Apesar da queda geral nos investimentos, a Inteligência Artificial continua atraindo aportes significativos, empreendedores e investidores reavaliam riscos e oportunidades nesse cenário

Um levantamento da Distrito, de junho de 2024, revelou que a Inteligência Artificial (IA) permanece como o principal foco dos investidores, acumulando US$ 2,07 bilhões, representando 52% do total das rodadas. Na América Latina, existem 1.005 startups de IA.  

Por outro lado, o panorama geral dos investimentos em startups enfrenta desafios. De acordo com o relatório da Sling Hub, de agosto de 2024, o investimento em empresas inovadoras na região caiu para US$ 303 milhões, uma redução de 62% em relação ao ano anterior e de 57% comparado a junho de 2024. Este foi o menor volume registrado desde fevereiro de 2023. O número de rodadas também diminuiu, com uma queda de 33% em relação ao ano anterior e de 22% comparado a junho. 

Diante desse cenário, empreendedores e investidores estão reavaliando os riscos e benefícios de investir em startups de IA.

Ainda vale a pena apostar nesse segmento?

Para Gabriel Farme, cofundador da Verve Capital, que foca em startups em estágio inicial no Brasil e na América Latina, a principal tarefa dos investidores é a análise crítica. “É consenso que o advento da Inteligência Artificial é maior do que a internet, então ainda vamos descobrir coisas incríveis nos próximos anos. A gente tem que separar o joio do trigo. Investimos em empresas que funcionam como um remédio, não como uma vitamina. Ou seja, negócios que resolvem problemas críticos, e não apenas algo que seria ‘bom ter’.” 

Startups de IA em setores menos explorados podem ser a saída para novos empreendedores 

Apesar da retração, o Observatório SEBRAE Startups aponta que, desde 2022, quase 4.200 startups foram fundadas, sendo 323 no setor de Tecnologia da Informação, contra 121 de impacto ambiental. Seguindo a orientação de Farme, uma alternativa para se destacar no mercado é apostar em IA em setores diversos, como explica Marcos Santos, CEO da Aquarela Analytics.  

“Além da IA, vejo grande potencial em sustentabilidade e descarbonização. O Brasil está se posicionando como líder no Sul Global com suas iniciativas de redução de emissões. Startups que utilizam IA para otimizar o consumo de energia e melhorar a eficiência têm um futuro promissor”, afirma Santos, destacando que a sustentabilidade está se tornando uma prioridade econômica. 

Para Fábio Tiepolo, CEO da PsycoAI, startups de IA podem fazer a diferença em diversas áreas. “O cenário de IA no Brasil é muito promissor, especialmente em setores como saúde e educação. Startups que aplicam IA de forma prática e adaptada à realidade local têm grandes chances de se destacar. A chave para o sucesso em rodadas de investimentos é apresentar resultados tangíveis e uma equipe técnica sólida”, observa Tiepolo. 

Para Marcelo Franco, cofundador da Verve Capital, um dos diferenciais que pode ser decisivo para a angariação de um aporte em seu fundo de investimentos é sair de soluções muito específicas. “Não vamos investir em algo de nicho, a oportunidade precisa ser disruptiva e ter um mercado endereçável e suficientemente grande. Esse é o primeiro e mais importante critério. Além disso, buscamos projetos que tenham um fit cultural com o Brasil. Acreditamos que há muito espaço para soluções locais que, mais tarde, podem se expandir para a América Latina e o mundo. O foco inicial [da Verve Capital], no entanto, está em abordar problemas reais do Brasil.” 

Adicionar soluções de IA ao portfólio pode ser um diferencial 

Para empresas que já oferecem produtos inovadores, adicionar uma solução baseada em IA que melhore a experiência do cliente e resolva problemas recorrentes pode ser uma estratégia eficaz. O Mercado Diferente, por exemplo, além de combater o desperdício de alimentos, desenvolveu um chatbot que oferece dicas de armazenamento, dados nutricionais e receitas. 

“A gente usa LLMs para resolver uma dor latente, que é gerenciar a cozinha, ter sugestões de receita e de como manusear os itens de forma mais inteligente, como traquear os macros e a parte nutricional de uma forma simples e fácil, a gente usou esses modelos e a inteligência artificial para melhorar essa solução a solução já existia no mercado, você pode buscar, você pode ver uma receita, mas os LLMs levam essa solução para outro nível”, explica Eduardo Petrelli, CEO do Mercado Diferente, sobre a sua solução de IA, fruto de um investimento de R$ 1,5 milhão

Tanto para Petrelli, quanto para Julio Viana, CEO da Plaza, startup de IA para o mercado imobiliário, o desenvolvimento de uma solução de inteligência artificial dentro de casa se mostra um fator atrativo para a captação de recursos em rodadas de investimento.

“A IA pode ser extremamente rentável, mas é importante que a solução vá além de ser apenas um software que cobra uma assinatura. No mercado imobiliário, por exemplo, modelos tradicionais de software já estão saturados. O diferencial da Plaza foi criar um modelo de negócio que realmente alinhasse os incentivos com os de nossos clientes. Essa inovação foi um fator-chave na nossa captação de recursos”, explica Viana, que recebeu, no início do mês, R$ 5,5 milhões em rodada pré-seed.

“Quando você mostra que o AI otimiza seus custos ou maximiza a experiência, sem dúvida ele ajuda numa captação, como qualquer outra solução. Se você mostrar que o teu business vai ser mais eficiente ou ele vai ser mais rentável, com certeza esses dois pontos te ajudariam a levar um novo recurso. Eu acho que o que é importante é mostrar que para os fundos que você está na frente de vários outros nessas otimizações”, explica Petrelli. 

Para investidores, promessas de revolução não são suficientes 

Com tantas empresas oferecendo soluções inovadoras, Farme, da Verve Capital, afirma que não basta prometer resolver um problema latente no mercado. “Apesar de investir muito cedo, a gente prefere ver um MVP rodando. Então desenvolva o produto, coloque para rodar, seja ao menos com clientes iniciais, para a gente conseguir entender o quanto estão gostando daquele produto. Não é uma questão de ver receita, mas de ver se seu produto solucionar uma dor. Ter um produto com barreira de entrada, faz com que ele seja mais atrativo”, explica o investidor.  

Os cofundadores do fundo de investimentos explicam que, para eles, as mais atrativas são as startups em early stage, que solucionam dores do mercado brasileiro em qualquer setor. 

A Verve Capital está em fase final de captação de um fundo de US$ 10 milhões, que será investido em 20 startups, com cheques entre US$ 220 mil e US$ 500 mil. Até o momento, quatro startups já foram selecionadas para receber aportes.

Por Cecília Ferraz