A inteligência artificial (IA) chegou às escolas, já faz parte do dia a dia de alunos e professores e mudou a forma de aprender e de ensinar. De tal forma que, assumem os responsáveis educativos, tem sido mesmo a IA a responsável pelas grandes mudanças que têm surgido.
“A mudança do paradigma da aprendizagem tem como epicentro a IA, apresentando novas ferramentas ao processo ensino-aprendizagem. As escolas devem ser promotoras dos desafios apresentados e retirar proveito das mais-valias que a IA proporciona”, explica Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). O responsável diz tratar-se de “uma oportunidade de aprendizagem”, mas pede cautela na “utilização de um instrumento com tanto de poderoso como de desconhecido, originando as necessárias apreensões e até desconfianças”.
Questionado pelo DN se a IA está a ser encarada como um auxílio ou uma ameaça para os professores, acredita que esta é uma ajuda para o processo de ensino-aprendizagem. Contudo, ressalva a importância da formação, “fundamental para enaltecer o auxílio da IA no modo de aprender e ensinar”. Os professores terão de se atualizar e apostar em formação para “não perderem o comboio”. “Impõe-se a oferta de formação numa área relativamente recente, para ajudar a ultrapassar os normais constrangimentos levantados por uma novidade complexa, ainda a ser descoberta pela maioria das pessoas”, conclui o presidente da ANDAEP, que pede para que a tutela promova formações para os docentes.
Professores devem saber usar a IA para não serem substituídos
Marco Bento, professor na Escola Superior de Educação de Coimbra e investigador no Centro de Investigação e Inovação em Educação (InED – ESE-IPP), afirma que a transformação do sistema educativo tradicional já está em curso em grande parte das escolas e das universidades, não fazendo sentido proibir o seu uso. “A IA está a ser usada, manipulada, com ou sem a permissão dos professores, e será bom que tenhamos essa consciência”, afirma.
Segundo ele, aprender, nos dias de hoje, exige uma complexa combinação de equipamentos, recursos, espaços e metodologias que têm em comum alguns aspetos, “tais como a simplicidade, a possibilidade de interação e colaboração, a eficiência, a eficácia, a flexibilidade e a mobilidade”. “É plenamente possível aproveitar todo o potencial que a IA tem para oferecer a qualquer hora e em qualquer lugar no processo de aprendizagem. Basta pensar na enorme vantagem de um aluno poder ter um tutor de aprendizagem sete dias por semana e 24 horas por dia sobre os mais variados assuntos”, vinca.
O investigador acredita que os alunos não dependem mais de processos de aprendizagem exclusivos do espaço escola, mas “dependem, e muito, da ajuda que os professores lhes possam fornecer para serem eficientes nas interações com esta IA. Mais do que servir para motivar qualquer aluno, a IA tem o propósito de aprofundar e permitir adquirir um conjunto de competências de aprendizagem que de outro modo seriam impossíveis, ou muito mais difíceis, tornando o processo cada vez mais eficiente”, avança. A IA, quando usada de forma apropriada e consciente, fornece aos professores um novo conjunto de soluções pedagógicas para enriquecerem a sua prática letiva e o processo de aprendizagem. “Quanto maior for o envolvimento do aluno na manipulação criativa, na pesquisa, na interação com o próprio conhecimento, na descoberta de novas formas de expressão de saberes, maior será a eficácia didática deste processo”, sustenta.
A IA já entrou na vida de todos, sem que muitos não se apercebam da sua presença. Este é outro dos argumentos do investigador para quem ainda está reticente sobre a necessidade de dominar o mundo tecnológico. “Ninguém considera estranho que, quando ligamos a Netflix ou outro qualquer canal de streaming, surjam ‘apenas’ os filmes baseados no perfil de visualização, preferências de atores ou atrizes, tipos de filmes, ou até baseados nas nossas crenças e pensamentos que vamos demonstrando ao longo da nossa atividade dentro de uma aplicação. Estas são apenas as pequenas coisas da nossa vida, agora imaginem o grau de profundidade em que a IA já está a condicionar as nossas escolhas”, exemplifica.
Marco Bento entende o receio do avanço da IA, mas pede para não a “diabolizarmos”. “Os arautos da desgraça educativa olham para estas ferramentas com a mesma diabolização de qualquer novidade tecnológica, porque, enquanto se pensar numa ação pedagógica baseada em transmissão e testagem de conhecimento, é evidente que esta tecnologia coloca tudo em causa.” O docente diz ter conhecimento de “várias escolas e universidades a tentar proibir o uso desta ferramenta, sob o argumento de que os alunos podem copiar testes, exames, trabalhos, como se nos ambientes analógicos nunca tivesse existido cópia ou plágio”, sendo totalmente contra essas decisões.
“Se pensarmos numa tipologia de professor que entrega uma proposta de trabalho ao aluno para que ele a realize, tendo o professor no final apenas o papel de ler e classificar, esse professor merece que o trabalho seja realizado pela IA”, defende. Já “se o professor acompanhar a realização do trabalho, este for feito em aula com o professor, num sistema de feedback e avaliação sistemática da compreensão do aluno, permitindo o uso da IA para que o aluno vá defendendo as suas ideias”, não há razão para a IA não ser usada como ferramenta.
“Enquanto investigador e professor, parece-me que se não usarmos a IA na escola e não prepararmos os alunos para estes contextos, eles vão continuar a usar, mas sem moderação, controlo ou educação, podendo colocar em risco os seus dados e a sua ética, sem aprenderem a filtrar a fidedignidade da informação”, conclui. Defende, assim, a utilização da IA “como suporte para a aprendizagem, feedback, metacognição, autorregulação, desenvolvimento do espírito crítico por parte dos alunos em quatro patamares distintos: observação, emulação, autocontrolo e autorregulação”, sendo a IA uma mais-valia para alunos e docentes.
Para os que resistem, Marco Bento lança um alerta: “Os professores não serão substituídos pela IA (nos próximos tempos), mas os que não a souberem usar ficarão próximos dessa substituição.”
Estudantes divergem nas vantagens da IA
Ari Ferreira, 17 anos, estudante do 11.º ano no Agrupamento de Escolas do Cerco, Porto, considera-se um resistente. O jovem acredita que “ a IA não vem mudar a forma de aprendizagem, mas sim mudar a forma de a abordar”. “O ChatGPT, por exemplo, faz o que qualquer um de nós faria: pesquisa. A diferença é que na nossa pesquisa sabemos cruzar informação, determinar o que é ou não verdadeiro e fazer um filtro do que queremos. O ChatGPT faz a pesquisa, acumula o máximo de informação possível e apresenta-a. A abordagem muda porque não somos nós a procurar para aprender, mas sim uma ferramenta a procurar por nós para nós tentarmos aprender”, explica.
Ari Ferreira vê de forma negativa as mudanças na forma de realizar os trabalhos escolares e lamenta a sua utilização em crescendo. “É verdade que é tentador através de um bot podermos substituir horas em arquivos, manuais ou exercícios, mas essa não deveria ser a abordagem a ser realizada. Substituir e reduzir o nosso trabalho de pesquisa e autopensamento a um chat de IA é crítico para a forma como lidamos com obstáculos”, justifica. Para o jovem, “a abordagem que a IA deveria ter era não de dar as respostas ou fazer o trabalho do aluno, mas sim de corrigir os erros ou dar sugestões de melhoria”.
Este aluno lamenta ainda a falta de formação para alunos e professores e avança o que gostaria que fosse feito. O que ajudaria os alunos nesta fase de mudanças na IA seria “não marcar autogolos”, isto é, “não nos sabotarmos”.
Já Beatriz Oliveira, aluna da Universidade de Aveiro, aponta mais benefícios do que desvantagens ao uso da IA no universo formativo. Admitindo o receio em relação ao impacto no mercado de trabalho em algumas áreas, acredita que a IA “vai mudar o mundo para melhor”. “As potencialidades da IA ainda estão numa fase embrionária e o futuro vai trazer, acredito, benefícios em áreas como a educação ou a saúde, que bem são necessárias”, opina. A estudante assume recorrer à IA para estudar, fazer trabalhos e ter uma ferramenta “de orientação” quando os temas são mais complexos. “Tem sido um desafio para mim, porque ainda estou longe de dominar as plataformas que utilizo, mas posso dizer que já me foram úteis várias vezes este ano letivo, e com sucesso”, sublinha. E quer mais debates em torno do tema, pois “é preciso antever problemas e perceber que caminho estamos a percorrer e até onde queremos chegar”.
Neste Dia Nacional do Estudante, Ari Ferreira deixa um pedido ao próximo ministro ou ministra da Educação, a quem pede para olhar para o “descontentamento dos alunos e dos professores”. “Peço que seja prudente e que torne a carreira de docente atrativa. Tudo começa pela educação, pela escola. Se não há professores, e respeito pelos mesmos, todo o processo é prejudicado. O professor não é apenas um funcionário do Estado, é alguém que vai marcar gerações de estudantes”, sublinha. Para o jovem, “assistir a este ‘deixa andar’ na carreira docente é penoso e prejudicial, sobretudo para os alunos”.
Cynthia Valente