A possibilidade de que, em breve, a inteligência artificial supere a humana é algo que divide o público em otimistas e pessimistas

Por Eduardo Felipe Matias

Em entrevista recente, Dario Amodei, CEO da Anthropic, startup desenvolvedora de inteligência artificial (IA), afirmou acreditar que essa tecnologia poderá alcançar um nível de autonomia que a tornará capaz de se reproduzir de forma independente entre 2025 e 2028. A declaração adiciona mais um elemento às previsões de diversos pesquisadores sobre o futuro da IA e seus efeitos – positivos para alguns, catastróficos para outros.

Em uma das passagens mais citadas nessa área, o matemático Irving John Good, que atuou como principal estatístico na equipe liderada por Alan Turing para quebrar os códigos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, vaticinou em 1965 que, quando formos capazes de criar uma máquina ultrainteligente capaz de nos superar com folga em todas as atividades intelectuais (considerando que projetar máquinas é uma dessas atividades), tal máquina poderá criar outras ainda melhores do que ela, o que levaria a uma “explosão de inteligência”. Por isso, segundo ele, a primeira máquina ultrainteligente é “a última invenção que o homem jamais precisará fazer, desde que ela seja dócil o suficiente para nos dizer como mantê-la sob controle”.

Embora a visão de Good fosse relativamente otimista, já que ele acreditava que a explosão de inteligência resultante da reprodução das máquinas poderia trazer grandes benefícios para a humanidade, o matemático introduziu, ainda que de maneira indireta, a preocupação com a perda de controle que essa evolução provocaria. Anos antes, a mesma possibilidade já havia incomodado o próprio Alan Turing. Em palestra de 1951, ele afirmou que, assim que as máquinas começassem a pensar, não demoraria muito para que viessem a nos sobrepujar. Nesse momento, disse ele, deveríamos esperar que elas nos dominassem.

Com o tempo, essa visão pessimista sobre o futuro da IA foi ganhando força. Em 1993, o matemático e escritor de ficção científica Vernor Vinge, falecido em março deste ano, escreveu um ensaio intitulado The Coming Technological Singularity. A palavra singularidade, que havia sido utilizada por Vinge pela primeira vez em 1982, era emprestada de um conceito presente tanto na matemática quanto na física. Ela se refere a um ponto no espaço-tempo no qual as leis comuns da física não se aplicam, como dentro de um buraco negro, por exemplo. Para ele, o termo denominava o momento em que as máquinas nos ultrapassariam intelectualmente.

Na visão de Vinge, expressada em um simpósio da Nasa de 1993, em 30 anos teríamos os meios para criar uma superinteligência artificial e, logo depois, a era humana seria encerrada. Em vez de ver as máquinas como salvadoras, ele entendia que a singularidade equivaleria ao dia do juízo final.

Mais recentemente, o termo foi adotado pelos transumanistas – movimento que agrega players proeminentes do cenário da IA, boa parte deles atuando no Vale do Silício. O maior expoente desse grupo é, provavelmente, Ray Kurzweil, conhecido futurista, inventor e escritor, autor de A Singularidade Está Próxima, de 2005 – e que acaba de publicar um novo livro, intitulado A Singularidade Está Mais Próxima.

Para Kurzweil, essa crença se justifica pela observação de que o mesmo crescimento exponencial notado em relação ao número de transistores que se pode colocar em um microchip – o qual, pela conhecida Lei de Moore, dobraria aproximadamente a cada dois anos – é percebido em diversos outros índices tecnológicos relevantes, como o aumento da velocidade dos microprocessadores e a queda do preço da memória computacional, que também ocorrem de forma não linear. Ao analisar outras tendências, como o custo decrescente do sequenciamento de DNA e o aumento de patentes de nanotecnologia, ele notou que estas progrediam com a mesma rapidez, o que ele chamou de lei dos retornos acelerados.

Com base nessas curvas, Kurzweil previu que os computadores alcançarão o mesmo poder de processamento de um único cérebro humano até 2029, e que um único computador poderá igualar o poder de todos os cérebros humanos combinados até 2045. Em seu novo livro, Kurzweil reitera a previsão de que, até 2029, a IA será melhor do que todos nós em qualquer habilidade que tenhamos.

Ele e os transumanistas têm, no entanto, uma visão ligeiramente diferente e mais otimista do que seria a singularidade. Kurzweil acredita que esta permitirá transformar a condição humana, à medida que tornará possível desenvolver tecnologias sofisticadas que aprimorarão enormemente nossa capacidade física e intelectual. Isso se daria por meio da fusão homem-máquina, que passariam a constituir uma única entidade consciente estendida.

Dando a receita para isso, Kurzweil prevê em seu livro que os seres humanos serão inoculados com nanobots – robôs do tamanho de moléculas. Por meio da corrente sanguínea, eles irão chegar ao nosso cérebro, que poderá então se conectar à nuvem, expandindo nossa inteligência milhões de vezes. Esses mesmos nanobots serão capazes de, até 2040, curar a maioria das doenças e interromper o processo de envelhecimento. Segundo essa visão, a primeira pessoa a viver mil anos já teria nascido.

Quem estaria certo, os pessimistas, que enxergam na superação da inteligência humana o fim de nossa espécie, ou os otimistas, que veem nesse processo a promessa de alcançarmos a eternidade? Pelo visto, não demorará muito para descobrirmos.

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti, e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na Califórnia, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

Fonte: Época Negócios