Em maio de 2021, Porto Alegre entrou para a história da inovação no Brasil ao se tornar a primeira cidade do país a registrar oficialmente um token imobiliário vinculado à matrícula de um imóvel. A iniciativa, conduzida por Andreas Blazoudakisfundador da Netspaces, foi mais do que um experimento tecnológico: marcou o início de uma revolução na forma como lidamos com a propriedade de ativos físicos no mundo digital.

Quatro anos depois, Blazoudakis voltou à capital gaúcha para participar da edição 2025 do South Summit, um dos maiores eventos de inovação da América Latina, e compartilhou com o público os avanços da empresa — e de todo o ecossistema — desde então.

“Hoje temos mais de 76 imóveis com tokens vinculados à matrícula no cartório. Porto Alegre lidera, com mais de 50, mas já estamos licenciando nosso arranjo jurídico e tecnológico para 126 municípios. A ideia é que o imóvel já nasça digital, tokenizado desde a planta. Isso muda tudo”, contou Blazoudakis.

Muito além de uma escritura digital

Na prática, o que a Netspaces propõe é uma mudança estrutural: transformar o cartório tradicional em um ponto de partida para operações 100% digitais. O token imobiliário — uma representação digital do imóvel em blockchain — funciona como um identificador seguro e único, que permite transações mais ágeis, rastreáveis e transparentes.

“É como se o token fosse o código da conta corrente do imóvel”, explica Andreas. “Ao registrá-lo na matrícula, você possibilita transações sem precisar retornar ao cartório. É um passo essencial para o conceito da ‘internet da propriedade’, onde bens físicos podem ser negociados com a mesma facilidade de ativos digitais.”

Essa abordagem une segurança jurídica com inovação tecnológica, e responde a uma demanda global: como transferir, dividir e comercializar propriedades reais de maneira digital, segura e em escala?

A Web3 aplicada à economia real

Enquanto muitas aplicações da Web3 ainda esbarram em limitações de usabilidade e casos de uso abstratos, a tokenização de ativos reais vem se mostrando uma das frentes mais concretas da nova era digital.

Segundo relatório da Boston Consulting Group, o mercado de tokenização de ativos pode movimentar mais de US$ 16 trilhões até 2030, com destaque para imóveis, infraestrutura e commodities. No Brasil, iniciativas como a Netspaces estão não apenas acompanhando essa tendência, mas ajudando a moldá-la.

“A grande maioria das transações imobiliárias ainda é offline, burocrática e cara. Tokenizar é trazer liquidez, fracionamento e automação. É o que já vimos acontecer no mercado financeiro e que agora chega ao mundo físico”, diz Andreas.

Com a tokenização, é possível dividir um imóvel em partes menores — os chamados real estate tokens — e permitir que mais pessoas invistam em frações de ativos que antes eram inacessíveis. Além disso, contratos inteligentes podem automatizar todo o ciclo de venda, aluguel, financiamento e garantias.

O Brasil na vanguarda

Ao contrário do que se imagina, o Brasil tem vantagens importantes nessa corrida global. O país tem um sistema registral considerado seguro, e um histórico de adoção ágil de tecnologias financeiras — como vimos com o PIX e o Open Finance.

“O mundo olha para o Brasil com atenção. Conseguimos unir o formalismo jurídico que dá segurança ao investidor institucional com uma população cada vez mais digitalizada”, afirma o fundador da Netspaces.

Além disso, o apoio de instituições tradicionais, como o Sicoob — que já anunciou publicamente a realização de operações de tokenização com a Netspaces — mostra que a agenda Web3 está deixando de ser exclusiva de startups e chegando aos bancos e cooperativas.

O papel das tecnologias emergentes

Embora a inteligência artificial esteja no centro do hype tecnológico atual, Blazoudakis acredita que outras inovações serão ainda mais transformadoras no longo prazo: blockchain, internet das coisas (IoT) e redes 5G/6G.

“Estamos falando de uma nova infraestrutura. O 5G permite conectar bilhões de objetos à rede. Mas quem vai garantir a propriedade dessas coisas? Quem vai permitir que elas interajam entre si de forma autônoma e segura? É o blockchain”, explica.

Segundo ele, a próxima geração de aplicativos será construída sobre essa base — uma internet da propriedade, onde cada bem físico poderá ter uma identidade digital única e interoperável.

Desafios à frente

Apesar do entusiasmo, ainda há barreiras importantes para escalar esse modelo. A interoperabilidade entre cartórios, a regulação de tokens de ativos reais e a educação do público sobre as vantagens do modelo ainda exigem trabalho contínuo.

Além disso, o mercado precisa evoluir com responsabilidade, evitando a euforia especulativa que marcou os primeiros ciclos de criptoativos.

“Temos que construir infraestrutura, não só produtos. Nossa missão não é fazer um app bonito, mas criar uma nova camada de confiança para transações do mundo real. E isso leva tempo”, conclui Blazoudakis.

A tokenização não é apenas uma nova forma de registrar imóveis. É o começo de uma era em que ativos físicos, financeiros e digitais coexistem num mesmo sistema de valor, mais transparente, eficiente e inclusivo.

Por Marystela Barbosa