Segundo especialista, muitos eventos e iniciativas funcionam menos como ação efetiva e mais como palco para as empresas discursarem que fazem algo voltado à inovação
A inovação não é uma lógica simples pautada em passos iguais para todas as companhias. Reconhecer sua importância e tentar seguir tendências para desenvolver soluções, realizar eventos para se aproximar das startups ou criar uma área focada no tema podem fazer com que a empresa se perca no meio do caminho se os objetivos não estiverem bem traçados e alinhados à medição de resultados e ao envolvimento da alta gestão. É justamente aí que muitas têm deslizado.
“Vejo um pouco de ‘oba oba’ e pouca efetividade”, diz o ex-evangelista da IBM Cezar Taurion, CSO da RedCore, que atua com consultoria estratégica de IA e P&D. Para ele, os conhecidos Innovation Days, por exemplo, têm funcionado mais como palco para a organização discursar que faz algo voltado à inovação, seja para os colaboradores ou demais stakeholders, do que ação efetiva. É a expressão do receio em um mercado cada vez mais competitivo e sedento por mudanças, o Fear of Missing out (FOMO), que significa “medo de ficar por fora”. Para não se perderem no trajeto, as organizações devem olhar para dentro e começar a mensurar o que chamam de inovação, até mesmo para ver se ela existe ou é um sonho distante.
Não à toa, o levantamento Innovation Index, realizado pela Dell Brasil em parceria com a Vanson Bourne com mais de 6 mil líderes de negócios e TI em cerca de 45 países, sendo 300 deles no Brasil, mostra que 97% das companhias por aqui reconhecem o valor de inovar – contra a média global de 86% –, e 83% classificaram suas organizações como inovadoras. No entanto, segundo a pesquisa, só 5% delas estão na categoria mais alta e são, realmente, avançadas no tema. Quase a maioria (42%) estão na classe de “avaliadores da inovação”, ou seja, demonstram preocupação com o assunto, mas ainda estão no processo de construção de planejamentos iniciais.
O primeiro passo, explica Taurion, é identificar qual o objetivo do projeto de inovação para, assim, conseguir mensurar o retorno. “Qual o reflexo da iniciativa? Foi medido o que era feito antes para identificar os resultados obtidos? O ponteiro do ‘bottom line’ da empresa mexeu? Ela ficou mais eficiente? Está lucrando mais?”, exemplifica. Tão importante quanto isso é estabelecer metas, como a porcentagem desejada do faturamento oriunda de novos produtos ou serviços. “A conclusão a que cheguei conversando com as empresas é que há projetos bem estruturados, claro, mas a maioria faz por que tem que fazer, sem nenhum preparo nem objetivos e medição corretos. Dessa forma, nem adianta investir”, ressalta.
O consultor da HSM Thiago Tossi, professor da FGV nas disciplinas empreendedorismo, inovação e economia empresarial, tem a mesma impressão. “Inúmeras empresas e executivos, ao inovar, não sabem o que querem medir e, no ímpeto de fazer as coisas acontecerem, iniciam o processo de inovação sem KPIs claros. Depois, quando querem quantificar os resultados, não conseguem por falta desses parâmetros desde o começo”.
Falta preparo
De maneira geral, o que acontece é que muitas empresas não estão preparadas para a inovação. Não há, por exemplo, conhecimento de ambidestria organizacional, como explica Tossi. “Querem inovar, mas sequer sabem como iniciar o processo, algo semelhante a entrar num jogo sem conhecer o time adversário nem as regras”, afirma.
Isso acontece por algumas razões. A primeira, segundo o executivo, é que algumas companhias não possuem processos de gestão da inovação por conta do desalinhamento estratégico, principalmente quando a empresa é muito verticalizada e trabalha em silos.
O segundo é o fato de que inovar é algo moroso e os resultados não são imediatos, fazendo com que os negócios percam isso de vista no médio e longo prazos. “Se os líderes estão extremamente obcecados pelo retorno a curto prazo, podem acabar matando a cultura da inovação”, diz Victor Loureiro Lima, líder de inovação da Accenture da América Latina. Da mesma forma que, se não existe tolerância ao erro e abertura ao diálogo, nada feito. Será muito mais difícil estabelecer e nutrir uma cultura genuinamente inovadora sem o compromisso e apoio da alta gestão.
Nesse sentido, é vital estabelecer governança e processos sistemáticos com o CEO envolvido, pois é ele que traz visibilidade e transparência para as iniciativas de inovação, resultados e investimentos. “Mas o que vejo são as empresas criando áreas de inovação, CVCs ou eventos nos quais o presidente aparece apenas no primeiro dia e, depois, não insiste nas discussões do Conselho para saber o que foi gerado com as iniciativas”, ressalta Taurion. Assim como em muitos setores de inovação, o líder da área não conversa periodicamente com o CEO.
A intangibilidade da inovação é outro ponto. “Alguns aspectos são mais difíceis de mensurar, como a atração e retenção de talentos, a melhora na reputação da marca, o aumento da colaboração e as indicações feitas pelo consumidor”, explica Lima. Quando a Accenture se associou ao Cubo, em 2015, percebeu com os anos que, entre os resultados, estavam os intangíveis, como a conexão com novos negócios e o aprendizado cultural de vários líderes que desenvolveram a habilidade de atuar em um novo modelo de trabalho e com uma forma de pensar diferente.
Investimento sob controle
Veja oito passos importantes para mensurar o retorno das iniciativas de inovação
- Defina objetivos claros
É fundamental entender o que a empresa quer alcançar. Além disso, os objetivos devem ser específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo definido, conhecidos como metas Smart. - Estabeleça métricas relevantes
Elas podem ser financeiras, como Retorno sobre o Investimento (ROI), payback, market share, custos de desenvolvimento e manutenção ou de aquisição de clientes (o famoso CAC), Lifetime Value (LTV) que ajuda a entender o retorno a longo prazo gerado por esses clientes, taxa de conversão e Net Promoter Score (NPS). - Colete os dados
É importante implementar um sistema que permita coletar as informações, incluindo feedback dos clientes, métricas de desempenho de produtos e análise de concorrência. - Use a tecnologia
A utilização de softwares ajuda a coletar, organizar e analisar os dados de forma mais eficaz. Se o negócio da empresa exigir coleta de informações por meio de equipamentos, o uso de hardware de última geração é mandatório. - Trabalhe com IA
A tecnologia propicia insights valiosos ao negócio, assim como modelos preditivos. - Realize avaliações periódicas
Isso permite ajustar estratégias e alocação de recursos ao longo da jornada. - Seja flexível
Haverá mudanças, por isso, é fundamental se preparar para ajustar as métricas e estratégias de mensuração à medida que a empresa avança na inovação e o ambiente de negócios muda. - Compartilhe os resultados
Comunicar os avanços e retornos da inovação a todas as áreas ajuda a criar transparência e confiança.
Fonte: Thiago Tossi, consultor da HSM, professor da FGV nas matérias de empreendedorismo e inovação e economia empresarial