No cenário global contemporâneo, a inteligência artificial (IA) emergiu como um tema de debate crucial, ocupando o centro das discussões em diversos fóruns multilaterais. Do G7 à OCDE, da Unesco ao G20, a IA transcendeu as fronteiras nacionais e se estabeleceu como um objeto político compartilhado por nações ao redor do mundo.
Neste ano, o Brasil ocupa a cadeira presidencial do G20 e tem uma oportunidade única de conduzir o debate sobre a IA em um dos principais espaços para a coordenação econômica e financeira internacional. Na estrutura do G20, as discussões são organizadas em grupos de trabalho das trilhas Sherpa (15 grupos) e de Finanças (7 grupos), cada uma abordando questões específicas da agenda global.[1]
Dentro desse panorama, a presidência brasileira do G20 em 2024 adotou uma abordagem proativa em relação à IA, ao incluí-la explicitamente como um dos temas centrais do Grupo de Trabalho de Economia Digital (G20 DEWG – Digital Economy Working Group). Esta decisão demonstra o reconhecimento do Brasil da importância estratégica da IA para a economia e sociedade.
A abordagem brasileira no G20 DEWG concentra-se em explorar como a IA pode ser aproveitada para promover o desenvolvimento inclusivo e sustentável, abordando questões-chave identificadas no issue note do G20 DEWG.[2] Dentre as questões destacadas para o debate estão: (i) a utilização efetiva da IA para a melhoria das condições de vida de grupos sociais marginalizados; (ii) a mitigação da desigualdade entre países em termos de capacidades nacionais em IA; (iii) a garantia de que os conjuntos de dados usados para treinar sistemas de IA sejam representativos dos contextos locais; e (iv) as oportunidades oferecidas pelos modelos de IA de código aberto.
Essas questões abordam preocupações cruciais sobre o uso ético e inclusivo da Inteligência Artificial, bem como a necessidade de garantir que todos os países, independentemente de seu nível de desenvolvimento, possam se beneficiar do avanço tecnológico de forma equitativa.
O foco na redução das desigualdades globais de acesso e capacidade em IA reflete o compromisso da presidência brasileira do G20 em promover o desenvolvimento inclusivo e sustentável em escala global, e reduzir as desigualdades no desenvolvimento tecnológico entre o Sul e o Norte Global.
Dentre as produções elaboradas pelo G20 Brasil nesta temática, está um evento dedicado a discutir como aproveitar a IA para promover a equidade social e o desenvolvimento sustentável, que ocorre neste mês de abril em Brasília.[3] Liderado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), este evento pretende colher insumos referentes à agenda sobre IA e ajudar a levantar pontos de consenso para a Declaração Ministerial do DEWG, a ser publicada ao fim do mandato brasileiro.
A presidência brasileira do G20 tem também a oportunidade de impulsionar a promoção do diálogo multissetorial, essencial para uma boa governança da IA, por meio dos grupos de engajamento parte do G20 Social. É no contexto do G20 Social que atores não-governamentais poderão participar das atividades e influenciar decisões G20.
Organizados por área de atuação, como sociedade civil (C20), think tanks (T20), empresas (B20), jovens (Y20) e mulheres (W20), esses grupos trazem demandas e perspectivas cruciais.[4] É interessante notar como questões relacionadas à IA permeiam os diferentes grupos de engajamento, em maior ou menor grau,[5] desde discussões sobre ética e inclusão digital até a preocupação com o impacto ambiental e a inovação.
Por exemplo, C20, T20 e S20 Brasil, contam com grupos de trabalho que discutem aspectos específicos relacionados à IA e outras tecnologias emergentes, como o “Digitalização e Tecnologia” (GT7-C20),[6] “Transformação Digital Inclusiva” (FT5-T20),[7] “Ética, impacto social, regulamentação e compartilhamento de conhecimento” (FTIA-S20),[8] a força-tarefa “Transformação Digital” (B20)[9] e “Mulheres em STEM” (W20).[10]
De maneira não tão explícita, outros grupos também trazem elementos direta ou indiretamente associados à inteligência artificial, como a inovação e futuro do mercado de trabalho (Y20[11] e L20[12]); o uso da tecnologia para a eficiência da Justiça (J20)[13] e para responder às necessidades e prioridades das cidades (U20);[14] e a necessidade de fomento à inovação (Startup20).[15] Até mesmo o O20, grupo recém formado e que foca em oceanos e questões ambientais, trouxe em seu issue note a preocupação com crescimento do lixo eletrônico proveniente de produtos de alta tecnologia.[16]
Assim, é esperado que os grupos de engajamento abordem uma ampla gama de tópicos relevantes à inteligência artificial e seus impactos, tanto no âmbito dos direitos individuais quanto nos aspectos regulatórios que perpassam seu desenvolvimento e uso. Além disso, devem ser discutidas iniciativas destinadas a promover o avanço dessa tecnologia, garantindo inclusão e diversidade, bem como retenção de talentos e a capacitação da sociedade para lidar com suas implicações. Questões ambientais, de emprego da IA para serviços públicos e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas também são esperadas.
Diante deste contexto desafiador, a presidência brasileira do G20 encara a estimulante missão de liderar o debate sobre a governança da inteligência artificial. Nesse sentido, o governo precisará abordar de forma direta as questões fundamentais para tornar a IA uma tecnologia estratégica, impulsionando oportunidades para um avanço democrático, responsável e sustentável.
Além disso, será essencial uma articulação eficaz e vontade política para fortalecer a multissetorialidade, garantindo o atendimento aos interesses e demandas dos diversos grupos de engajamento. Ao adotar uma abordagem proativa e centrada em questões-chave, o Brasil pode marcar seu posicionamento como um líder global na promoção de políticas de IA que beneficiem a todas as pessoas, contribuindo para a construção de um futuro digital mais justo e equitativo, promovendo a cooperação internacional e o intercâmbio de melhores práticas entre os membros do G20.