Para analistas, elas ainda devem ter alguns meses difíceis pela frente, até pelo menos o segundo semestre; por outro lado, o interesse dos investidores pela IA pode impulsionar alguns negócios
Com algumas surpresas e movimentações inesperadas, 2023 foi um ano desafiador para as startups. Ainda no primeiro trimestre, a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) colocou parte do mercado em estado de atenção. Somou-se a isso os juros altos mundo afora e a guerra da Ucrânia, que fez investidores puxarem o freio e deixou o dinheiro mais curto ao longo do ano.
Os valuations sofreram reajustes e foi mais difícil para as startups conseguirem um cheque sem mostrar algum tipo de resultado ou soluções robustas para enfrentar o cenário macroeconômico — à exceção de negócios focados em IA, que despertaram maior interesse dos fundos de capital de risco.
“Foi um ano bem desafiador para o ecossistema como um todo. Com a quebra do Silicon Valley Bank, houve quase um pânico”, lembra Sandro Cortezia, CEO da aceleradora Ventiur. Por outro lado, ele acredita que o ajuste pelo qual o mercado tem passado foi benéfico no sentido de regular os preços. “O que aconteceu foi um freio de arrumação. Tinha muito ‘oba, oba’, startups que tinham apenas uma ideia e captavam milhões sem ter consistência nenhuma”, avalia.
Os investimentos em startups brasileiras recuaram 86% no primeiro trimestre de 2023, na comparação com o mesmo período de 2022, segundo o Distrito. Já no terceiro trimestre, o mercado demonstrou alguma recuperação. O total de investimentos alcançou US$ 596,7 milhões, num aumento de 54% em relação ao trimestre anterior (US$ 385,8 milhões). Porém, o número ainda veio 16% menor que em 2022 (US$ 711,06 milhões).
O que esperar para 2024
Para Sandro Cortezia, as startups ainda devem ter alguns meses difíceis pela frente, até pelo menos o segundo semestre de 2024. “O momento mais difícil está passando, mas acredito que as coisas voltem a um patamar mais próspero só a partir do segundo semestre. Não digo voltar ao que era antes, porque havia esse excesso, mas pelo menos um pouco melhor”, avalia.
Um relatório do PitchBook, plataforma que acompanha os dados da indústria, fez avaliação semelhante. Segundo o documento, não existem indicadores de uma recuperação significativa no curto prazo. “As taxas de juros e as tensões geopolíticas continuam elevadas, e a inflação tem sido relativamente teimosa. Sem mencionar que os anos eleitorais podem ter suas próprias surpresas”, afirma a pesquisa, referindo-se às eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2024.
“O ambiente de juros atual é muito mais perigoso para as empresas que estão começando, principalmente se a gente fizer uma comparação com 2021, por exemplo, quando havia liquidez muito alta e juro zero. [O cenário atual] obriga as empresas a começarem a mostrar lucro”, avalia Thomas Monteiro, analista da Investing.com.
“Não acho que, necessariamente, inovação e capital barato estejam intrinsecamente ligados. Claro que é bom você ter dinheiro ilimitado para investir onde quiser, isso ajuda a crescer, mas também pode trazer ineficiência. Muitas vezes, a inovação é criada em momentos de inflexão de capital, a partir da obrigatoriedade de ter produtos que sejam, de fato, relevantes para o mundo”, avalia Monteiro.
Para os gestores de fundos, o cenário ainda deve ser de cautela nos próximos meses. Segundo um levantamento do Distrito divulgado em dezembro, 75% dos gestores que possuem mais de três fundos estão com uma visão pessimista para o próximo ano, enquanto os que possuem menos de três fundos se encontram mais positivos.
Diante das complexidades enfrentadas pelas startups, 60% dos gestores pensam em uma retomada das atividades do setor nos níveis anteriores à crise em um espaço de tempo acima de 18 meses. Além disso, os dados do relatório apontam que 56,26% dos empreendedores acreditam que a crise ainda não terminou.
Para Leo Monte, presidente da Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVB), deve haver melhorias gradualmente ao longo de 2024, condicionadas ao aumento da confiança dos investidores. “O primeiro semestre pode ser um período de ajuste e retomada, e aguardamos melhorias entre a segunda metade de 2024 e 2025”, avalia. “Acho muito difícil voltarmos ao patamar de 2021, por exemplo, porque as condições são diferentes. O momento exige bastante cautela e consistência por parte dos fundadores e investidores.”
IA pode impulsionar recuperação
A perspectiva a longo prazo é um pouco melhor. A inteligência artificial — e o aparecimento de startups focadas na tecnologia ou que oferecem serviços e soluções a partir dela — adicionou combustível ao mercado, trazendo certo otimismo em relação às inovações que podem surgir.
“As empresas brasileiras estão priorizando inteligência artificial em seus programas de inovação. Isso inclui experimentação e POCs [provas de conceito], parcerias com startups, integração da IA em processos de negócios, investimento em pesquisa. O interesse na IA pode ter um efeito positivo no mercado de startups como um todo”, avalia Leo Monte.
O relatório do PitchBook também lembra que o buzz em torno da IA intermediou a criação de cerca de um quarto de todos os novos unicórnios nos Estados Unidos desde o início de 2022, incluindo a Anthropic, que recebeu aporte de US$ 2 bilhões do Google.
“Devemos ver um aumento considerável pela busca de parcerias e investimentos em ativos em torno do uso de inteligência artificial, tanto para geração de novos produtos quanto para buscar eficiência nas operações”, projeta Monte. “A combinação da IA com outras tecnologias marca uma nova era, prometendo transformar diversos negócios”, conclui.
Fonte: Época Negócios