sexta-feira,22 novembro, 2024

Gestão da água será uma das maiores tendências alimentares em 2024

O uso do recurso hídrico na agricultura para produção de alimentos entra fortemente na agenda de empresas como Unilever, Nestlé, McDonald’s, Danone e General Mills

A indústria agroalimentar global — avaliada em US$ 6 trilhões (R$ 29,7 trilhões na cotação atual) — é uma das mais expostas aos riscos hídricos, com o estresse provocado pela falta d’água afetando muitos dos maiores países exportadores de alimentos do mundo.

Paradoxalmente, apesar dos perigos crescentes para a segurança alimentar e hídrica decorrentes do esgotamento da água, da poluição e das secas induzidas pelo clima, o setor alimentar e do agronegócio é considerado um dos principais contribuintes para esse cenário, sendo responsável por 70% da captação de água doce. Não é de causar espanto, portanto, que a gestão da água se torne uma das principais tendências alimentares para 2024, de acordo com os insights do Whole Foods Trends Council, publicado em outubro pela rede varejista dos EUA.

Com o tema “Água é Vida, Água é Alimento. Não deixe ninguém para trás”, o Dia Mundial da Alimentação das Nações Unidas de 2023 enfatizou o papel crítico da água no apoio à vida e na sua relação interligada com os alimentos. Numa mensagem de vídeo transmitida em 16 de outubro, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Antonio Guterres, disse que “a gestão sustentável da água para a agricultura e a produção de alimentos é essencial para acabar com a fome, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a sua preservação para as gerações futuras”.

A gestão consciente e sustentável dos recursos hídricos, centrada na utilização equitativa, ambientalmente responsável e eficiente deste recurso vital, é urgentemente necessária – agora mais do que nunca. Muitas marcas do setor alimentício estão se envolvendo na gestão da água, em busca de posicionamento sobre essa questão no próximo ano.

Extração de água de fontes não convencionais
Várias marcas de água têm extraído a bebida de fontes alternativas, como ar e subprodutos de frutas. A extração de água de subprodutos vegetais não só reduz o consumo de água, mas também ajuda a reduzir o desperdício de alimentos. Aqua Botanical, marca australiana, afirma ser capaz de extrair 600 litros de água de uma tonelada de cenoura e que de outra forma seria desperdiçada. Usando tecnologia patenteada para coletar o líquido aquoso encontrado em frutas e vegetais, a Aqua Botanical cria água limpa e filtrada contendo 74 minerais vegetais. O vapor de água presente na atmosfera representa outra fonte valiosa de água doce. Nos Emirados Árabes Unidos, a água Hawa filtrada e mineralizada é proveniente da umidade do ar.

No Brasil, a água produzida na Amazon Air Water vem de árvores da floresta amazônica. Uma garrafa de 750 mililitros é vendida no varejo dos EUA por US$ 83 (R$ 412), e os lucros são empregados ​​em projetos de desenvolvimento sustentável.

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No Brasil, a água na Amazon Air Water é extraída de árvores da Amazônia e cada garrafa é vendida nos EUA por US$ 83

Agricultura sustentável e regenerativa
De acordo com a S&P Global, cerca de metade das empresas de alimentos e bebidas em nível mundial assumiram compromissos públicos com a agricultura sustentável e regenerativa, com 85% empregando programas para reduzir o consumo de água.

A agricultura regenerativa desempenha um papel fundamental na melhoria da saúde do solo, facilitando a retenção de nutrientes, reforçando a resiliência natural aos desafios ambientais e mitigação da erosão. Isto contribui para a conservação dos recursos hídricos e para a melhoria da qualidade da água dos ecossistemas, reduzindo o volume de água necessário para as atividades agrícolas e diminuindo o escoamento prejudicial de água e nutrientes das terras agrícolas.

Em setembro deste ano, a Plataforma SAI, uma rede que compreende 170 grandes empresas alimentares dedicadas à sustentabilidade, revelou um quadro global que delineia a transição para a agricultura regenerativa para as empresas alimentares. Muitas marcas alimentares tradicionais, como Unilever, Nestlé, McDonald’s, Danone e General Mills, já comprometeram o seu apoio à agricultura regenerativa.

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Unilever, Nestlé, McDonald’s, Danone e General Mills, se comprometeram em apoiar a agricultura regenerativa

Restaurantes com fazendas urbanas
Globalmente, muitos restaurantes com conceito “da fazenda à mesa” estão se voltando para fazendas urbanas locais, sustentáveis, baseadas no uso de bioinsumos e em circuitos fechados. O design de circuito fechado da aquaponia faz circular a água entre um aquário e canteiros de plantas, com elas se beneficiando dos nutrientes fornecidos pelos resíduos dos peixes, enquanto a aeroponia fornece nutrientes às raízes das plantas por meio de uma névoa fina, minimizando assim o uso de água.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a fazenda vertical urbana aeropônica do restaurante Gather in Omaha, no estado de Nebraska, produz 1.600 quilos de folhas verdes e ervas cultivadas a cada ano, exigindo 95% menos água do que a agricultura convencional, enquanto a rede de fusão asiática Balance Grille, com sede em Ohio, obtém seus ingredientes de sua própria fazenda aquapônica vertical de 800 metros quadrados.

Em Haoma, na Tailândia, a primeira fazenda urbana e restaurante com desperdício zero produz ervas, legumes e hortaliças em uma estrutura própria. O restaurante-fazenda afirma que conserva mais de 150 mil litros de água da chuva por ano, que utiliza em sua fazenda aquaponia para o cultivo de hortaliças, e recicla usando sistemas de filtragem de água Nordaq para seus clientes consumirem como água com e sem gás.

Cultivo de ostras, moluscos e mexilhões
Ostras, amêijoas (várias espécies de moluscos) e mexilhões (também conhecidos como bivalves) são “filtradores” estacionários que não dependem de alimentação externa, mas se sustentam alimentando-se de plâncton e outros pequenos organismos encontrados naturalmente na água. Estes moluscos quase não utilizam terra ou água doce, ao mesmo tempo que desempenham um papel crucial na melhoria da qualidade da água, filtrando os nutrientes excedentes, que têm a capacidade de sequestrar carbono nas suas conchas, tornando-os uma ferramenta potencialmente valiosa na tarefa contra as alterações climáticas.

De acordo com um estudo recente financiado pela Sea Grant, programa da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do Departamento de Comércio dos EUA, se os norte-americanos substituíssem 10% do seu consumo de carne por ostras, isso resultaria numa poupança de gases de efeito de estufa equivalente ao impacto ambiental da remoção de quase 11 milhões de carros das estradas.

Marcas avançam em mercados alternativos
A escolha alimentar tem um impacto significativo na pegada hídrica, com a pecuária apresentando uma pegada significativamente maior do que vegetais, grãos ou leguminosas, por quilo. As marcas alimentares estão reduzindo a sua pegada hídrica ao adotarem uma abordagem “plant-forward” – mudando o seu foco para ofertas à base de plantas ou ricas em plantas. Exemplos são a Hope and Sesame, que fabrica bebidas à base de sementes de gergelim, e a Yoplait, que lançou uma linha de produtos Yoplait Oui feita de creme de coco.

(Nota da redação: a média global para produção de um quilo de carne bovina é de 15,4 mil litros de água. No Brasil, a Embrapa vem estudando a pegada hídrica do boi e fez um experimento em confinamento. No cálculo foi considerada a somatória da pegada azul − água que os animais beberam, do processamento dos alimentos da ração e da embutida no produto − e da pegada verde que registram a precipitação diária, produtividade da cultura vegetal e a evapotranspiração do boi na fazenda. A média da pegada hídrica foi de 5.718 litros por quilo de carne, com uma variação de 1.935 a 9.673 litros/kg. A pegada azul representou 15% desse valor, e a verde, 85%.)

Melhorar a eficiência hídrica
Nos últimos anos, a eficiência no uso da água nas operações têm estado na vanguarda das estratégias de sustentabilidade das marcas de alimentos. No Fairmont Marina Bay, em Cingapura, os restaurantes usam máquinas de lavar louças especiais em áreas de alta demanda, ajudando-os a preservar impressionantes 1,7 milhão de litros de água em 2022. Na mesma linha, a Starbucks embarcou em sua própria jornada de conservação de água em janeiro de 2020, comprometendo-se a reabastecer ou salvaguardar uma parte substancial da água utilizada na produção de café verde como uma faceta crucial da sua estratégia hídrica de longo prazo.

Pegada hídrica em marketing
De acordo com um estudo publicado na revista Environmental Science and Pollution Research, a crescente consciência e compromisso entre os consumidores em apoiar práticas ambientalmente responsáveis ​​torna a sustentabilidade da água um argumento de venda atraente para as empresas. E várias empresas do setor alimentar já começaram a seguir a tendência.

Em parceria com o Swiss Eaternity Institute, a marca alimentar alemã Veganz começou a apresentar as suas próprias declarações de equilíbrio ecológico nas embalagens de parte de seus produtos, enquanto a marca de substitutos de carne, Quorn, comercializa a sua baixa pegada hídrica no seu website e redes. Uma das postagens de Quorn nas redes sociais faz uma provocação: “Você sabia que a pegada hídrica da produção da microproteína Quorn é 30 vezes menor do que a produção de carne bovina? Saboroso e bom para o planeta.” O Quorn Net Positive Report (2022) afirma que a Quorn reduziu o uso de água por tonelada de produto em 36%.

De acordo com Save the Water (2019), são necessários aproximadamente 25.000 litros de água para cultivar e fabricar alimentos suficientes para um dia de uma família de quatro pessoas, contribuindo assim para o rápido esgotamento dos limitados recursos hídricos. A crescente escassez de água representa uma ameaça significativa à produção global de alimentos e bebidas e, como resultado, as marcas de alimentos e bebidas continuarão a sofrer uma pressão considerável para adotarem a gestão da água e contribuírem para práticas de produção alimentar mais sustentáveis ​​e responsáveis ​​nos meses e anos seguintes.

*Daphne Ewing-Chow é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre alimentação e agricultura, alterações climáticas, saúde humana e desenvolvimento econômico.

Texto: Forbes Agro

Redação
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