É necessária muita coragem para encarar a cultura de inovação, principalmente com seus paradoxos rumo a um futuro desconhecido
Como de costume, gosto de começar meus artigos com alguma menção ao universo de esporte ou cultura, com inspirações que consigo trazer para o cotidiano. Desta vez, ainda sigo o caminho de uma obra audiovisual, mas em um caminho mais óbvio quanto à relação com a realidade do ecossistema de inovação.
O filme “Jobs”, que conta a trajetória do fundador da Apple, mostra, em uma das cenas, uma conversa entre Steve Jobs e Steve Wozniak, engenheiro eletrônico e programador de computadores, também co-fundador da Apple. Nela, o diálogo é sobre como a extinção dos desktops poderia mudar toda a história da indústria. E uma das frases de Wozniak é: “Mesmo que você consiga desenvolver este projeto para ‘loucos’ como nós, e eu duvido muito, ninguém mais vai querer comprar esses computadores”. Considero essa uma frase cheia de impacto, pois é necessária muita coragem para encarar a cultura de inovação, principalmente com seus paradoxos rumo a um futuro desconhecido.
Complementar ao filme, há alguns anos, li um texto do economista Gary P. Pisano que tinha basicamente cinco reflexões com o que não te contam sobre a cultura de inovação. Concordei com absolutamente todas.
O primeiro tópico era a tolerância para falhas, mas não a tolerância para incompetência. Como manter um ambiente saudável para os erros sem deixar que as coisas saiam do controle? E, neste primeiro ponto, já trago a Apple novamente. Entrar para a companhia é o sonho de milhões de profissionais, mas seu processo seletivo, assim como Google, Amazon e outras companhias reconhecidas por sua cultura de inovação, é extremamente rigoroso.
Isso faz com que a empresa tenha, basicamente, um time extremamente competente e especialista em suas áreas, o que deixa o ambiente mais propício para testes e falhas. Dentro disso, um dos pontos mais interessantes é que você não sabe o que você não sabe, e vai aprendendo sobre isso conforme vai evoluindo. Nesse cenário, a falha é essencial para gerar um aprendizado sobre como seguir em frente. Nas startups, vejo muitas experiências de andar duas casas para trás antes de avançar cinco. Faz parte do jogo. Este é um dos motivos que nos faz incentivar com frequência o investimento delas em time. Para bons profissionais, o mindset tem que ser de investimento e não de gastos. Muitas vezes são eles que fazem a diferença para o sucesso de uma startup.
Outra coisa que não te contam sobre a cultura de inovação é a disposição para experimentos, mas de modo altamente disciplinado. Grandes companhias que apostam nesse modelo há um tempinho estão confortáveis com as incertezas e a ambiguidade que a experimentação traz consigo, além de se posicionarem como alguém que não tem todas as respostas, que não sabe tudo.
Tal atitude não significa fazer testes e experimentos desenfreadamente, mas usar este artifício com parcimônia e inteligência — caso contrário, é apenas perda de tempo e queima de recursos, tanto financeiros como intelectuais. Definir orçamento e tempo máximos para as tarefas é imprescindível. Inserido nesse processo deve haver critérios claros para tomar a decisão de quando seguir em frente, mudar a rota ou matar uma ideia.
Dados são aliados nesse método, quase que sagrados. Por meio deles é que será possível fazer a análise para validar as hipóteses ou não. E a liderança deve ter conhecimento de que para encorajar o time a apostar em novas ideias não adianta pedir que os dados venham de modo rápido, atitude que pode bloquear a criatividade, primordial para a inovação.
Frase forte, mas necessária, em seu artigo, Pisano falou sobre a inovação ser psicologicamente segura, mas brutalmente sincera. Em minha interpretação, este tópico está diretamente relacionado ao desprendimento da solução e o total apego ao problema, este deve ser sempre o foco da atenção. Só assim o ambiente se torna realmente propício para a sinceridade do time, sem receio de represálias. Poder criticar as ideias, independentemente de quem foi o autor, permite que o time se mantenha focado no que importa, que é a melhoria do produto, solução ou serviço. Há de se ter maturidade para contribuir com críticas construtivas, e, ao mesmo tempo, receber feedbacks sobre suas propostas.
O penúltimo tópico do texto falava sobre a colaboração, mas com responsabilidade individual. Para que a inovação aconteça e que seja funcional, há a necessidade de informação, inputs e uma integração forte de pensamento distintos, oriundos de diversos backgrounds, experiências e realidades. Quando a cultura da companhia segue a linha colaborativa, naturalmente os profissionais trabalham com um senso de responsabilidade coletiva.
Mas, vale lembrar, que mesmo que as tarefas sejam, em sua maioria, realizadas em conjunto, há uma pessoa que no final tomou a decisão, assumiu os riscos. Isso vale na realidade de grandes companhias ou no cotidiano das startups. Por conta disso, as empresas devem deixar claro para as equipes que é esperado que as pessoas tomem suas decisões e lidem com as consequências de suas escolhas, levem elas para um caminho certeiro ou tortuoso. Ressalto que responsabilidade e colaboração são atributos complementares e um serve de guia para o outro.
Por último, mas não menos importante, a liderança tem o papel fundamental de ser forte, mesmo nos modelos em que os organogramas são horizontais. Aliás, nestes casos, é ainda mais necessário que a liderança seja forte e saiba se comunicar com a equipe, caso contrário, o resultado pode ser catastrófico. Amazon é um bom exemplo disso, em que sua organização é num formato horizontal, mas há muita clareza do direcionamento da companhia, os próximos passos e objetivos. Na cultura de inovação, quando se foge da hierarquia tradicional vertical, os gestores têm mais proximidade com o que está sendo executado nas pontas diariamente, o que permite correções de rota mais rápida em algum momento que seja oportuno.
Investir no processo de inovação não é nada fácil e as novas descobertas são diárias. Não há fórmulas, mas temos acompanhado que os resultados valem a pena. E, sim, os paradoxos estão presentes em todas as etapas. Afinal, boas histórias também surgem a partir deles.
*Paulo Costa iniciou sua carreira como empreendedor digital com a participação na fundação e desenvolvimento de diversas startups. Em 2015, passou a fazer parte do mundo executivo na Accenture, onde ficou por cinco anos como diretor de inovação, boa parte deles dentro do próprio Cubo. O atual CEO do hub de fomento ao empreendedorismo tecnológico do Itaú também foi um dos responsáveis por apoiar o fundo Neo Future, da gestora de fundos de investimentos Neo, onde conduzia desafios relacionados a estratégias digitais e inovação, tendências e comportamento de consumo.
Fonte: Época Negócios