Foram 35 horas de tribunal do júri, talvez o maior daquela cidade interiorana. O processo estampava uma disputa entre facções. Os jovens matadores teriam deixado a Capital para matar; e, inclementes, mataram. O estrépito das balas substituiu o verso na “Terra dos Poetas”.
A “liderança” era um jovem empobrecido no enredo da guerra às drogas. Os réus sentiam os efeitos da prisionização, os que não eram ban(d)idos já estavam ambientados à realidade desumanizada. Trancar e deixar lá dentro, dizia um dos acusadores. Para a defesa, havia a necessidade de compreender o encarceramento em um país de racismos e desigualdades estruturais. “Prender e jogar a chave fora” trouxeram consequências impremeditadas: mais crimes, medo difuso etc.
Os réus pareciam habitar um campo ficcional. Para eles, os atores jurídicos é que talvez fossem os verdadeiros personagens fictícios.
A justiça criminal do metaverso não assombrava os ban(d)idos simplesmente porque estavam imersos em uma realidade virtual ignorada. Talvez por isso que, lá pelas tantas, a “liderança” tenha escarrado no plenário. Alguns o reputaram como um bárbaro achincalhando o ritual do júri. Alguém que cospe em um dos templos da civilização merece a mais dura das penas, pensaram eles.
Talvez ele não estivesse no plenário, quem sabe o miserável mandante, há anos encarcerado, não passasse de um amontoado de bytes algoritmicamente posicionado no fórum, apenas um avatar construído em ruas esburacadas.
Depois da sentença, bastaram ligeiros ctrl+x e ctrl+v para que os réus retornassem a suas realidades, enquanto nós consumávamos outra ficção. As nuvens plúmbeas trouxeram uma real tempestade para a realidade ficcional das togas elegantes.
Instalados numa distopia fixada na dúvida que emerge no escarro do barbarizado pelos hipercivilizados, segregados em regras elitistas que reforçam a instransponível desigualdade, ficamos sem resposta para a questão: o que é real ou ficcional no mundo das misérias humanas?