Ao considerarmos questões como privacidade, exclusão digital e desigualdade socioeconômica, podemos assegurar que as cidades inteligentes sejam genuinamente inclusivas e vantajosas para toda a sociedade
As smart cities são apontadas como o futuro da urbanização, ao prometer revolucionar não apenas a forma como vivemos, mas também como trabalhamos e nos relacionamos com o ambiente urbano. Em uma pesquisa realizada pelo Connected Smart Cities em 2021, composto por 100 cidades, São Paulo (SP), Florianópolis (SC) e Curitiba (PR) foram consideradas as cidades brasileiras mais inteligentes. No entanto, por trás dessa promessa de inovação e eficiência, diversos desafios éticos e sociais devem ser levados em consideração.
A questão da privacidade se destaca como um dos principais desafios éticos enfrentados pelas cidades inteligentes. O crescente uso de câmeras de vigilância, dispositivos conectados e análise de big data resulta na coleta maciça de informações sobre os habitantes urbanos. Embora esses dados aprimorem os serviços e o planejamento urbano, muitas dúvidas são levantadas quanto à vigilância em larga escala e à violação da privacidade.
Sabemos que o monitoramento dos movimentos dos cidadãos por meio de sistemas de reconhecimento facial levanta questões sobre a violação da liberdade individual. Além disso, a coleta e o armazenamento de dados pessoais representam potenciais alvos para ciberataques, ameaçando a segurança e a privacidade dos indivíduos.
Outro desafio significativo é a exclusão digital. Com o avanço tecnológico das cidades, aqueles sem acesso à internet ou habilidades digitais são deixados para trás, criando uma disparidade entre os cidadãos. Enquanto alguns desfrutam dos benefícios da tecnologia, outros enfrentam marginalização. Os serviços públicos digitalizados podem tornar-se inacessíveis para pessoas de baixa renda ou idosos que não dominam a tecnologia, contribuindo ainda mais para as desigualdades sociais preexistentes.
E, por falar em desigualdades, a socioeconômica é uma que não fica de fora desta equação. Enquanto as áreas urbanas mais ricas podem investir em infraestrutura tecnológica de ponta, áreas mais pobres podem não ter acesso aos mesmos recursos, o que cria cenários onde os benefícios são desfrutados apenas por uma parcela privilegiada da população. Um exemplo disso são os sistemas de transportes inteligentes que podem melhorar a mobilidade em áreas urbanas ricas, mas podem negligenciar bairros mais pobres, que não têm acesso a esse tipo de tecnologia. Da mesma forma, a implementação de soluções de energia limpa pode favorecer áreas com maior poder aquisitivo, deixando comunidades de baixa renda dependentes de fontes de energia menos sustentáveis.
Mas, então, quais são as saídas para que as necessidades sejam supridas igualmente na população? Existem alguns pontos importantes para essa pergunta. Para enfrentar esses desafios éticos e sociais, é crucial adotarmos uma abordagem equilibrada, que priorize o bem-estar de todos os cidadãos. Implementar e regulamentar de forma rigorosa, para garantir que a coleta e o uso de dados sejam transparentes e protejam a privacidade dos cidadãos. Além disso, é importante educar o público sobre seus direitos de privacidade e fornecer opções para controle de dados.
Também é imprescindível focarmos no investimento de programas de inclusão digital que ajudem a capacitar todos os cidadãos, independentemente de sua renda ou idade, em prol da tecnologia. Isso pode incluir acesso gratuito à internet, treinamento de habilidades digitais e desenvolvimento de aplicativos e serviços acessíveis. Priorizar o acesso igualitário aos benefícios da cidade inteligente, garantindo que as soluções tecnológicas sejam implementadas de forma a beneficiar todas as comunidades. Isso pode envolver políticas de subsídios, incentivos fiscais e parcerias público-privadas.
Assim, as cidades inteligentes têm o potencial de melhorar significativamente a qualidade de vida dos cidadãos, mas apenas se forem projetadas com as considerações éticas e sociais em mente. Ao considerarmos questões como privacidade, exclusão digital e desigualdade socioeconômica, podemos assegurar que as cidades inteligentes sejam genuinamente inclusivas e vantajosas para toda a sociedade.
Por Guilherme Hoppe, um profissional com mais de 15 anos de experiência no desenvolvimento de ecossistemas de inovação e na coordenação de ações integradas entre o poder público e a sociedade civil. Após migrar da administração de empresas tradicionais para focar no desenvolvimento de comunidades inovadoras e sustentáveis, coordenou uma agenda estratégica de desenvolvimento municipal por 10 anos no Rio Grande do Sul, resultando na revitalização de instituições, renovação de lideranças, realização de projetos e estruturação de novos instrumentos de governança social. Atualmente é Coordenador de Inovação no Ibrawork, um hub de inovação aberta com foco em smart cities que realiza programas, eventos e competições em diversas áreas, promovendo a internacionalização de startups brasileiras.