Setembro é um mês de intensa mobilização pela conservação do meio ambiente no Brasil. Além de termos comemorado o Dia da Amazônia (5), também celebramos o dia do Cerrado (11). Mas o que há realmente para comemorar quando falamos de uma das áreas naturais mais ricas em plantas e animais do planeta, que estão desaparecendo em larga escala diante dos nossos olhos? Só em julho deste ano, foram desmatados 612 km² no Cerrado, um aumento de 26% em comparação a julho de 2022.
Neste artigo, vamos ilustrar uma das consequências dessa alta taxa de desmatamento e conversão do Cerrado, sua relação direta com a existência do Pantanal e como podemos agir de forma cirúrgica e certeira para recuperar o que foi perdido.
Um [imenso] ecossistema que adentra o Brasil
O Cerrado tem aproximadamente 2 milhões de quilômetros quadrados, para dar uma ideia geral da grandiosidade do bioma, se considerarmos um carro com uma velocidade média de aproximadamente 80 km/h, seriam necessárias aproximadamente 25.000 horas (mais de 1.000 dias) de condução contínua para dar uma volta completa no Cerrado de carro.
Além disso, ele está no centro do nosso país e, se tivesse braços, teria quatro deles, porque o Cerrado “dá as mãos” para Amazônia, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica – criando uma relação de interdependência entre eles.
O bioma é complexo, formado por florestas e campos, cujas árvores têm raízes profundas que atuam como uma esponja gigante absorvendo, estocando e ajudando na infiltração da água da chuva no solo. Água essa que é distribuída para milhões de nascentes durante todo o ano. E assim, abastece 8 das 12 principais bacias hidrográficas nacionais e contribui para a recarga de vários aquíferos, suprindo as regiões urbanas e rurais, para a agricultura, indústria e fornecendo água potável e geração de energia elétrica para aproximadamente 190 milhões de pessoas em todo o Brasil. Isso quer dizer que mesmo morando em São Paulo, a água da sua torneira provavelmente nasce no Cerrado.
No entanto, o bioma enfrenta sérios desafios. O desmatamento e a degradação contínua ameaçam a sua capacidade de manter esse fornecimento de água vital. A perda de vegetação nativa compromete não apenas a qualidade, mas também a quantidade de água disponível. Essa é uma crise hídrica que afeta diretamente nossa segurança alimentar, produção de energia e bem-estar geral. A degradação do bioma provoca também uma reação em cadeia alarmante, visto que o Cerrado desempenha uma dinâmica fundamental para a existência de outros biomas como, por exemplo, o Pantanal.
Do ponto de vista de relevo, o Pantanal é uma planície, acima dele tem um planalto conhecido como Cabeceiras do Pantanal, onde há um fluxo hídrico mais intenso até Corumbá, seu ponto mais baixo.
A grande maioria das nascentes do Pantanal estão localizadas no Cerrado, área prioritária de ações do WWF-Brasil, onde temos nossa estratégia mais urgente de conservação. Olhando no mapa, vemos que essa paisagem funciona como um “cinturão” de Cerrado que abraça o “início” do Pantanal.
Ali se encontram 85 municípios e 16 sub-bacias hidrográficas de parte dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e vivem cerca de 3 milhões de habitantes. 80% dos rios que abastecem a planície Pantaneira e regem os fluxos de inundação do Pantanal nascem nas Cabeceiras, mantendo a biodiversidade, funções e processos ecológicos e o modo de vida regional.
Essa relação geográfica é crucial para a compreensão da dinâmica do Pantanal e de como a gestão das águas e a conservação das cabeceiras dos rios são fundamentais para a preservação desse ecossistema único.
Em parceria ganhamos escala e velocidade, e graças à ciência sabemos onde atuar com precisão
Nós atuamos com um sólido embasamento em conhecimento científico e dados concretos, que fornecem subsídios técnicos robustos para direcionar ações práticas na paisagem, impulsionados pelo objetivo de alcançar resultados efetivos. Por isso, para compreender o tipo de trabalho e projetar melhores soluções em conservação ambiental e garantir esse abastecimento hídrico, nos unimos a especialistas do assunto e realizamos estudos inéditos na região que identificaram que é preciso intervir com restauração florestal em pelo menos dois milhões de hectares – ou 11% da paisagem, tamanho equivalente a aproximadamente 2,5 vezes o município de Campo Grande. O intuito é atingir o melhor custo-benefício na implementação da restauração, potencializando o controle da erosão e a regulação hídrica, serviços ecossistêmicos fundamentais para aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da água no território.
De acordo com as modelagens realizadas pelos pesquisadores, a melhoria da qualidade da água começou a ser percebida nos locais onde ao menos 2,5% da paisagem foi alvo de ações sustentáveis, como restauração nas margens de rios e nascentes, conservação do solo e adoção de melhores práticas agrícolas. Já o aumento do volume hídrico foi constatado após intervenção em, no mínimo, 20% da paisagem.
Compreendemos também que para concretizar transformações tão promissoras, é essencial unir esforços. É por isso que buscamos parcerias corporativas que compartilhem do compromisso com a agenda socioambiental e estejam dispostas a impulsionar as atividades de restauração deste território de grande relevância para a sociedade.
Nossos esforços estão focados em reverter a degradação do Cerrado e restaurar as nascentes e rios do Pantanal. Temos uma abordagem integrada que combina restauração, reabilitação e conservação inclusiva, que trabalha em parceria com os Povos Indígenas e comunidades locais reconhecendo os papéis históricos que eles têm desempenhado para salvaguardar os ecossistemas naturais. Porque queremos não apenas parar o desmatamento, mas também restaurar e reabilitar terras para garantir a produção sustentável e a manutenção de serviços ambientais, como água, alimentos, ar puro e renda com os produtos nativos do Cerrado. Além de fortalecer instituições, produtores e a população local para que o ecossistema de pé tenha valor econômico e as transformações positivas sejam duradouras.
Ao apoiar projetos de restauração e conservação no Cerrado, as empresas estão protegendo os recursos hídricos, atendendo a um Objetivo do Desenvolvimento Sustentável que é vital e muito pouco considerado pelas organizações, o 6º ODS: Assegurar água e saneamento de qualidade a todos. Além disso, fortalece a própria resiliência dos negócios – prova que suas práticas ESG não se restringem aos relatórios corporativos. Companhias de diversos setores, desde saneamento até agronegócio e indústria de alimentos, estão diretamente conectadas ao bioma e dependem de seus serviços ecossistêmicos.
A preservação do Cerrado não é apenas uma questão de responsabilidade ambiental, mas também uma medida essencial para garantir a continuidade de operações econômicas e o bem-estar das comunidades locais. A ação conjunta entre governos, organizações ambientais e empresas é imperativa para reverter a degradação do bioma, restaurar suas nascentes e rios, e assegurar um futuro sustentável para todos. É hora de reconhecer que a conservação do Cerrado é um investimento não apenas na natureza, mas também no nosso próprio futuro.
Texto: Daniela Teston , Bianca Yukie Maldonado Nakamato – WWF Brasil