Com o sucesso da Character.AI, Daniel de Freitas alcançou um patrimônio bilionário e virou alvo de inveja de gente como Sam Altman

Um ano antes de a OpenAI tomar conta do mundo com o lançamento de seu ChatGPT, uma outra empresa já mostrava ao público o quanto poderia ser divertido conversar com uma inteligência artificial. Fundada em 2021 pelo brasileiro Daniel de Freitas e pelo americano Noam Shazeer, a Character.AI foi uma das primeiras empresas a colocar no mercado uma versão comercial de um modelo de linguagem – como são chamados os sistemas de IA capazes de criar conteúdo e interagir de maneira natural com os usuários. O produto desenvolvido pela dupla tinha um atrativo especial: era possível dar uma cara – e uma personalidade – ao chat do outro lado da linha, que podia imitar à perfeição Donald Trump, Elon Musk, Albert Einstein, Taylor Swift, Sherlock Holmes…

Faz sentido que Daniel de Freitas tenha sido um dos primeiros empresários a colocarem um chatbot no ar. Diz a lenda que ele teria desenvolvido o seu primeiro chatbot (ou a ideia para um) aos 9 anos de idade, em São Paulo. Mais tarde, a escolha do curso superior recaiu, claro, sobre Exatas – um ex-colega do curso de engenharia elétrica da USP o descreve como “um aluno estudioso, discreto e atarefado”. Depois de realizar três cursos relacionados à inteligência artificial na Universidade Stanford, o engenheiro se estabeleceu no Vale do Silício em busca de experiência. Seu primeiro emprego foi na Microsoft, onde trabalhou durante quatro anos (2012 a 2016) no desenvolvimento do Bing, IA que só seria lançada pela empresa em 2023. Na sequência, foi contratado pelo Google, onde ajudou a criar o primeiro LaMDA (sigla para grande modelo de linguagem), que serviria de base para a maioria dos chatbots que conhecemos hoje.

Foi durante sua passagem de cinco anos pelo Google que Daniel conheceu Noam Shazeer: os dois trabalharam juntos na tecnologia que permite aos sistemas de IA conversarem com o público – Noam também desempenhou um papel fundamental no AdWords, a plataforma de anúncios da big tech. Daniel e Noam tinham pelo menos um traço em comum: os dois acreditavam que a tecnologia deveria ser colocada nas mãos do público o mais rápido possível, pois tinha potencial para revolucionar a maneira como este se relacionava com os computadores. O problema é que o Google não era da mesma opinião. Preocupada com questões de segurança, a gigante preferiu adiar o lançamento – o que, em última instância, fez com que a big tech perdesse a primeira grande corrida da IA da década para a dobradinha Microsoft/OpenAI.

Enfim, sócios – Daniel de Freitas e Noam Shazeer se conheceram no Google, onde ajudaram a criar um dos primeiros modelos de linguagem — Foto: Divulgação

Descontentes com o posicionamento da empresa de Sundar Pichai, Daniel e Noam saíram em 2021 para fundar a Character.AI. Em entrevista ao The Washington Post, os sócios diziam não aprovar a forma como o Google estaria “guardando a tecnologia para si mesmo”. Ainda em setembro, eles colocaram no ar uma versão beta do produto. “Queremos construir um chatbot que possa ajudar milhões e milhões de pessoas”, disse Shazeer ao WP. “Especialmente na era da pandemia, existem milhões de pessoas solitárias, que precisam de alguém para conversar.” Com o Character.AI, eles poderiam fazer isso de uma forma lúdica, usando avatares e conversando seus personagens preferidos em tempo real.

Para driblar as questões de segurança que tanto preocupavam o Google, os sócios se basearam em alguns princípios básicos. “Em primeiro lugar, o fato de usarmos personagens elimina alguns riscos”, disse Freitas na época. “O público sabe que o que fazemos é entretenimento e não busca a verdade ali.” Além disso, o site conta com avisos por todos os lados, dizendo que se trata de um produto de IA, e o uso pornográfico ou ofensivo é vetado. Para Freitas, a Character.AI teria até mesmo uma função educativa, mostrando para as pessoas como os modelos de linguagem funcionam. “Temos esse papel porque estamos apresentando isso ao mundo”, disse Daniel, acrescentando que a mãe usa o aplicativo para aprender inglês.

O sucesso da Character.AI foi imediato. Logo na semana de lançamento, o aplicativo teve 1,7 milhão de downloads. Hoje, os dados mais recentes compilados pela plataforma What’s the Big Data dão conta de que a Character.AI tem 233,3 milhões de usuários. No início de agosto, Freitas, Shazeer e o Google fizeram um acordo de licenciamento não exclusivo para uso da tecnologia de modelo de linguagem grande da Character. AI.

Apesar do sucesso da startup e de seu papel fundamental na história do desenvolvimento dos modelos de linguagem, os sócios não são muito afeitos a entrevistas. Daniel – que alcançou o posto de primeiro brasileiro bilionário da IA em 2023, com um patrimônio de R$ 1,15 bilhão (que saltou para R$ 5,5 bilhões, em 2024 – é o mais discreto, deixando o papel de porta-voz para o sócio.

Em junho, a Character.AI lançou uma nova função que permite aos usuários conversarem por chamadas de voz com os seus personagens favoritos. Dessa maneira, acabou saindo na frente da OpenAI, que havia mostrado uma versão demo de sua ferramenta de voz, mas decidiu adiar o lançamento depois de uma polêmica envolvendo a atriz Scarlett Johansson. Segundo dados oficiais divulgados pela Character.AI, a nova função foi utilizada 20 milhões de vezes por pouco mais de 3 milhões de usuários no período de testes. Sam Altman que se cuide.

* Este conteúdo foi publicado originalmente na revista Época NEGÓCIOS de agosto de 2024

Por Jasmine Olga