150 anos de crescimento industrial e econômico descontrolado alteraram o mundo profundamente, porém a um custo ambiental elevado e insustentável. Precisamos avançar além da postura predatória que sugou nossa prosperidade das entranhas da Terra para outra, dedicada a captar a energia que nos oferecem os céus

Raramente paramos, se é que paramos, para pensar como são extraordinários certos confortos do dia-a-dia: ligar um interruptor elétrico e ver um quarto escuro inundar-se de luz; abrir uma torneira e ter água potável; tomar um banho de chuveiro quente; viver em um lar fresco nos dias de calor e aquecido nos dias frios; entrar numa caixa metálica e se transportar para onde quer que se queira; ir a uma loja e comprar comida; falar com alguém em qualquer parte do mundo; jogar roupa suja em uma máquina que vai deixá-la lavada. A lista é infindável.

Agora regrida 200 anos até 1823. A vida então era completamente diferente. A energia era escassa; animais puxavam arados e carroças; máquinas a vapor apenas começavam a se desenvolver; a tecnologia era muito primitiva, se comparada à de hoje; a medicina ainda estava por compreender doenças e esterilização. Não havia telefones. Automóveis e aviões não tinham ainda sido inventados. Lâmpadas ainda eram curiosidade de laboratório. Tomava-se óleo cru como remédio. O primeiro motor de automóvel a combustão de gasolina chegaria somente cinco anos depois, inventado por Carl Benz, na Alemanha. A população mundial era de 900 milhões.

Mas veja onde chegamos! Combustíveis fósseis transformaram o mundo. A tecnologia transformou o mundo. A expectativa de vida nos Estados Unidos passou de 39.4 a 78.8 anos. No último século apenas, a população mundial cresceu de 2 para 8 bilhões.

É uma incrível história de sucesso material da nossa espécie – e de uma devastação ambiental catastrófica.

Ainda que a inovação tecnológica tenha suas raízes na pesquisa fundamental, a moeda é o vetor da transição do laboratório para o mercado. O crescimento ainda é medido por vendas e vendas geram lucro. Nos últimos 150 anos, o produto interno bruto per capita nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá (coletivamente conhecidos como Ramificações Ocidentais, do inglês Western Offshoots) cresceu de $4,647 para $53,757 (corrigida a inflação e a preços internacionais de 2011).

O que alimenta toda essa riqueza? Combustíveis fósseis, desmatamento, mineração, esgotamento dos oceanos e agricultura industrializada. Essa verdade óbvia está-se tornando mais clara para um número crescente de indivíduos: vivemos em um planeta finito, com recursos finitos e com capacidade finita de limpar a imundície que nós mesmos criamos.

Chegaram ao fim os tempos em que se tratavam oceanos e rios como gigantescos despejos de esgoto, a atmosfera como esponja perene de gases tóxicos e as florestas como inconvenientes obstáculos a remover em favor da pecuária e da agricultura extensivas.

A pergunta essencial é, então, o que pode ser feito? Podemos continuar a crescer poluindo menos, mesmo se a ciência ainda não conseguiu provar que crescimento e emissões podem ser dissociados? Ou será possível manter as atuais aspirações ao crescimento baseadas em uma visão do mundo profundamente diferente, na qual o combustível que alimenta o crescimento não equivalha à destruição ambiental descontrolada mas sim a uma relação simbiótica entre nossa espécie e o planeta que habitamos? Em outras palavras: será que a economia poderá ser adaptada a uma nova visão do mundo antes que tenhamos infligido danos ainda mais irreversíveis ao planeta?

O primeiro ponto a ser considerado é que não somos separados da devastação ambiental que perpetuamos. Destruir o meio ambiente implica na nossa destruição. Precisamos de ar puro, de água potável e de energia limpa para sobreviver. Quanto mais numerosos somos, maior a urgência dessa obviedade. A inventividade e a engenhosidade que temos tradicionalmente aplicado à inovação industrial e bélica precisa agora ser aplicada à nossa própria sobrevivência neste planeta. Precisamos reinventar nossa relação com o mundo. Precisamos avançar – da mentalidade predatória que sugou nossa prosperidade das entranhas da Terra para outra, dedicada a captar a energia que os céus nos oferecem.

Tal mudança de mentalidade representa a reversão de uma relação agressiva com o meio ambiente – máquinas metálicas que abrem crateras para sugar combustíveis fósseis do subsolo – para outra, que venha a abarcar o que já existe: o sol, o vento e a capacidade natural das florestas por todo o mundo de fixar carbono.

Devemos mudar a visão daqueles que ainda consideram a energia renovável hostil ao lucro econômico. A antiga visão de mundo, baseada nos últimos 150 anos – em que o lema do crescimento econômico foi “vamos consumir as entranhas da Terra para nos tornarmos ricos” – já era. É inviável. É insustentável. É autodestrutiva. É amoral. E a mudança que se faz necessária não deve relegar-se a governos e grandes corporações. É uma mudança da qual cada ser humano é parte, na qual cada um de nós tem um papel a desempenhar. O primeiro passo é fácil: pense como você usa os recursos que o mantêm vivo – ar, água, energia, alimento – e procure ver que mudanças você pode promover para assegurar que permaneçam disponíveis. O conceito essencial é MENOS: menos energia, menos água, menos carne, menos poluição, menos lixo.

Além disso, devemos igualmente reconhecer que, apesar de nossos esforços pela redução do consumo, algum grau de dano irreversível já se produziu. A ciência nos afirma que provavelmente já ultrapassamos os pontos de inflexão (tipping points) de seis dos nove sistemas planetários que sustentam toda a vida na Terra. Grande parte do mundo, particularmente o Sul Global, já está carregando nas costas o fardo desse colapso multissistêmico, na forma de ondas de calor, inundações, incêndios florestais, escassez de alimentos e outros fenômenos extremos ligados ao clima. E vamos encarar a verdade: apesar dos compromissos generalizados de limitar o aquecimento global a não mais que 1.5ºC a tendência atual é de um futuro com 2.4ºC – 2.7ºC acima dos níveis pré-industriais.

Assim, devemos nos unir em esforços comunitários através de colaborações bio-regionais, criando estruturas sociais de apoio de modo a tornar mais suave nossa aterrissagem, qualquer que seja a queda que está por vir.

A expectativa é que as mudanças que já começaram serão tão transformadoras quanto aquelas que explodiram durante os primeiros anos do século 20, com a industrialização desenfreada: uma economia baseada na extração passiva da energia renovável vinda dos céus; amplos programas de reflorestamento para fixação do carbono; uma reforma completa da indústria automotiva; a reciclagem da força de trabalho para adaptá-la à crescente automação da produção e à necessidade de versatilidade no mercado, requerida pelos novos empregos da era digital; um redesenho dos currículos escolares que conte a história de nossa relação com o meio ambiente para elevar a conscientização das gerações mais jovens; e, mais relevante, a adoção de uma nova ética de vida que envolva o planeta e – na qualidade de parceiros e não de alvos – todas as criaturas vivas com as quais o compartilhamos, que chamamos de biocentrismo.

Há cerca de uma década, tais perspectivas seriam descartadas como sendo utópicas ou pelo menos ingênuas. Não mais, porém. A nova visão do mundo está se enraizando e insano é o país que não a adotar com rapidez. Em vez de uma postura distópica e derrotista, vamos celebrar a oportunidade que temos de contribuir para a nossa própria reinvenção.

Texto: Um só Planeta