Durante séculos a humanidade imaginou a possibilidade de haver alguma espécie de “Inteligência Artificial” (IA), muito antes de Alan Turing fazer, em 1950, a pergunta crucial “as máquinas podem pensar? ”, que impulsionou o interesse sobre este fenômeno. Os antigos filósofos gregos já trabalhavam com o conceito de “inteligência não humana”. Mais tarde, o conceito de robôs aparece no Renascimento, especialmente com as proposições e experimentos de Leonardo da Vinci.
O marco histórico que originou o desenvolvimento da IA foi a elaboração do primeiro algoritmo, por Ada Lovelace, em 1843, consolidando-se com as contribuições de Alan Turing para a computação, criando, de fato, uma área de pesquisa referente ao “pensamento das máquinas”. Desde então inúmeros processos de automatização foram surgindo em direção à consolidação da IA como hoje a conhecemos. As mais recentes ondas ocorreram na década de 2010, com o avanço da Machine Learning (ML), um ramo da estatística computacional usada para fazer previsões a partir de dados não estruturados, e no início da década de 2020 com o surgimento do ChatGPT, um sistema natural que pode ser usado para responder questões, verter linguagens e produzir textos quando solicitado. Estas tecnologias nada mais são que uma continuação direta do processo histórico de automação de tarefas iniciado na Primeira Revolução Industrial.
Mas, diferentemente de outros processos tecnológicos, sua rapidez de penetração é muito mais ampla, disseminando-se em praticamente todas as ocupações, áreas de conhecimento e setores de atividades econômicas, bem como em outros aspectos da sociedade como um todo. Ainda que o temor principal tenha recaído sobre a possibilidade de um desemprego em massa, as implicações da IA não se restringem a este único impacto, indo mais além, promovendo mudanças culturais, médicas, jurídicas, sociais, nas comunicações, no ambiente empresarial, na organização do trabalho, levando à necessidade de novos requisitos de educação e treinamento para o novo perfil requerido dos trabalhadores, entre outras implicações.
A IA tem a capacidade de realizar tarefas rotineiras e não rotineiras, de modo que ela traz a possibilidade de substituir trabalhos realizados exclusivamente por profissionais de alta qualificação, sendo este o aspecto que diferencia estas tecnologias dos outros processos de automação observados na história, os quais recaíam sobre tarefas manuais. Neste sentido, as ocupações que exigem um maior grau de escolaridade são justamente as mais expostas a esta tecnologia.
Referente aos ganhos de produtividade através da IA, na ótica conceitual parece ser claro o impacto positivo desta tecnologia. Os resultados recentes da literatura, entretanto, não indicam que este ganho não tem se concretizado no estágio atual. O que parece estar ocorrendo é um atraso entre a implementação da IA e o ganho efetivo na produtividade.
Destaca-se, também, que novas habilidades serão exigidas dos trabalhadores na dinâmica do mercado de trabalho, de modo que, para mais da metade dos participantes atuais desse mercado, será exigido algum tipo de novo treinamento nos próximos anos. As novas habilidades necessárias no mercado de trabalho podem ser divididas em dois grupos. Aquelas necessárias para o desenvolvimento e manutenção dos sistemas de IA, e as necessárias para o uso, adoção e interação da tecnologia como ferramenta de trabalho.
Outra constatação frequente na literatura é que a implementação da IA no mercado de trabalho potencializa o fenômeno de polarização das ocupações, isto é, a maior parte dos trabalhadores deslocados por esta nova técnica produtiva se fixará no centro da distribuição salarial, de modo a dividir os empregos em dois grupos os de alta e os de baixa qualificação. Neste sentido, a implementação desenfreada da IA aumentará a já crescente desigualdade social via polarização salarial.
Um aspecto marcante é que a IA pode contribuir positivamente para a inclusão social no mercado de trabalho. Mecanismos de correspondência de empregos geridos por estes sistemas elevaram o número de contratações de indivíduos pertencentes a grupos sociais marginalizados. Outro caminho de inclusão se deve à possibilidade de disseminação de instrumentos auxiliares voltados para pessoas com deficiências auditivas, visuais e de fala, facilitando a realização de trabalhos em equipe, através da superação de desafios para comunicações interpessoais. Os migrantes poderão, também, se beneficiar na medida em que a IA pode gerar instrumentos que minimizem a barreira do idioma.
Muitos desafios, entretanto, ainda cercam a implementação da IA. O mais notável está na potencial perpetuação de vieses e preconceitos através destes sistemas, pois, se tratando de uma criação humana, esta tecnologia não se encontra livre de vieses. O funcionamento opaco destas máquinas dificulta o entendimento do processo de decisão tomado por elas, o que torna complexa a identificação destes preconceitos potenciais.
Com relação ao controle da IA para evitar avanços indesejados, há um consenso que existem três frentes para combater os efeitos adversos trazidos pela IA: a atuação do Estado através da adoção de políticas públicas; o fortalecimento da atuação das organizações sindicais através dos acordos coletivos, e da sociedade por meio de um amplo diálogo envolvendo os principais atores sociais afetados pelo avanço desta tecnologia.
Outra forma de controle que aparece ainda embrionária é a tributação das máquinas. Esta regulação pode ser direcionada para o financiamento de treinamentos e reinserções dos trabalhadores afetados, diminuindo o efeito social negativo. Por outro lado, entretanto, a tributação pode reduzir substancialmente a produtividade e o desenvolvimento de novas tecnologias, pois as empresas tenderão a reduzir os processos de automação.
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Artigo: José Paulo Zeetano Chahad e Tuffy Licciardi Issa