sábado,23 novembro, 2024

A figura do agente arrecadador no sistema tributário nacional

Há um conhecido trade-off, quando se fala em tributação, entre um tributo eficiente e um justo[1]. Diz-se que, quanto mais simples e descriteriosa for a tributação, menos justa ela será. Inversamente, quanto mais criteriosa e justa for a tributação, mais complexa, menos neutra e, consequentemente, menos eficiente será a sua administração. 

Seria de uma facilidade imensa coletar e administrar um imposto instituído em um valor fixo, per capita, pelo qual cada cidadão brasileiro inscrito no cadastro nacional de pessoas físicas pagasse, por exemplo, R$ 200 por mês ao governo. Tal tributo também seria neutro, pois não afetaria, a princípio, as curvas de oferta e demanda[2]. No entanto, tal tributação seria demasiadamente injusta, já que, para uma grande parte da população, esse valor fixo representaria grande parcela de seus proventos destinados à subsistência. Por outro lado, para uma pequena parte mais abastada da sociedade, tal montante teria pouca relevância financeira.

Por isso, países desenvolvidos buscam instituir sistemas tributários com base em regras e princípios de justiça, visando captar a riqueza de cada indivíduo de acordo com a sua capacidade contributiva, sem perder de vista, no entanto, a eficiência necessária à economia e à administração pública. Daí hoje serem instituídos tributos sobre fatos econômicos que representem a manifestação de riqueza (renda). Portanto, a justa tributação incide sobre: a renda poupada (patrimônio), a renda auferida (ganhos e rendimentos) ou a renda consumida (no momento da aquisição de bens ou serviços).[3]

Para se captar, com eficiência, a riqueza manifestada pela circulação da renda, sistemas tributários adotam mecanismos que facilitam a praticabilidade da arrecadação. Por exemplo, na tributação direta da renda auferida, em determinadas situações, atribui-se à fonte pagadora o dever de reter a parcela devida a título de imposto de renda pelo seu credor. É o que, no Brasil, chamamos de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

No Brasil, a doutrina diverge sobre a natureza jurídica do agente responsável pela retenção na fonte do IRRF. De um lado, uma vertente sustenta que a fonte pagadora seria o sujeito passivo da relação jurídica tributária, em decorrência da responsabilidade por substituição do contribuinte que auferiu a renda tributada[4]. De outro lado, opondo-se a essa ideia, de que a fonte pagadora se enquadraria na hipótese de sujeito passivo da relação jurídica tributária, há a vertente a qual este autor se filia, que entende que a natureza jurídica da fonte pagadora é tão somente de agente incumbido de “auxiliar a administração fazendária”.[5]

A retenção na fonte como forma de cobrança do imposto de renda encontra origens no Reino Unido do início do século 19, sob o intuito de dar maior eficiência à arrecadação[6]. Quase um século depois, na linha do modelo adotado pioneiramente pelos ingleses, o Congresso Nacional dos EUA promulgou o Tarif Act de 1894, para financiar o governo após a Guerra Civil. O imposto incidiria em 2% sobre rendimentos (juros e dividendos) pagos aos acionistas por instituições financeiras e pessoas jurídicas ferroviárias[7]. A renda tributada era a dos acionistas, mas o dever de reter o tributo na fonte e repassá-lo ao fisco era das instituições pagadoras, o que certamente facilitou a arrecadação. 

Fica evidente que a fonte pagadora atuava como agente arrecadadora em nome do governo americano já que, quando um contribuinte chamado Charles Pollock resolveu questionar a constitucionalidade desse imposto na Justiça, tratou de processar o agente responsável pela retenção de seus rendimentos (no caso, a instituição financeira privada denominada Farmers’ Loan & Trust Co., que mais tarde veio a se tornar o Citibank). É que, pelas regras processuais vigentes nos EUA, a ação deveria ser movida contra o responsável pelo pagamento dos dividendos, que realizava retenção parcial questionada. Assim, o caso foi julgado pela Suprema Corte, formando um importante precedente tributário naquele país: o Pollock vs. Farmers’ Loan & Trust Co. 

Também se vê a figura do particular exercendo o papel de agente arrecadador na tributação indireta (da renda consumida). É o caso do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), no qual o fornecedor de bens e serviços é quem cobra e recolhe aos cofres públicos o imposto devido pelo destinatário, assim fazendo em função do dever legal que tem, de incluir no preço do bem ou serviço o valor do imposto incidente por ocasião daquela operação. Pegue-se de exemplo o Canadá, que define expressamente em sua legislação que o fornecedor de bens ou serviços deve atuar “como agente de sua Majestade em direito do Canadá[8], para cobrar o imposto (…) devido pelo destinatário [do bem ou serviço]” (conforme ss 221 do Excise Tax Act.).

Isso traz enorme eficiência, em termos de praticabilidade na tributação indireta, já que haverá sempre um agente responsável pela apuração e arrecadação do imposto devido pelo destinatário, quando do recebimento da contrapartida financeira, em cada uma das etapas da cadeia de produção, até o consumo final.

A diferença entre o agente arrecadador do IVA e o agente arrecadador do IRRF é que, enquanto o primeiro realiza a coleta o tributo no momento do recebimento de um valor pago pelo contribuinte (que está consumindo sua renda), o segundo o faz enquanto paga determinado valor ao contribuinte (que está auferindo a sua renda).

Em ambos os casos, todavia, se o agente arrecadador realizar a retenção em desfavor do contribuinte, mas não efetuar o repasse do valor aos cofres públicos, terá de responder patrimonialmente e criminalmente pelo inadimplemento e pela apropriação indébita. Assim, verificam-se consequências positivas na utilização da figura do agente arrecadador, em termos de eficiência arrecadatória, por haver uma maior coercitividade ao recolhimento do tributo, desestimulando casos de sonegação. 

No Brasil, em termos de tributação indireta, nota-se que o legislador preferiu recorrer a outra técnica arrecadatória, quando buscou por maior eficiência. A exemplo do ICMS, lançou-se mão demasiadamente sobre a técnica da substituição tributária, em busca de uma arrecadação centralizada em grandes fornecedores e, supostamente, mais facilitada. A diferença primordial entre o método aqui proposto e o método da substituição tributária é que, diferentemente do substituto tributário, o agente arrecadador não tem a obrigação de pagar o tributo como se contribuinte fosse (pois não o substituiu). Menos que isso, o agente arrecadador apenas tem o dever de, no exercício de sua atividade econômica, cobrar o tributo do contribuinte com o qual se relaciona, sendo este último quem responde patrimonialmente pelo encargo tributário.

Assim, pensando-se em uma reforma tributária no Brasil que vise revogar tributos indiretos que incidem sobre a produção, prestação e comercialização (tais como o ICMS, ISSIPI e PIS/Cofins), para a instituição de um Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) nos moldes de um IVA, que venha captar mais adequadamente a riqueza gerada no momento da consumação da renda do contribuinte, a figura do agente arrecadador seria de suma importância para a justa e eficaz administração deste imposto. Assim, o fornecedor de bens ou serviços deixaria de ser – como é hoje – o contribuinte dos tributos indiretos, passando a ter apenas o dever de cobrar do destinatário (que será o contribuinte legítimo) o imposto devido por aquela operação.

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