Há anos, a questão do trabalho análogo ao escravo no setor da moda vêm sendo exposto por diversas organizações e pela mídia, incentivando uma crescente demanda do consumidor por mais transparência nos processos a fim de garantir ética e engajamento ambiental das marcas. Progressos são observados, porém, a pandemia e outros escândalos recentes, provam que a realidade da vida de muitos trabalhadores ao redor do mundo, ainda é precária e que ainda precisamos exigir mudanças mais radicais em como as nossas roupas são feitas.
Em Karnataka, na Índia, trabalhadores alegam que seus filhos estão passando fome, se alimentando apenas de arroz, porque as fábricas se recusam a pagar o salário mínimo, são mais de 400 mil trabalhadores que não recebem salário desde abril de 2020. De acordo com a organização internacional Worker Rights Consortium, que considera este o maior caso de roubo salarial que já atingiu a indústria da moda, a dívida soma mais de 40 milhões de libras e atinge principalmente as mulheres.
A pandemia do coronavírus agravou ainda mais os casos de débitos salariais e o desemprego. A organização Clean Clothes Campaign realiza a campanha #PayYourWorkers (pague seus trabalhadores, em português) incentivando a pressão pública em relação às marcas envolvidas com fornecedores que estão em dívida. Algumas das marcas expostas são conhecidas mundialmente, como Nike e H&M, e deveriam se responsabilizar de uma vez por todas em ao menos cumprir o mínimo exigido por leis locais – que, infelizmente, em muitos países, ainda é pouco para de fato garantir uma vida digna.
Um outro fator alarmante é o surgimento de um modelo de negócio ainda mais rápido, conhecido como ultra fast-fashion. Baseado em vendas online, a partir do uso inteligente de dados, focado geralmente no público jovem e prometendo entregar as roupas mais inéditas em questão de dias. Este modelo incentiva a aceleração do consumo e produção de roupas, sem apresentar estratégias eficazes e comprometimento com a cadeia produtiva.
O dia 28 de janeiro é o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, foi instituído com o intuito de conscientizar e fortalecer ações em prol da erradicação desta prática desumana. No atual cenário brasileiro, com o enfraquecimento da fiscalização e pouco incentivo do governo, a realidade dos trabalhadores continua nebulosa, reforçando a importância do engajamento por parte de todos.
Os esforços para melhores práticas trabalhistas no setor acontecem principalmente por conta da ação das organizações da sociedade civil, mas é imprescindível que fique claro que este problema é de todos. As roupas fazem parte do nosso cotidiano e estão entrelaçadas com as mais urgentes questões globais, como crise climática, crise econômica e desigualdade social. Não é possível trabalharmos em prol de um mundo melhor, sem considerar todas as vidas por trás do que vestimos.
Por Fernanda Simon para Vogue