É justo que cresça a cada dia a cobrança global por mais transparência e dispositivos que garantam a credibilidade de cada crédito comercializado

No início de novembro, o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus – C3S, da União Europeia, anunciou que 2023 já é o ano mais quente do planeta em 125 mil anos. E tudo indica que esse recorde será quebrado em 2024 e por muitos outros anos vindouros. A crise climática já é uma realidade que testemunhamos com recordes de temperatura, secas, inundações, tempestades e toda sorte de eventos extremos mundo afora.

À medida que nos aproximamos de um ponto de não retorno, em que a janela de oportunidade para salvar o planeta se fecha, iniciativas para a mitigação das emissões se tornam cada vez mais urgentes. O mercado de créditos de carbono faz parte de um pacote de soluções que fazem da proteção ambiental um ativo econômico e uma alternativa para que a indústria se comprometa com a descarbonização da sua atividade. No entanto, é justo que cresça a cada dia a cobrança global por mais transparência e dispositivos que garantam a credibilidade de cada crédito comercializado.

A realidade socioeconômica na Amazônia brasileira passa longe de utopias romanceadas por bem intencionados, mas mal informados formadores de opinião ao redor do mundo. São milhares de quilômetros de terras disputadas a ferro e sangue sob diferentes interesses, muitas vezes escusos e à margem do estado legal de direito. Por isso, questionamentos sobre a qualidade e a integridade dos créditos gerados a partir do desmatamento evitado na Amazônia, os chamados REDD+, têm se tornado mais comuns, embora nem sempre bem fundamentados.

A integridade tem se tornado um tema tão recorrente nas discussões acerca do mercado de carbono, que em março deste ano, o Integrity Council for the Voluntary Carbon Market, órgão global de governança independente para o mercado voluntário de carbono internacional, lançou os Core Carbon Principles, uma série de referências para o desenvolvimento de créditos de carbono de alta integridade. Isso significa garantir a adicionalidade das medidas de proteção que geraram aquele crédito e evitar a contabilização dos mesmos créditos por entidades diferentes. Integridade não existe sem governança rigorosa e desenvolvimento sustentável.

A COP28, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas ocorre entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Uma oportunidade sem paralelo para defendermos que somente a busca sem fim pela alta integridade dos créditos pode derrubar a desconfiança de parte da sociedade e anular críticas infundadas sobre o setor, que pode fazer a diferença na luta contra o aquecimento global.

Diante disso, a preocupação sobre a geração de créditos de carbono de qualidade na Amazônia deve começar já na regularidade fundiária. Um rigoroso processo de due diligence investiga o histórico da propriedade candidata a receber um projeto até o momento do destaque daquela terra da União. No Brasil, em empresas que trabalham com seriedade, grande parte das áreas candidatas a um projeto para geração de créditos de carbono já é desclassificada nessa etapa.

Nada que possa colocar em risco a credibilidade do crédito gerado pode ser tolerado por empresas sérias que atuam no setor. Todo o desenvolvimento de projetos deve ser submetido a uma série de rigorosas verificações de qualidade, abrangendo uma ampla gama de aspectos, incluindo análises cruzadas que envolvam stakeholders externos na avaliação, que devem ter notas de corte muito altas como forma de afastar qualquer tolerância com o mal feito.

Outro ponto de suma importância é o desenvolvimento de uma linha de base fidedigna e estruturada sobre modelos matemáticos e metodologias acadêmicas consolidadas na comunidade científica. Linha de base é a projeção de desmatamento em área de projeto tendo como referência uma região com a mesma pressão por desmate, mas que não recebe ações de mitigação. Ela deve estar submetida a dados de geomonitoramento coordenados por instituições nacionais e internacionais de respeito, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), MAPBIOMAS, a própria Agência Espacial dos Estados Unidos (NASA), Agência Espacial Europeia (ESA), o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), além de outras fontes nacionais e internacionais.

É fundamental a adoção de critérios conservadores em projetos e o uso de modelagem de verificações cruzadas para evitar completamente a inflação básica das projeções da linha de base. Devem ser acompanhados de inventários de biomassa que atestam a quantidade de carbono estocada naquela área e validados dentro de todos requisitos dos órgãos de auditagem.

Aliás, rastrear e monitorar os dados coletados em campo é um desafio para todos que ousam desafiar a complexidade intrínseca da floresta Amazônica. A tecnologia avança todos os dias em nosso favor, com diversas ferramentas que permitem a gestão de informações relacionadas a alertas de queimadas e desmatamento, além de mapeamento da biodiversidade e proteção às comunidades impactadas por projetos. Os dados das atividades realizadas com as comunidades e das espécies de fauna e flora mapeadas, por exemplo, podem ser atualizados em tempo real por aplicativos usados pelos profissionais do campo e por membros das próprias comunidades beneficiadas.

Todas essas medidas visam garantir que os créditos tenham, de fato, cumprido o que representam: menos GEE na atmosfera. É fato que existem casos de falta de integridade em alguns projetos REDD+ ao redor do mundo, mas situações pontuais não podem comprometer todo o mercado. Aliás, a Aliança Brasil NBS, uma parceria de 27 empresas desenvolvedoras de projetos que, juntas foram responsáveis por mais de 70% dos créditos brasileiros emitidos desde 2022, já sugeriu melhorias nos processos de 29 projetos abertos à consulta pública no Verra, uma das principais certificadoras do planeta, para reforçar a qualidade dos créditos gerados.

Acusar um mercado inteiro por falhas evitáveis é colocar em risco a credibilidade de uma das mais promissoras medidas de combate às mudanças climáticas e de apoio às comunidades tradicionais da Amazônia e outros biomas.

O compromisso do mercado de carbono com a integridade só tende a crescer porque ela é o cerne do nosso negócio. Isso se fará com mais tecnologia, mais governança e conhecimento crescente. As mudanças climáticas já estão ao nosso redor. Críticas produtivas que nos ajudem a avançar a um futuro mais acolhedor para nós e nossos filhos são sempre bem-vindas. Mas ataques infundados que nada agregam ao debate nos fazem perder um tempo que não temos.

*Janaína Dallan é engenheira florestal, membro do time de especialistas da ONU para Mudanças Climáticas (UNFCCC/RIT) e presidente da Aliança Brasil para Soluções Baseadas na Natureza. Faz parte do painel de experts para o Integrity Council for Voluntary Carbon Markets e é membro do stakeholder forum do VCMI (Voluntary Carbon Market Integrity).

Texto: Um só Planeta