“Quando começamos, fundar uma startup não tinha nada de ‘cool’. Éramos apenas mais uma empresa entrando no mercado de tecnologia e, pior, competindo praticamente só com as grandes, o que gerava olhares de desconfiança”, relata Paulo Alencastro ao recordar os primeiros anos da Unico, IDTech de soluções de identidade digital fundada em 2007 por ele, Diego Martins e Rui Jordão, já falecido.
À época, o ecossistema brasileiro não estava tão consolidado quanto hoje — o fluxo de capital ainda se concentrava em mercados mais sólidos, e o primeiro unicórnio brasileiro só iria aparecer em janeiro de 2018, quando a DiDi Chuxing comprou a 99 por US$ 300 milhões (R$ 960 milhões), elevando o valor de mercado da brasileira para US$ 1 bilhão.
A própria Unico só alcançou o status de unicórnio em 2021 — 14 anos depois de sua fundação –, ao receber aporte de R$ 625 milhões em rodada liderada pelos fundos General Atlantic e SoftBank Latin America Fund, com participação de Micky Malta, sócio da Ribbit Capital, e do Big Bets.
“De certa forma, isso nos trouxe resiliência. Nosso negócio sempre foi rentável, e mesmo com todo o aporte de capital que veio depois, mantivemos a disciplina no gasto do dinheiro. Não tínhamos pensamento de só escalar sem nos mantermos sustentáveis”, diz Paulo.
Primeiros anos e perda de um fundador
A Unico foi originalmente fundada com o nome de Acesso Digital, e o primeiro produto — hoje conhecido como Unico Doc — era uma solução de gerenciamento de fluxo de informações e documentos para outras empresas.
“Foi super desafiador por todo o contexto. O Rui veio a falecer logo no início da companhia, e era ele quem trazia mais maturidade para nós. Quando você é jovem, quer arriscar, construir diferente. Ele tinha o papel de ser alguém que nos ajudava a ponderar um pouco. Foi dolorido”, relata Paulo.
Em 2009, a Unico comprou a dotBR, desenvolvedora de software de gerenciamento de documentos, e em 2017 adquiriu a Arkivus, empresa de biometria facial. “Entre 2007 e 2015, a companhia cresceu bastante, mas ali a gente entendeu que o produto que tínhamos precisava ser atualizado. Em 2015, desenvolvemos adaptações para uso de reconhecimento facial e vieram novas soluções”, relata Paulo.
Em 2020, a startup trocou o nome para Unico, comprou a Meerkat (empresa de análise de imagens) e recebeu seus primeiros aportes. Foram R$ 40 milhões da Igah Ventures, em janeiro, e R$ 580 milhões em setembro, vindos de fundos da General Atlantic. Com um terceiro aporte em 2021, a empresa alcançou o status de unicórnio.
Em 2022, a Unico recebeu o quarto — e mais recente — aporte, no valor de US$ 100 milhões, em rodada liderada pelo Goldman Sachs.
Portfólio ampliado
“Entendo que o nosso melhor está sempre vinculado a jornadas de lançamentos de novos produtos. Não necessariamente estressar novos produtos, mas resolver novas dores”, analisa Paulo. Não é coincidência, portanto, que o portfólio da companhia tenha se ampliado de forma considerável ao longo dos anos.
Entre as soluções hoje oferecidas estão autenticação de identidades por meio de biometria facial, plataformas de educação corporativa, gestão de compras e vendas de veículos e admissão digital com assinatura eletrônica.
O lançamento mais recente é o IDUnico, que usa biometria facial combinada a outras camadas de segurança para validar a identidade de um usuário em menos de três segundos, a partir de uma selfie. Segundo a companhia, a solução é capaz de garantir 100% de precisão na autenticação de que é o real titular do CPF quem está realizando determinada transação ou serviço online.
De acordo com Guilherme Ribenboim, vice-presidente Comercial e de Marketing, clientes do setor financeiro já tiveram ganhos expressivos com a nova solução. Um deles, por exemplo, utilizava soluções de dois fornecedores para comparar os resultados e aumentar a probabilidade de acerto. “Com o IDUnico, essas empresas poderão oferecer uma experiência melhor e mais rápida no momento de identificar o cliente e terão a segurança de que estão atendendo o verdadeiro titular daquele CPF”, afirma.
A Unico hoje atende mais de 800 clientes, incluindo bancos privados, varejistas, fintechs, e-commerces e indústrias.
Demissões e IPO na mira
Assim como outras empresas de tecnologia — tanto startups quanto big techs –, a Unico não escapou da “epidemia de demissões” que ocorreu no setor de tecnologia, boa parte delas motivadas por um enxugamento nos gastos depois do pico de contratações durante a pandemia. Em janeiro, a empresa cortou 10,5% da equipe, cerca de 100 funcionários. Em outubro de 2022, havia demitido 50 pessoas da área de vendas para eliminar posições sobrepostas.
“Nosso grande desafio foi que a gente cresceu muito rápido. Saímos de 150 para mil pessoas de forma acelerada, e erramos em alguns dimensionamentos da estrutura, o que nos fez ter de ajustar isso ao longo do tempo. Vejo mais como um ajuste do que como um lay-off. Buscamos um modelo mais conservador e robusto de geração de resultado”, diz Paulo.
A Unico afirma ainda que, depois dos cortes no início do ano, voltou a contratar. Segundo a empresa, foram realizadas 200 contratações entre janeiro e novembro de 2023.
O próximo ano, no entanto, ainda deve ser desafiador para o mercado como um todo, avalia Paulo. “2024 ainda será de altos e baixos, temos um cenário econômico difícil”, analisa. Embora o executivo não descarte totalmente um IPO no futuro, deve ser adiado para um momento mais amigável. “IPO é uma etapa da jornada muito importante, principalmente no que diz respeito à reputação da empresa. A gente vem se preparando e organizando a companhia, mas é difícil precisar um timing para isso. Ano que vem ainda não será o melhor momento”, diz.
Por Louise Bragado, Época NEGÓCIOS