Os intervenientes neste painel representavam os três grandes segmentos de negócio em torno dos serviços prestados no setor da mobilidade elétrica. Os operadores de pontos de carregamento (charge point operators, CPO, em inglês) procuram otimizar as operações de carregamento dos carros; os distribuidores (distribution system operators, DSO) concentram-se na rede, fornecendo operações de menor ou maior voltagem (capacidade); há também os sistemas de gestão das infraestruturas (demand side management, DSM), os quais envolvem sensores, automação e comunicação, algo que permite equilibrar a procura e oferta em tempo real. Em comum, os três segmentos geram enormes quantidades de dados e este foi o tema discutido.
Roderick Van Der Berg é presidente executivo da Eco-Movement, uma DSM que o próprio descreveu como plataforma de informação onde podem ser encontradas localizações ou o custo preferencial. “Simplificando”, explicou, “onde estão os postos de carregamento, quais são os preços, quem é o operador, qual é a velocidade. Fazemos isso numa escala mundial, na Europa, nos Estados Unidos, nos países ocidentais onde há mobilidade elétrica. Os nossos bancos de dados têm um milhão de conexões”. Aliás, Eco-Movement é líder de mercado neste setor, em todo o mundo, a operar em 70 países.
Gonçalo Castelo Branco, diretor de mobilidade inteligente da EDP Comercial, descreveu o modelo de negócio da sua empresa, que funciona no segmento do carregamento (CPO). “Operamos em Portugal e Espanha, com mais de 4,5 mil pontos de carregamento, mas também somos responsáveis pela gestão destas estações e produzimos grandes quantidades de dados”. A informação recolhida, acrescentou, diz respeito à sessão, duração, energia total, velocidade, localização, se era ponto de carregamento rápido ou lento, ainda aspetos de pagamento e subscrições. “Esta informação pode ser utilizada para gerir melhor a rede”.
Existe ainda o segmento da distribuição (DSO), representado neste debate por Luis Tiago Ferreira, responsável pelo Open Data da E-REDES. Como funciona esta operação? “Sempre que é criada uma nova estação de carregamento, isso significa uma nova ligação à rede” elétrica. Ou seja, o reforço implica “aumento no consumo de eletricidade, que medimos nos nossos medidores inteligentes”, disse o responsável. Estas medições são feitas todos os 15 minutos e geram grande quantidade de dados. Em resumo, integrar veículos elétricos na rede modifica a procura de energia e isso precisa de ser gerido com informação concreta.
Municípios e governos
Questionados por Paulo Tavares, curador do PMS, sobre a influência dos dados nas decisões de governos e municípios em matéria de mobilidade, os intervenientes no painel sublinharam o papel destas tecnologias no futuro das cidades inteligentes. Para Roderick Van der Berg, “as decisões empresariais fundamentais são baseadas em boa informação e boas conexões de dados, por isso tentamos fornecer boas fontes, que a indústria possa utilizar. Há toda a espécie de utilizações, para governos, para a eficiência do planeamento. Todos precisam de informação correta e de qualidade”, disse o dirigente empresarial.
Luís Tiago Ferreira concordou, acrescentando que a expansão dos veículos elétricos é um grande objetivo das cidades inteligentes. “Qualquer presidente de câmara quer garantir que a mobilidade elétrica avança a grande velocidade na sua cidade, mas isso tem de ser medido. Os poderes públicos precisam de dados para avaliarem o progresso dos seus objetivos”. É preciso fazer comparações com outros locais e outras experiências para identificar as melhores práticas e criar um ecossistema mais eficaz, explicou o responsável de Open Data da E-REDES.
“Sempre que uma pessoa está a carregar o carro está a gerar dados, é importante entender os padrões, a utilização, as localizações”, disse Gonçalo Castelo Branco. “Queremos ter o ponto de carregamento no local mais conveniente, por exemplo, no bairro, perto da autoestrada. Essa informação é importante no planeamento urbano. Quando estamos a instalar pontos de carregamento, precisamos de acesso à rede, precisamos de energia disponível e a capacidade pode ser mais fácil ou difícil conforme usamos carregamento rápido ou mais lento, temos de planear isso à partida. Para aumentar a infraestrutura, é importante ter informação de como os pontos serão colocados e as tendências que os dados nos apontam. Perceber os comportamentos também permite fazer recomendações personalizadas para os condutores”, acrescentou o diretor de mobilidade inteligente da EDP comercial.
Conveniência
Com tais quantidades de informação disponíveis, surgem duas questões: o que é que o consumidor recebe em troca dos dados que fornece ao carregar o seu carro e quais serão as vantagens da partilha dessa informação? A resposta foi unânime, há benefícios na conveniência da utilização, mas também existe necessidade de partilha de dados. “Temos em mente o melhor uso do consumidor”, disse Gonçalo Castelo Branco, ao mencionar a otimização da sessão de carregamento, a informação sobre os postos disponíveis, enfim, “a transparência e redução de custos”.
“Seria estranho se o consumidor não ganhasse com a partilha de dados”, disse por seu turno Luís Tiago Ferreira. O especialista referiu um exemplo: otimizar a carga num edifício com garagem que tenha postos de carregamento. É fácil duplicar a carga no edifício, mas se for gerido com máxima informação, o reforço da rede pode ser feito com um mínimo de investimento, o que requer “partilha de informação”.
Além de defenderem essa partilha de dados, os três oradores falaram de preços dinâmicos. Trata-se de uma estratégia baseada em informação que permite evitar situações de congestionamento, já que não é possível que todos os utilizadores de carros elétricos tentem carregar os seus veículos ao mesmo tempo. O investimento na infraestrutura é acompanhado de tarifários flexíveis, levando a que, em resposta aos sinais do mercado, as pessoas carreguem as viaturas a horas diferentes. Os painéis solares devem ser integrados na rede e nos preços, numa lógica bidirecional que pode incluir, por exemplo, o fornecimento de energia aos vizinhos. “Tudo isto é possível com tecnologias que já existem”, explicou Gonçalo Castelo Branco.
Mudança de comportamentos
No futuro, haverá grandes mudanças nos comportamentos dos utilizadores de carros elétricos induzidas por estas tecnologias de informação e a utilização massiva de dados. Os três membros do painel concordam com esta ideia. ” Já vemos isso a acontecer”, afirmou Roderick van der Berg, dando o exemplo “de frotas que funcionam com recomendações ou preferências. Há plataformas que podem dar preferências de rotas, com indicações personalizadas, incluindo restaurantes ou outros equipamentos, mas também preços. A otimização das rotas está já a acontecer em pequena escala, mas queremos aumentar esse efeito”, disse o responsável de Eco-Movement.
O diretor de mobilidade inteligente da EDP Comercial, Gonçalo Castelo Branco, lembrou que a sua empresa tem aplicações que facilitam a vida ao consumidor. O consumidor pode ver as necessidades do seu veículo e simular a sessão de carregamento e o respetivo custo, pode planear a rota ou os sítios onde tenciona parar. “Esta informação está disponível em diferentes aplicações em toda a Europa”, disse Gonçalo Castelo
Branco. “A experiência de carregar um carro elétrico é muito diferente de usar um carro a combustível, há uma altura em que temos de aprender o conceito e depois dessa aprendizagem, a informação disponível é muito conveniente”.
Luís Tiago Ferreira concordou com os outros oradores: “Já estamos a ter alterações de comportamento devido à existência de informação. Toda a gente coloca o seu veículo a carregar a determinadas horas, para beneficiar dos diferentes preços. Vemos operadores a oferecerem descontos quando o preço do mercado de energia é menor”, explicou. “Isto é apenas o início e nos próximos anos, haverá grandes mudanças”. Na sua opinião, os consumidores serão sensíveis a energia mais verde, a menores custos, a descontos ou à circunstância de haver painéis solares no seu edifício.
Sobre os novos negócios ligados à utilização dos dados, Gonçalo Castelo Branco disse ver grandes possibilidades. “A mobilidade do futuro não será apenas elétrica, mas conectada. Partilhada e, no futuro, autónoma”. A informação fará parte deste conjunto. Na sua perspetiva, há tendência para uma nova forma de utilização dos veículos, “o acesso a um carro não dependerá da propriedade”, com o aumento da tendência para o uso de subscrições; dito de outra forma, as pessoas vão comprar serviços temporários de mobilidade.
A EDP será parte disto, considera o gestor. “Temos as estações de carregamento, a capacidade de as ligar à rede. Temos de trabalhar com essa rede e precisamos de dados para manter em funcionamento os postos de carregamento, mas também precisamos de nos ligar aos outros setores e fornecer recomendações, rotas, redução de custos, transparência na faturação. Isso será conseguido com partilha de informação e vai gerar valor e novos modelos de negócio”.
Luís Tiago Ferreira concordou que a monetização dos dados pode gerar novos rendimentos para as empresas, mas deve haver limites. “Vamos provavelmente encontrar novas formas de comercializar o serviço e, na rede, haverá possibilidades de flexibilidade em relação a dados que os utilizadores partilham e também a dados que as pessoas não partilham”. No entanto, em relação aos carros elétricos, este especialista recomenda alguma cautela. “Temos visto em outras partes da indústria, se não adicionamos valor ou se o modelo de negócio é muito específico”, neste caso mobilidade, envolvendo carro que podem custar 40 ou 50 mil euros, “o consumidor final pode não aceitar bem se começamos a monetizar os seus dados”.
Para Luís Ferreira, o consumidor aceitará que as empresas usem os dados ligados a aumentos de eficiência, à segurança ou ao conforto, mas será arriscado tentar fazer negócios relacionados, por exemplo, com a informação de gestão das baterias: “isso tem de ser feito de maneira que o consumidor perceba que está a tirar uma vantagem, ou ele pode rejeitar a flexibilidade e dizer que apenas pretende usar o seu carro”.
Por: Luís Naves