, entre outras, visando o aumento das suas eficácias e eficiências. O desafio central é superar a má qualidade do gasto público, em todos os níveis de governo.
Considerando a dimensão econômica, o quadro é muito heterogêneo. O Polo Industrial de Manaus (PIM) faturou R$ 72,03 bilhões nos cinco primeiros meses deste ano, o que revela crescimento de 1,96% na comparação com o mesmo intervalo de 2022 (R$ 70,65 bilhões). A região ao sul da Amazônia, onde a fronteira agrícola está consolidada, vive um bom momento com ganhos de produtividade da soja e da pecuária e dinamismo das cadeias de valor do agronegócio. Cidades como Sinop, no Mato Grosso, apresentam um dinamismo econômico vibrante e bons indicadores sociais, puxados pela atividade agropecuária. Esse é um quadro totalmente distinto da maior parte das cidades da Amazônia profunda, que carece de políticas púbicas eficazes para outros modelos de desenvolvimento.
Ainda persiste o grande desafio para estruturar modelos de desenvolvimento econômico com a floresta em pé. Se, por um lado, existem muitos casos positivos de iniciativas públicas e privadas que apontam caminhos promissores, são necessárias políticas mais eficazes para a ampliação e multiplicação dessas iniciativas. Para isso, é necessário estruturar programas amplos para a economia da floresta em pé, que incluam a formação profissionalizante, o apoio ao empreendedorismo, o desenvolvimento tecnológico e inovação, entre outros.
Sobre financiamento, os bancos deram passos importantes, como a criação da Coalizão Verde. Essa iniciativa reuniu 19 bancos nacionais e internacionais, com a meta de ofertar R$ 4,5 bilhões para o financiamento de negócios sustentáveis na região amazônica. O desafio é reduzir a burocracia e acelerar a chegada desses recursos na ponta.
Com relação à governança, ocorreu um avanço histórico com a realização da Cúpula da Amazônia, em Belém. Foi um encontro de presidentes dos oito países amazônicos e de mais oito países de outras regiões. O evento fortaleceu o papel da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que deve ter um protagonismo mais forte no cenário internacional. Além disso, a Cúpula contou com a participação de quase 30 mil representantes dos diferentes segmentos da sociedade civil. Ficou clara a necessidade de incluir a perspectiva dos movimentos sociais, academia, organizações não governamentais e empresas na construção de políticas públicas apropriadas para a região. No âmbito nacional, o Consórcio dos Governadores da Amazônia adquiriu um novo dinamismo e deve ter um papel importante no aprimoramento do pacto federativo.
A reforma tributária é uma agenda complexa e desafiadora e pode contribuir para a redução das desigualdades regionais e recompensar estados e municípios que conservam suas florestas e asseguram o fornecimento de serviços ecossistêmicos essenciais para a segurança nacional.
Os primeiros meses de 2023 nos permitem dizer que foi acesa novamente a chama da esperança, mas ainda falta muito para colocarmos a Amazônia no trilho do desenvolvimento sustentável.
O desafio de mudar a trajetória de desenvolvimento da Amazônia é enorme e requer perseverança e a união de diferentes segmentos, acima das divisões político partidárias e interesses institucionais. Temos que reconhecer os passos e as conquistas já alcançadas e trabalhar de forma colaborativa para a construção de uma Amazônia mais justa, próspera e sustentável.
*Virgilio Viana é superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), professor associado especial da Fundação Dom Cabral (FDC) e membro da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano.
Texto: Virgilio Viana