Iniciativas incluem aprovação de Lei do Pantanal no Mato Grosso do Sul, criação de corredor ecológico, formação de brigadas contra incêndio e venda de créditos de carbono
Com a ameaça do desmatamento ilegal, das queimadas e do avanço da lavoura da soja no Pantanal, empresários, fazendeiros e ONGs do Mato Grosso do Sul estão se mobilizando em uma série de iniciativas voltadas para preservar o ecossistema da maior planície alagável do planeta. As ações envolvem a aprovação de uma lei estadual para o bioma, a compra de terras para criação de um corredor ecológico, a formação de brigadas de incêndio, o desenvolvimento de aplicativo para monitoramento de focos de calor e a venda de créditos de carbono para manter as florestas nativas de pé.
Na segunda-feira (18/12) o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, sancionou a Lei do Pantanal, após ser aprovada em duas votações na Assembleia Legislativa do Estado. A lei prevê a criação de um fundo para o desenvolvimento sustentável do bioma, a proibição de novos cultivos de soja, eucalipto e cana-de-açúcar – com exceção de agricultura de subsistência -, regras específicas para a produção de pecuária e o veto à instalação de usinas hidrelétricas e novas carvoarias na região.
A cerimônia contou com a presença dos ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Wellington Dias (Desenvolvimento) e Simone Tebet (Planejamento).
“O Pantanal é um bioma único no mundo. Ter uma união para proteger esse patrimônio do povo brasileiro é algo muito relevante”, afirmou Marina na cerimônia realizada no Bioparque Pantanal em Campo Grande (MS).
União de forças
A Lei do Pantanal foi desenhada pelo governo de Riedel após a criação de grupos de trabalho com instituições de proteção do meio ambiente, autoridades públicas e produtores rurais. “O grande maestro da lei que, se não é perfeita, é a possível para o momento, foi o governador Riedel. Ele soube acomodar os interesses e reduzir as tensões”, conta o empresário e ambientalista Roberto Klabin, proprietário do Refúgio Ecológico Caiman em Miranda (MS) e fundador do Instituto SOS Pantanal.
A ONG participou ativamente das discussões para a criação da primeira lei do estado específica para o bioma, que tem 84% de sua cobertura vegetal preservada. “Conversamos com o governador Riedel, que é biólogo e sensível à causa ambiental, participamos dos grupos de trabalho e visitamos os deputados em busca de votos”, conta Alexandre Bossi, sócio da gestora Perfin Investimentos e atual presidente da SOS Pantanal.
Fundo Clima Pantanal
Um dos principais pontos da nova lei é a criação do Fundo Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Pantanal, o chamado Fundo Clima Pantanal, um mecanismo para remunerar o produtor pantaneiro pela prestação de serviços ambientais.
“O produtor que mantiver preservada a área de floresta nativa de sua propriedade vai receber um pagamento por serviço ambiental com recursos desse fundo”, explica Bossi. Atualmente um decreto estadual de
2015 permite a supressão de 50% da vegetação arbórea nativa de uma propriedade. “A novidade é que essa lei de agora traz um incentivo para que ele mantenha a floresta de pé e receba por isso”, afirma Bossi, proprietário da fazenda Vera Lúcia em Aquidauana (MS).
A gestão do Fundo Clima Pantanal ficará a cargo da secretaria estadual do Meio Ambiente e os recursos virão de dotações orçamentárias do Estado, captação em agências de financiamento, convênios, doações, venda de créditos de carbono e emendas parlamentares. Um comitê de governança deverá ser formado por representantes do governo, da sociedade civil, produtores rurais, Embrapa e universidades.
Corredor ecológico
Klabin e Bossi fazem parte da Aliança 5P (Pantanal, preservação, parcerias, pecuária, produtividade), uma associação de 12 fazendas que formam um corredor de preservação no Mato Grosso do Sul. Formalizada em abril deste ano, a associação inclui a filantropa e ambientalista Teresa Bracher, proprietária da Fazendinha, e André Esteves, fundador do banco de investimentos BTG Pactual e dono da Fazenda Rio Negro, onde foram gravadas cenas da novela “Pantanal”.
As 12 propriedades somam uma área de mais de 320 mil hectares, o equivalente a 3,34% do Pantanal sul mato-grossense. Ali é proibido o desmatamento ilegal, a caça de animais, a pesca predatória e o cultivo de monoculturas que degradam o solo, como soja e milho. Entre os requisitos para integrar o grupo estão a criação de áreas de preservação permanentes e, no caso dos pecuaristas, o manejo sustentável do gado e das pastagens. “A finalidade é articular iniciativas associadas à sustentabilidade econômica e à preservação do Pantanal”, afirma Camilla Schweizer, co-proprietária da Fazenda Barranco Alto e presidente da Associação Aliança 5P.
Ecoturismo e créditos de carbono
A Aliança 5P começou a ser articulada em 2021 com a aquisição da Fazenda Santa Sofia, localizada numa área central para formar o corredor ecológico. “Quando foi colocada à venda, surgiu a ideia de adquiri-la para conservar não só essa área, mas criar um grande corredor de preservação com a participação de outras fazendas vizinhas que pensassem parecido com a gente”, conta Mario Haberfeld, ex-piloto de Fórmula 1 e fundador da Associação Onçafari, ONG que promove a conservação das onças-pintadas por meio do ecoturismo.
Após uma mobilização liderada por Teresa Bracher, a Fazenda Santa Sofia foi comprada por um grupo de oito cotistas filantropos e é administrada pelo Onçafari. “Agora estamos em negociações com um grupo africano para criação de um lodge dentro da propriedade, que é uma das mais preservadas da região. A expectativa é desenvolver uma operação de hospedagem e ecoturismo a partir de 2025”, conta Haberfeld.
Outro projeto em andamento é a certificação para a venda de créditos de carbono no mercado voluntário. “Um projeto de crédito de carbono custa muito caro e não vale a pena se cada fazenda fizer individualmente. Mas compensa se juntarmos as áreas de todas as fazendas da aliança. Então a ideia é que cada um da 5P ganhe o relativo a sua área para manter a floresta de pé”, explica o fundador do Onçafari.
Brigadas Pantaneiras
Após os incêndios florestais de 2020 que consumiram mais de 26% do território do Pantanal e causaram a morte de quase 17 milhões de animais vertebrados, fazendeiros e a SOS Pantanal se mobilizaram para criar uma rede de Brigadas Pantaneiras que têm como objetivo a prevenção e o primeiro combate aos focos de incêndios no bioma. Ao todo são 24 brigadas rurais privadas espalhadas pelo Pantanal, com mais de 300 brigadistas treinados.
“Esse primeiro combate é muito importante para não deixar o fogo perder o controle. Você não precisa necessariamente apagá-lo, mas é importante deixá-lo controlado até a chegada dos bombeiros”, explica Alexandre Bossi, presidente da SOS Pantanal.
Sistema de alerta Aracuã
Em outubro, a SOS Pantanal lançou o Sistema Aracuã (nome de uma ave nativa conhecida por acordar as pessoas nas primeiras horas do dia), que faz o monitoramento de focos de calor, a análise de dados territoriais do bioma e emite alertas em tempo real para os grupos de WhatsApp das Brigadas Pantaneiras.
“As Brigadas Pantaneiras, os sistemas de monitoramento e alerta e o plano para combate ao fogo não existiam nos incêndios de 2019, quando 60% da área do Refúgio Ecológico Caiman foi atingida”, conta Eduardo Santos da Rosa, gerente da parte de pecuária da Caiman e da Fazenda Nova Espanha. “Houve um aprendizado muito grande e hoje estamos muito melhor preparados para lidar com o fogo”, acrescenta.
Fazendeiros da Faria Lima
Bossi e outros proprietários de terras no Pantanal foram apelidados de “Fazendeiros da Faria Lima” por estarem sediados em São Paulo e não dependerem financeiramente das operações no bioma. O executivo do mercado financeiro argumenta que a vantagem de ter pessoas com esse perfil na região é a possibilidade de trazer inovação e um pensamento diferente que vai de encontro com o desenvolvimento e a preservação do Pantanal.
“Trazemos ideias como pagamento por serviços ambientais e créditos de carbono, que poderão ajudar a viabilizar a atividade econômica dos produtores rurais pantaneiros. Hoje muitos deles enfrentam dificuldades”, aponta Bossi.
O presidente da SOS Pantanal lembra que trata-se do bioma mais preservado do país e com a maior concentração de fauna e flora do continente americano. “Isso é um baita de um ativo e os sul mato-grossenses têm que ter orgulho disso. O Pantanal vale mais se a beleza e a riqueza da sua biodiversidade forem preservadas”, conclui.
Texto: Um só Planeta