sexta-feira,20 setembro, 2024

Taxação de big techs pode contribuir para inclusão digital no Brasil, apontam especialistas e governo

Para autoridades e representantes de empresas, a contribuição de gigantes da tecnologia é essencial para a democratização do acesso a internet no país

Mais de 23 milhões de brasileiros acima dos 10 anos não conseguem usar tecnologias como internet, redes sociais e aplicativos de celular, de acordo com dados do governo. Entre as alternativas para reduzir a disparidade tecnológica em escala nacional, especialistas apontam que a taxação das grandes empresas provedoras de serviços digitais pode ajudar o Brasil a avançar na inclusão digital e levar a internet à parcela da população que atualmente não tem acesso a esses serviços.

Segundo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, o caminho para conectividade não é apenas uma questão de acesso à internet, mas sim garantir que as pessoas tenham acesso a oportunidades geradas no meio online. Para o ministro, a taxação das chamadas “big techs” tem um papel fundamental nesta questão.

— Essas big techs, como Google, Apple, Facebook, Amazon e entre outras, desempenham um papel crucial na formação do nosso futuro digital. Consideramos ser fundamental que essas empresas contribuam de maneira justa para o financiamento de políticas públicas de inclusão digital no nosso país, principalmente para os cantos mais remotos e trazendo a promessa de uma internet significativa para população mais carente do Brasil — destacou Juscelino Filho.

Nesta quarta-feira, o ministro participou do evento Tecnologia das Comunicações, realizado pela Editora Globo com apoio da Brisanet e da Surf, com o intuito de debater os caminhos para a inclusão digital na sociedade brasileira, e o papel das big techs na construção dessa realidade. O seminário reuniu autoridades da política e especialistas do setor para discutir os melhores caminhos para a redução da disparidade tecnológica em escala nacional.

Discussão global

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, destacou que a discussão em torno da taxação das big techs já acontece em outros países, inclusive no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em debate do qual o governo brasileiro participa.

— É economicamente inviável levar a inclusão digital para todos os cantos do país sem algum tipo de justiça tributária, uma justiça distributiva dos recursos. Não me parece razoável que as maiores empresas do mundo, que mais ganham dinheiro com isso, não participem desse esforço. É exatamente isso que é a base da discussão do pilar 1 da OCDE em torno desta questão, a lógica de que grandes empresas, com faturamento acima de 20 bilhões de euros anuais, que uma parcela desse lucro seja destinado aos países do mercado (onde essas empresas prestam serviços).

Países como Itália, Espanha, Portugal, Reino Unido e Alemanha já implementaram de forma unilateral a tributação específica das empresas prestadoras de serviços digitais e criaram formas alternativas de auferir essa tributação, focadas principalmente nas big techs que têm sedes nos países.

O professor da Universidade de Brasília destaca o modelo adotado na Itália.

— É um modelo autodeclaratório, ou seja, as empresas que faturam acima de R$ 750 milhões e que tem uma quantidade de usuários no país passam a ser obrigadas a declarar qual a receita no país e quanto seria o valor da arrecadação — diz o especialista.

Barreiras no acesso e expansão do 5G

Um dos desafios enfrentados para alcançar a inclusão digital é a infraestrutura da telecomunicação brasileira. Neste âmbito, o governo anunciou que dentro do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está previsto o aporte de R$ 27,9 bilhões em inclusão digital e conectividade nos próximos anos.

O CEO do grupo Brisanet afirma que a expansão de estruturas que suportem o 5G pelo Brasil podem contribuir para que as classes menos favorecidas tenham acesso à internet de qualidade.

— O incentivo leva à expansão das redes 5G nas periferias das cidades, porque elas têm uma capacidade muito grande, além do preço por giga ser muito barato. As classes D e E seriam as mais beneficiadas com a chegada do 5G, que entrega muito mais pelo mesmo preço — destacou

O secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Tercius afirma que, apesar das dificuldades enfrentadas com a infraestrutura das telecomunicações no Brasil, existem outros fatores que criam barreiras para o avanço da inclusão digital, como a falta de conhecimento para utilizar tecnologias.

— Tem outro aspecto importante que são as habilidades digitais da nossa população para usar a internet. Hoje em dia esse é um aspecto que impacta muito mais do que a falta de infraestrutura para receber internet, mais pessoas não acessam a internet hoje por não saberem usar do que por não ter infraestrutura para isso.

O diretor do Legal Grounds Institute, Ricardo Campos, diz que é necessário mudar o sistema de financiamento das redes de infraestrutura de telecomunicações no Brasil. Segundo ele, as grandes empresas são as maiores beneficiadas, mas não contribuem para a expansão dessas estruturas.

— O modelo de financiamento da infraestrutura de redes é anacrônico e precisa de uma atualização. Não é justo e adequado que o consumidor final financie toda a infraestrutura. As empresas de tecnologia que mais se valem das redes também devem contribuir.

Regulação das redes sociais

Atualmente está parado na Câmara o projeto de lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”. O projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi protocolado no Senado em 2020, votado e aprovado pelos senadores no mesmo ano e visa regulamentar as redes sociais no Brasil. O texto, no entanto, encontrou resistência na Câmara e está com a tramitação paralisado há quatro anos.

O relator do projeto na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) diz que o texto encontra dificuldades de avançar na Casa porque o debate em torno da regulação das redes está “contaminado”

— Qualquer alternativa que sinalize regulação de plataforma digital, o enfrentamento dessa tentativa ganha forma de defesa da liberdade de expressão e combate à censura — afirmou.

Na visão do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), muitas vezes o combate à desinformação é confundido com tentativa de censura, o que para ele, são coisas distintas.

— Censura e ataque à mentira são coisas muito diferentes. Imagina você ser um empresário e ter o seu produto e ter no dia seguinte nas redes sociais alguém dizendo que encontrou uma barata dentro do seu produto. Quem faz isso? O concorrente para poder depreciar a sua marca e aumentar o seu lucro no mercado.

Segundo Orlando Silva, é necessário avançar no debate para que a tramitação do projeto seja concluída na Câmara, e diz que espera que haja maior celeridade na análise do texto.

— Essa discussão ainda é precária no país e eu espero que a energia que o Senado teve para votar, possa em algum momento inspirar a Câmara para que nós possamos alcançar o Senado, que andou muito rápido, e a Câmara anda muito devagar.

Por Bernardo Lima — Brasília, O Globo

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