Fábio Mariz Gonçalves e Ana Carla Bliacheriene expõem seus respectivos pontos de vista em relação ao conceito do tema, que inaugura uma nova série especial no Jornal da USP/Rádio USP
Cidades inteligentes. Vários conceitos podem compor e formar esse novo modo de vida em diversos sentidos. Há quem acredite que sua implantação é possível, mas há quem conteste essa afirmação. Fábio Mariz Gonçalves, professor titular do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, discorda de seus efeitos e eficácia. Ele destaca que as cidades são lugares de encontro com o estranho, com o desconhecido, de dificuldades, contradições e disputas. Espaço político por excelência. Por esse motivo, ele justifica a ineficácia das cidades inteligentes.
“O neoliberalismo quer transformar tudo em empresas, quer transformar os trabalhadores e empresários, as universidades em lugares de preparação de jovens para o mercado. É esse discurso que preside a ideia de cidades inteligentes.” Segundo o professor, essas cidades seriam geridas como empresas, com tecnologias e estratégias gerenciais inovadoras. Prega que a técnica e o pensamento gerencial, empresarial tomem as decisões. Seria uma cidade gerida por empresários, por sistemas e técnicos em busca da máxima eficiência.
Para quem essa cidade seria gerida? O professor faz esse questionamento e responde. “A vida política das cidades é um desafio, mas é o único meio de conseguirmos reduzir as desigualdades, injustiças sociais, ambientais e econômicas. A inteligência preconizada propõe o uso de tecnologias que agravam as diferenças, trabalham para quem as financiam, garantem os lucros, os grupos hegemônicos, o capital financeiro e imobiliário e os que controlam os sistemas de comunicação e as redes sociais. Substituem a verdadeira participação social e política por consultas on-line, trocando as pessoas por dados, buscando a eficiência e o lucro, colocando as decisões orçamentárias e políticas nas mãos de técnicos, plataformas e seus algoritmos.”
Planejamento estratégico
Ana Carla Bliacheriene, professora de Direito da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, especialista em inteligência artificial generativa para o uso do Poder Judiciário, discorda da posição do professor Gonçalves. Para ela, o modelo de cidade inteligente não é um modelo pasteurizado. Ele deve atender às vocações locais, às necessidades locais e deve ser construído dentro de uma seara que envolva esse tripé: infraestrutura, prestação eficiente de serviços públicos e ampliação dos espaços de participação política e decisão cidadã, mas nem todos os países utilizam esse tripé.
“Esse é o único tripé possível na Constituição Federal de 88, uma vez que vivemos uma democracia e que a participação social é pressuposto disso. Cidades inteligentes não são modelos geridos por máquinas, algoritmos ou empresários. Cidades inteligentes são modelos em que o Estado, a partir de um justo e equilibrado processo de decisão coletiva, escolhe um modelo dentro de um planejamento estratégico, muito provavelmente estabelecido no plano diretor e nas leis orçamentárias, e estabelece quais são os avanços e experiências cidadãs que se pretende executar nisso. A tecnologia não é criada pelo Estado, ela é criada pelas empresas, pelo mercado, pelas startups e a união virtuosa entre mercado, startups empresas de tecnologia, Estado e cidadãos é que faz essa cidade atuar organicamente a favor de todos. Então, nesse sentido, as cidades inteligentes podem ser aprofundadoras da democracia e emancipadoras da cidadania e não o contrário.”
Rankings internacionais avaliam quais são as cidades inteligentes no mundo. Eles analisam indicadores que são escolhidos a partir de determinados pontos, com mais ou menos destaque. Entre as cidades brasileiras mais bem classificadas estão: Curitiba, Espírito Santo e São Paulo.
O conceito de cidades inteligentes vem evoluindo de acordo com as etapas de seu estudo e eventuais projetos de implantação. Inicialmente elas surgem de estudos da área da engenharia, em que especialistas da área de infraestrutura das cidades trabalham os temas de conexão, redes e o impacto das tecnologias nas grandes infraestruturas da cidade. Na sequência foram realizados estudos que focaram na área de urbanismo e ciência social, através da análise de políticas públicas. A partir daí, o estudo é ampliado não só para a infraestrutura, mas também como a cidade acolhe as pessoas e como as cidades estariam prontas para prestação de serviços públicos e para atender às grandes necessidades da comunidade.
Por Simone Lemos, em Jornal da USP no Ar
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