Em entrevista à EXAME, o presidente da Qualcomm América Latina explicou como a empresa mira em uma abordagem que combina processamento local e em nuvem para IA. O objetivo: levar ferramentas como o ChatGPT para rodar direto do bolso do usuário
Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm América Latina, tem acompanhado do centro os avanços da inteligência artificial (IA) na operação da empresa que fabrica 44% dos processadores embarcados em smartphones mundo afora.
Do ponto de vista dos negócios da companhia, seus chips se tornarão o ponto central dessa transformação quando a IA for levada ao bolso dos consumidores e executada ao lado de todas as outras tarefas que os processadores Snapdragon hoje são responsáveis.
Recentemente, um dos marcos mais notáveis em direção à ‘IA powered by Qualcomm’ foi o lançamento do Snapdragon 8 Gen 3, processador que representa passos substanciais em termos de desempenho rodando modelos de linguagem como o ChatGPT.
Este chipset não só melhora a execução de IA em até 3,5 vezes em comparação com seu antecessor, mas também traz aprimoramentos na GPU Adreno, oferecendo um aumento de desempenho de 25%.
Em entrevista à EXAME, o executivo discutiu a visão da Qualcomm para a IA híbrida, uma abordagem que combina processamento local com processamento na nuvem. Essa estratégia é uma resposta direta aos desafios de custo e sustentabilidade, com o objetivo de reduzir a dependência de processamento na nuvem para economizar energia e reduzir custos operacionais.
Além disso, Tonisi enfatizou a importância da privacidade dos dados, garantindo que as informações permaneçam sob a tutela dos usuários.
Confira os principais trechos da conversa:
Em que momento no desenvolvimento de hardware para IA a Qualcomm se encontra?
A Qualcomm está moldando ativamente o futuro da IA. Nosso plano é introduzir a “IA de bolso”, que promete elevar nossa compreensão e uso da IA generativa. Ainda assim, estamos estendendo o alcance da IA para além dos smartphones, abrangendo computadores e dispositivos IoT. A inteligência artificial híbrida é o nosso objetivo, combinando processamento local e em nuvem.
E qual a importância de uma abordagem híbrida?
Quando usamos o ChatGPT em nossos celulares, geralmente acessamos um emulador que nos conecta à internet. Na prática, a maioria das ações que realizamos hoje em dia ocorre online. Cada vez que digitamos uma palavra no ChatGPT, o algoritmo completo do sistema é acionado. O ChatGPT 4, por exemplo, opera com cerca de um trilhão de parâmetros. Isso significa que para processar cada palavra, o modelo precisa considerar milhões de outras palavras. Esse processo, conhecido como modelo de linguagem de grande escala (LLM), é extremamente custoso em termos de recursos computacionais. Se compararmos com buscas tradicionais na internet, como as realizadas no Google, o custo de processamento de uma busca no ChatGPT ou em sistemas semelhantes como o Bard é aproximadamente sete vezes maior.
Então trazer a IA para o bolso é essencial para que as empresas de tecnologia mantenham suas metas ESG?
Certamente. Além do custo financeiro, há também um impacto significativo em termos de sustentabilidade. O consumo de energia para realizar essas buscas avançadas é muito maior do que o consumo em buscas convencionais na web. Se todos os usuários de internet passassem a usar exclusivamente sistemas como o ChatGPT para suas buscas, enfrentaríamos uma crise de energia elétrica global. Este cenário nos leva a refletir sobre desafios que a indústria tecnológica precisa abordar, como a sustentabilidade, os custos operacionais e questões de privacidade. No futuro, com a IA sendo integrada em mais dispositivos, será essencial considerar onde os dados estão armazenados e como as aplicações estão sendo processadas, visando a eficiência e a proteção da privacidade do usuário.
Essa visão de IA móvel era previsível antes da popularização de tecnologias como o ChatGPT?
Sim, nossa visão certamente precedeu a tendência atual. Por exemplo, no setor automotivo, a independência é crucial. Imagine a situação: se um carro autônomo precisasse estar constantemente conectado à rede, qualquer interrupção ou falha na conexão poderia causar problemas sérios. O mesmo vale para robôs e drones, que também devem ser capazes de operar de forma autônoma, sem depender de uma conexão constante. Por exemplo, no caso de um drone usado no agronegócio, ele precisa ser capaz de navegar de um ponto a outro enfrentando desafios como mudanças climáticas e obstáculos inesperados. Essas decisões devem ser tomadas instantaneamente, o que só é possível com uma IA embutida e autônoma.
O que é palpável para o usuário comum nesse instante?
Nossa abordagem atual é transformar a IA generativa em uma experiência prática e útil para o usuário. Já estamos utilizando IA em muitos dispositivos, incluindo smartphones. Por exemplo, ao tirar uma foto de alta resolução, o telefone na verdade tira várias fotos e seleciona as melhores. A IA processa essas imagens e cria uma foto final que é uma combinação das melhores partes de cada uma. Isso mostra como a IA já está mais integrada em nosso dia a dia do que muitas pessoas percebem, sendo uma parte crucial dos dispositivos que usamos, como os processadores dos smartphones.
E no meio dessas mudanças, como a Qualcomm aborda as discussões sobre privacidade e regulamentação da IA?
A União Europeia e os Estados Unidos estão ativamente envolvidos nas discussões sobre a regulamentação e o controle da inteligência artificial, com os EUA incentivando uma autorregulação por parte das empresas. A Qualcomm, por exemplo, vê a importância de participar dessas discussões, especialmente no que diz respeito ao controle de dados dentro de dispositivos como smartphones. Já é um avanço significativo ter esse controle de dados no próprio dispositivo. Regular novas tecnologias é um aspecto intrínseco da natureza humana; buscamos controlar e entender o que criamos. É importante manter um debate cuidadoso para evitar cair em armadilhas ou equívocos, como a ideia de que a IA possa substituir completamente os empregos humanos. Na verdade, a IA pode ser comparada à introdução de tecnologias anteriores, como a calculadora e o computador. A questão da regulamentação é complexa e extensa, assim como foi com a internet desde a sua introdução nos anos 90. Até hoje, continuamos a discutir e adaptar as regras de uso e compartilhamento na internet. Um ponto importante a considerar sobre a IA é que, embora seja capaz de tomar decisões, ela não cria dados por conta própria. A IA opera com base em dados existentes, processando informações já disponíveis para chegar a conclusões ou realizar ações.
E o que te preocupa no meio disso tudo?
Não há nada a temer sobre a IA. Eu sempre digo que os humanos estão mais no controle agora do que nunca. A IA é apenas uma máquina operando com base em algoritmos e toma decisões com base nas diretrizes que nós, humanos, estabelecemos. Não estamos criando um ser humano; os seres humanos são sempre os que tomam as decisões finais. Quanto às oportunidades para o Brasil com a IA, podemos olhar para o sucesso recente em tecnologias como as fintechs. O Brasil se destacou no desenvolvimento da propriedade intelectual, segurança e controle de dados, além da verificação de identidade. Há um grande potencial para a IA impulsionar ainda mais esses setores.
Texto: André Lopes