O agronegócio e a tecnologia entrelaçaram há tempos uma parceria de grande sucesso
Responsável por significativa parcela do PIB nacional, já não é nenhuma novidade a importância do agronegócio para o país. O setor é de consolidada relevância não apenas na economia nacional, mas também na política, cultura e desenvolvimento social. Porém, é de se notar, também, o avanço dessa frente em mais um setor – o da tecnologia.
Em que pese poder parecer, ao menos ao grande público, como uma novidade não tanto intuitiva, o agronegócio e a tecnologia entrelaçaram há tempos uma parceria de grande sucesso. A última revolução no setor em escala global, conhecida como Revolução Verde, representou o emprego de novas tecnologias no campo. Introduziu a mecanização agrícola, o uso de agroquímicos, o melhoramento genético de sementes e o desenvolvimento de cultivares.
Nesse período, tivemos um grande aumento no uso de maquinários agrícolas, como tratores, semeadeiras, colhedoras e sistemas de irrigação. Além do aprimoramento quanto aos tratos culturais e desenvolvimento de cultivares e híbridos com maior adaptabilidade ao solo.
Toda essa modernização no campo preparou o agronegócio para suportar e atender a grande expansão demográfica e incremento da demanda por alimentos que experimentamos nas últimas décadas. Foi nesse período que a Embrapa surgiu no Brasil, em 1973.
Sem considerarmos todo o salto tecnológico dessa fase, não seria possível a produção de alimentos em escala global, na quantidade e qualidade que temos hoje. E como o progresso é contínuo, e a demanda cada vez maior e mais exigente, como não poderia ser diferente, o agronegócio vem estreitando cada vez mais sua relação com a tecnologia, à medida que esta avança em ritmo acelerado. Podemos afirmar que está em curso a revolução digital no agronegócio.
Essa nova fase é o que se denomina Agricultura 4.0, em que temos a integração de diversas tecnologias com o fim de aumentar a produtividade no campo de forma eficiente. A tomada de decisão passa a ser a partir do grande processamento de dados coletados, sobretudo, pela aplicação de softwares e aplicativos que medem com precisão questões climáticas, dosagem hídrica, plantio, aplicação de fertilizantes etc.
Com o uso da Inteligência das Coisas (IoT), Inteligência Artificial (IA) e de drones e sensores, dados e imagens são coletados e transmitidos para equipamentos que operam nas diversas fases do processo de produção, suportando tomadas de decisões racionais que otimizam toda a cadeia. Do preparo do solo à movimentação dos estoques em armazéns, ganha-se maior eficiência em larga escala, além de proporcionar o uso consciente de recursos que possibilitam um desenvolvimento ainda mais sustentável das culturas.
Diante dessa vocação vanguardista, não seria diferente a busca por inovação no que se refere à busca por novas formas de financiamento. Desde a instituição da CPR (Cédula de Produtor Rural) em 1994, que já representou uma disrupção ao possibilitar o financiamento direto ao produtor sem intermediação bancária, o agronegócio vem se abrindo – e buscando – cada vez mais o financiamento privado e diversificado.
Temos visto nas últimas décadas o aumento das operações financeiras estruturadas, que envolvem uma complexa cadeia de garantias e demandam mecanismos cada vez mais sofisticados para o monitoramento e acompanhamento dos bens, que estão no campo. Essa organização e estruturação do setor possibilitaram a sua projeção para fora da porteira, conquistando investidores interessados na força do agronegócio.
Uma vez que possibilitam o fluxo de informações necessário a dar ao credor confiança para investir – daí a entrada do agronegócio no mercado de capitais, com e emissão de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), CDCAs (Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio) e, mais recentemente, com a constituição de FIAGROs (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais).
É nesse cenário fértil de inovação e desbravamento que estamos vendo surgirem os agrotokens. Mas afinal o que são agrotokens?
O termo “agrotoken” surge da fusão das palavras “agro”, que, em grego, denota “campo”, e “token”, originária do inglês, que significa “símbolo”. Em sua essência, o agrotoken é um neologismo utilizado para descrever a representação digital de ativos ou direitos associados à agricultura e agropecuária, fundamentado na tecnologia blockchain.
Liquidez
O surgimento dos agrotokens, oriundos da tokenização de ativos agropecuários, traz consigo múltiplas e impactantes mudanças no âmbito do agronegócio. Em primeiro plano, a adoção da tokenização no contexto agropecuário apresenta uma significativa vantagem: a maior liquidez dos ativos.
A possibilidade de transações mais eficientes e rápidas é proporcionada pela representação digital dos ativos, fracionados em unidades menores, conhecidas como tokens. Este fracionamento democratiza o acesso, permitindo a participação de investidores diversos, contribuindo para a formação de uma base ampla de compradores e vendedores.
A digitalização dos ativos agropecuários, entretanto, transcende a mera eficiência transacional. Ela elimina barreiras geográficas e temporais, facultando transações contínuas 24 horas por dia, sete dias por semana. Essa flexibilidade temporal, ao permitir transações em momentos convenientes, independe dos horários tradicionais de funcionamento dos mercados, potencializando ainda mais a liquidez desses ativos.
No contexto de transparência e segurança, fundamentais em transações agropecuárias, a tecnologia blockchain, base da tokenização, desempenha um papel crucial. A imutabilidade dos registros na cadeia de blocos minimiza riscos de fraudes e assegura a integridade das informações, elementos cruciais, dada a complexidade e extensão da cadeia produtiva no setor agropecuário.
Os impactos no mercado são notáveis, redefinindo dinâmicas tradicionais e promovendo uma democratização do acesso a investimentos agropecuários. Investidores, anteriormente limitados por exigências volumosas de capital, agora podem participar de maneira mais pulverizada, fomentando a expansão do mercado e a diversificação de investimentos.
Em contrapartida, produtores agropecuários encontram no sistema de agrotokens uma fonte de crédito antecipado mais célere e menos onerosa, proporcionando um fluxo de caixa vital para o desenvolvimento de suas atividades.
Contudo, a adoção responsável dos agrotokens exige uma atenção diligente aos aspectos legais, especialmente no que concerne à sua regulação. O desenvolvimento e a regulamentação desses ativos digitais devem ser rigorosamente alinhados aos princípios jurídicos vigentes, considerando meticulosamente questões pertinentes à propriedade, responsabilidade e tratamento tributário.
Nesse contexto, destaca-se a relevância das autoridades reguladoras, como o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na definição das diretrizes normativas para os criptoativos. A adaptação do ordenamento jurídico à evolução tecnológica é imperativa e requer um arcabouço normativo claro e atualizado, considerando a especificidade dos ativos digitais e, em particular, dos agrotokens.
Regulação
A definição precisa dos direitos e obrigações, assim como a clareza na responsabilidade legal das partes envolvidas, emergem como elementos cruciais para garantir a efetividade e sustentabilidade dessa inovação no setor agropecuário. O envolvimento e a colaboração das entidades reguladoras são fundamentais para assegurar um ambiente regulatório adequado e propício ao desenvolvimento seguro e transparente dos agrotokens no cenário nacional.
Dessa maneira, os agrotokens não são apenas um reflexo da evolução no agronegócio, mas também apontam para uma transformação mais ampla, onde a tecnologia blockchain emerge como uma força catalisadora em vários segmentos econômicos.
Essa convergência entre agricultura e tecnologia, simbolizada pelos agrotokens, destaca-se como um indicativo positivo do potencial da tecnologia blockchain na atualidade, transcendendo fronteiras e moldando de maneira proativa o panorama de diferentes mercados.
Fonte: Globo Rural