Produtores americanos buscam novos cultivos dos principais ingredientes da bebida, para manter a indústria resiliente e diminuir a dependência de insumos da Europa, em meio a ondas de calor intenso
O impacto da mudança climática causada pelas atividades humanas é amplo, e já afeta, entre outros setores, a produção de alimentos, mudando microclimas e alterando a disponibilidade de água, além de afetar insetos polinizadores. Mas, além de legumes e frutas, uma bebida muito apreciada mundo afora também sofre com a instabilidade no campo: a cerveja.
Feita a partir de lúpulo e cevada, a cerveja é um produto ligado ao que acontece nas lavouras destes dois insumos. Nos Estados Unidos (EUA), agricultores especialistas nestas culturas já discutem inovações para driblar a falta d’água e as temperaturas anormais (calor, principalmente) que afetam e devem afetar ainda mais o rendimento das colheitas daqui para frente.
“Será cada vez mais difícil para os produtores fornecer novas variedades de cevada e novas variedades de lúpulo que possam enfrentar, justamente, todos os terrores do processo de alterações climáticas”, afirma Patrick Hayes, professor da Oregon State University, em entrevista à agência AP. “E digo terrores porque… É essa volatilidade que é tão, tão assustadora.”
Uma das adaptações em curso é a variação dos cultivos de cevada, normalmente colhida na primavera, para uma nova opção, plantada no outono e colhida no inverno. A resiliência da produção de insumos nos Estados Unidos é crucial para manter a produção de cerveja no país. Cervejarias que importam lúpulo alemão, por exemplo, agora tentam replicar os mesmos sabores usando novas variedades americanas, pois a disponibilidade do insumo europeu vem sendo afetada por verões quentes e secos no Velho Continente.
Pesquisadores já sabem há algum tempo que a produção de cerveja será afetada pela mudança climática, afirma Mirek Trnka, professor do Global Change Research Institute. Ele e a sua equipe publicaram recentemente um estudo que modela o efeito das alterações climáticas no lúpulo, publicado no mês passado na revista científica Nature Communications, que projeta que a produção na Europa deve diminuir entre 4% a 18% até 2050.
No entanto, a irregularidade do clima é global, e nos EUA produtores de lúpulo e cevada registram colheitas afetadas pelo calor extremo, pela seca e por estações de cultivo imprevisíveis. “Se não agirmos, perderemos também coisas que consideramos não serem, por exemplo, sensíveis ou relacionadas com as alterações climáticas. Como cerveja”, afirma Trnka.
Os EUA têm hoje programas de cevada de inverno em quase todos os estados do país, segundo Ashley McFarland, vice-presidente e diretora técnico da American Malting Barley Association. Ela afirma não crer que a cevada de inverno algum dia será a totalidade da colheita americana, mas diz que os produtores terão de diversificar os seus riscos para serem mais resilientes aos choques climáticos.
Enquanto produtores buscam novas maneiras de manter a indústria da cerveja com tanques cheios, é certo que os preços devem subir, junto com praticamente todos os alimentos. E ainda, a pressão do clima deve mudar a tradicional “gelada” por dentro, com novas fontes de cevada e lúpulo, mudanças de cultura e preferência por fornecedores locais. Novos panoramas que certamente os amantes desta bebida acompanharão gole por gole.
Fonte: Um só Planeta