“Cerca de 1,3 milhões de pessoas mudam-se para cidades todos os dias. O World Economic Forum estima ainda que 70% da população estará a viver em cidades até 2050. São, por isso, enormes os actuais e futuros desafios colocados à gestão autárquica, nomeadamente em matérias como a poluição, a circulação automóvel, a habitação ou o acesso a serviços”, contextualiza o site da EDP, empresa que também tem vindo a transformar-se, acautelando o futuro, usando as fontes renováveis em mais de 85% de toda a energia que hoje produz.
Neste artigo, a EDP define não só o conceito de cidade do futuro, como também aponta cidades do mundo que começam a afirmar-se neste campo. Refere ainda como várias cidades de Portugal dão passos nesse sentido, entre as quais Leiria é já exemplo. “A União Europeia define a cidade inteligente como um conjunto de sistemas e de pessoas que interagem de forma inteligente, usando energia, materiais, serviços e recursos de forma sustentável. São espaços que, implementando soluções digitais (incluindo a Internet das Coisas), trabalham rumo à eficiência das redes e serviços tradicionais, com os olhos e as atenções postos na qualidade de vida dos seus habitantes e visitantes”, enquadra a EDP.
De forma concreta, “isto traduz-se num planeamento urbano mais eficiente; na melhoria da sustentabilidade ambiental; na aplicação da tecnologia nas áreas da educação e saúde; melhoria dos sistemas de comércio electrónico e na existência de dados partilhados (open data)”, prossegue a empresa. A concretização, defende, “implica administrações mais interactivas e responsáveis, reforço da participação dos cidadãos, espaços públicos mais seguros e respostas adequadas para a população mais envelhecida”.
Segundo o estudo Smart Cities Solutions for a Riskier World, realizado pela ESI ThoughtLab (2020), citado pela EDP, a pandemia de Covid-19 contribuiu significativamente para acelerar a implementação das cidades inteligentes. Na lista mundial das cidades mais inteligentes do mundo surge, em primeiro lugar, Xangai. “Decisiva para esta atribuição foi a plataforma de dados líder a nível mundial, implementada por esta cidade chinesa, que funciona como ponto único para mais de mil serviços diferentes destinados aos residentes da cidade.”
Mas da lista fazem parte também Seul, onde está a ser delineado o projecto H1, conhecido como “cidade de dez minutos”, por pretender que todos os serviços e comodidades estejam à distância de dez minutos, a pé, das casas dos residentes. Este será um empreendimento constituído por oito edifícios residenciais, com zonas de coworking e áreas de estudo. A zona, com aproximadamente 500 quilómetros quadrados, interdita a carros, irá também acolher espaços de entretenimento, centros de fitness, piscinas e quintas urbanas”.
Pequim, Barcelona e Nova Iorque também ocupam um lugar entre as melhores. “Nos parâmetros de avaliação constam a inteligência e a inovação urbana; a inteligência e eficiência ao nível de iluminação, energia e transportes, a gestão urbana e tecnológica inteligente e a conectividade urbana.” Em Portugal, a EDP identifica já alguns avanços nesta matéria. É o caso de Águeda, que obteve o título de smart city em 2014.
“A cidade que quer, cada vez mais, primar pela transparência, investiu em soluções como sistemas de rega inteligente, contadores inteligentes nos edifícios públicos, plataformas de dados disponíveis a todos os cidadãos e sistemas de reconhecimento facial na sede municipal, entre outras.” Aveiro é uma das cidades que mais se tem evidenciado neste campeonato, nota a EDP.
“Tornou-se uma cidade tecnológica de vanguarda, com tecnologia de fibra de última geração e o primeiro laboratório vivo de rede experimental 5G em Portugal. Como resultado: entre 2019 e 2022, mais de 40 entidades testaram produtos e serviços na cidade.” Foi o caso da sua plataforma urbana de apoio à governação local, que permite monitorizar a qualidade do ar, o ruído e a temperatura; o primeiro ferry boat eléctrico de Portugal e respectiva estação de carregamento, etc.
Quanto a Leiria, salienta o site da EDP, “lidera a UrbSecurity, uma rede de cidades e regiões europeias que propõe pensar as cidades na perspectiva do crescimento sustentável e da mobilidade. A região, entretanto, já viu nascer: o Tecnea, um espaço de inovação que promove o desenvolvimento de soluções disruptivas, nascidas da colaboração entre empresas da área tecnológica; o projecto U-Bike, promovido pelo Instituto Politécnico de Leiria, que disponibiliza a estudantes e colaboradores da instituição 220 bicicletas eléctricas; o projecto internacional GAMELabsNet, também associado ao IPLeiria, nascido com o objectivo de promover a indústria em Portugal, através da criação de um laboratório dedicado a apoiar a transformação digital de empresas dos sectores dos moldes, agro-indústria, assistência médica e turismo”, exemplifica.
“Cidades do futuro são as cidades de hoje”
Para Herculano Cachinho, investigador e professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa, “as cidades do futuro são as cidades de hoje” e o importante é “olhar para as cidades, tal como elas estão hoje, ver que problemas têm e como se podem preparar”. Na certeza de que as cidades do futuro vão ter de se preocupar mais com questões como “alterações climáticas, eficiência energética, energias renováveis e electrificação”. “O futuro, quer se goste, quer não se goste, passa também pela digitalização. Vamos ter de trabalhar com grandes bases de dados, associadas aos transportes, ao consumo de energia, com grande recurso a inteligência artificial”, prossegue o docente.
“E há incompatibilidades com a inteligência artificial, com o digital, que terão de ser ultrapassadas. São grandes as oportunidades, mas é preciso apostar no conhecimento, na formação, para que as pessoas consigam trabalhar com as tecnologias e consigam utilizá-las”, explica o investigador ao nosso jornal. “Fala-se muito nas cidades de 15 minutos, onde as pessoas facilmente se deslocam. Isso pressupõe ultrapassar desafios de mobilidade e outras mudanças, com mais pessoas a trabalhar mais tempo a partir de casa, com semanas de quatro dias, com menos necessidade de espaços para escritórios”, relaciona Herculano Cachinho. “A digitalização, a inteligência artificial, tudo isso irá fazer aumentar a nossa exposição, sobretudo das franjas mais frágeis e menos capacitadas. Nessa medida, a informática, a cibersegurança tem de ser uma forte aposta”, antevê o docente.
docente. “E os mais apetrechados com estes confortos serão sobretudo as elites, as classes sociais mais abastadas, com maiores rendimentos. Isso irá colocar outra questão. Como se podem ajudar as pessoas que não têm esses meios disponíveis?”, sublinha Herculano Cachinho. Será uma sociedade desigual, acredita o investigador. “Porque o mercado imobiliário não vai produzir soluções para os grupos mais desfavorecidos. Logo, o Estado terá de actuar para compensar eventuais injustiças”, preconiza o professor.
“A sociedade terá de ser muito resiliente para ultrapassar todas estas dificuldades”, prossegue o investigador. Não será apenas um futuro de transportes sem condutores. “Em muitas profissões, as pessoas vão ser substituídas por máquinas. Ao mesmo tempo, surgirão profissões novas, que as máquinas não conseguirão substituir. E a escola vai ter de trabalhar para capacitar os alunos a gerir problemas, a ter pensamento crítico, empatia, todas aquelas competências para as quais máquinas não terão resposta”, antecipa o professor.
Vários desafios, mas muitas mais oportunidades
Pedro Santos, arquitecto da Marinha Grande, contextualiza que “o objectivo de uma cidade inteligente é criar um ambiente urbano mais eficiente, sustentável e habitável, aproveitando o poder da tecnologia e dos dados para enfrentar os desafios enfrentados pelas cidades modernas”.
“Como arquitecto, e não urbanista, falar de cidades é desafiante. A escala é diferente, o tipo de intervenção é diferente, os pontos-chave mexem com decisores políticos e com graves problemas de organização urbana. Mas é esta complexidade que me deixa entusiasmado. Juntar pessoas, tecnologia, desenho e dados no mesmo sítio para resolver questões de bem-estar social tem de ser essencial para a nossa sustentabilidade (social, ambiental e económica)”, salienta Pedro Santos.
“Para mim, existem três grandes desafios (muito mais podem ser enunciados). Primeiro os dados. Perceber como os tratar e proteger de modo a não serem partilhados é algo que deve ser tratado cuidadosamente, embora todos tenhamos os nossos dados numa qualquer rede social”, aponta o arquitecto. “O segundo desafio são as infra-estruturas (redes, serviços, etc.). Perceber a capacidade, falhas/rupturas, picos de fornecimento, criar a sua monitorização é essencial. A rede de águas em Leiria, em 2023, teve perdas de aproximadamente 30%/ano”, prossegue o especialista. “Por último, as comunicações. Não estou a falar do whatsapp mas sim do transporte público. O hábito do veículo privado está demasiado enraizado nas faixas etárias pós-universidade, são precisas estratégias agressivas de desapreço a esta prática”, realça. Relativamente às oportunidades, “elas são consideravelmente mais”, frisa o arquitecto.
“A possibilidade de melhorar a vida das pessoas deve ser essencial para todos os intervenientes (técnicos, políticos e sociedade civil)” é uma delas. “Utilizar a tecnologia para monitorização, criar padrões de consumo e dar opções de resposta para melhoria das infra-estruturas existentes. A criação de cooperativas solares e facilitar o off-grid de aglomerados habitacionais” são outras.
Pedro Santos realça ainda como oportunidade poder “criar uma rede de transporte público a diversas escalas, com uma resposta cada vez melhor, utilização do hidrogénio, criar de ligações premium entre a capital de distrito e as cidades satélite. (A Rápida Marinha – Leiria, criada pelo Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria, é um exemplo incrível)”.
“Tirar a força do veículo privado (seja ele eléctrico ou de combustão) no espaço da cidade, através de taxas (como acontece em Londres), do desenho urbano (zonas de velocidades reduzidas, sentidos únicos, etc)” é outra vantagem. Assim como “criar uma rede de ciclovias funcional (e não lúdica), trazer as pessoas e as crianças para rua em segurança, para que possamos dizer que hoje o papel principal não é dele, do carro, mas sim nosso, das pessoas que vivem numa cidade sustentável”, remata Pedro Santos.