sexta-feira,22 novembro, 2024

Árvores centenárias recontam histórias da evolução da Mata Atlântica

Dados de pesquisador da PUC-Rio indicam que replantio do Maciço da Tijuca pode ter começado pelas Paineiras vinte anos antes do imaginado

As matas das Paineiras, junto às ruínas da casa de um misterioso carioca, guardam um tesouro em tempos de mudanças climáticas. O cenário composto por grandes árvores e vestígios de moradias centenários parece saído do realismo fantástico e revela momentos desconhecidos da história do Rio de Janeiro e da Mata Atlântica. Estão ali as primeiras e ainda mais antigas tentativas de restauração das florestas que hoje compõem o Parque Nacional da Tijuca (PNT). E também registros inéditos de secas, tempestades, dias de frio e calor intensos. Informações do passado que podem ajudar a prever o futuro.

As descobertas fazem parte da pesquisa do professor do Departamento de Biologia da PUC-Rio Gabriel Sales, estudioso da história da Floresta da Tijuca. Em seu doutorado, Sales detalhou como foi restaurada a Floresta da Tijuca ao longo da segunda metade do século XIX. Este ano, num desdobramento de seu trabalho, ele identificou que o replantio do Maciço da Tijuca pode não ter começado com o Major Manoel Gomes Archer, a partir de 1861. E, sim, na Floresta das Paineiras, junto à nascente do Rio Carioca, duas décadas antes.

— O plantio na Floresta das Paineiras começou na década de 1840. Na Floresta da Tijuca, foi na década de 1860 (ambas estão no Parque Nacional da Tijuca). Entender a evolução da Mata Atlântica ali é uma aula de restauração, ensina o que funciona para recuperar o bioma mais devastado do Brasil — diz Sales.

Datadas pela primeira vez agora, as árvores das Paineiras preservam em seus troncos testemunhos do clima do Rio de Janeiro antes da industrialização e da poluição. A madeira registrou as idas e vindas do tempo em anéis de crescimento, que pesquisadores aprenderam a decifrar e podem servir de guia para estudos sobre o que esperar do clima, cada vez mais extremo. São dados preciosos para a metrópole que carece de séries meteorológicas antigas e consistentes.

Os registros analisados no estudo não estão nas próprias paineiras, mas em cedros plantados, possivelmente, a mando do primeiro administrador da floresta: Thomaz Nogueira da Gama.

Sales afirma que o cedro mais antigo da Floresta das Paineiras tem 169 anos e cerca de 30 metros de altura. Já o mais antigo da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista, plantado pelo Major Archer, tem 154 anos. Cerca de 50 árvores foram datadas nas Paineiras. Seguem linhas na mata e mostram nitidamente que seu plantio foi organizado.

Semente de cedro, exemplar usado em estudo desenvolvido pelo departamento de Biologia da PUC-Rio. — Foto: Márcia Folleto/Agência O Globo
Semente de cedro, exemplar usado em estudo desenvolvido pelo departamento de Biologia da PUC-Rio. — Foto: Márcia Folleto/Agência O Globo

Cedros guiam estudo

Existem árvores mais antigas, anteriores a tentativas de replantio, mas os cientistas focam neste momento nas iniciativas de restauração do Maciço da Tijuca, do qual a Serra da Carioca, onde estão as Paineiras, faz parte. São informações fundamentais para saber como e em que ritmo a Mata Atlântica se recupera.

Gabriel Sales diz que Nogueira da Gama relatou ter ordenado o plantio de mudas de diversas árvores de madeiras valorizadas, como cedro, urucurana, catucanhém, peroba, ubapeba-sapucaia, merindiba-roxa e jacarandá. Uma série de documentos encontrados por Sales conta a saga da Floresta das Paineiras. Os cedros foram escolhidos para o estudo porque seu padrão de crescimento é bem conhecido pelos cientistas, explica Cátia Callado, chefe do Laboratório de Anatomia Vegetal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Cátia frisa que até há bem pouco tempo se considerava impossível datar os anéis de crescimento das árvores dos trópicos, onde as estações do ano não são tão bem definidas quanto em regiões temperadas. Não há inverno bem marcado, mas eventos como calor intenso, chuva torrencial e seca severa ditam o ritmo de crescimento das árvores.

— As árvores escrevem um diário. A gente só precisa saber ler — diz Raphaella Moreira Pierre, que integra o laboratório de Cátia Callado e tem datado as árvores das Paineiras.

Sales observa que Nogueira da Gama foi tão esquecido quanto a floresta que ajudou a proteger e restaurar. Uma das hipóteses é que tenha morado na chamada Casa do Carioca: as paredes ainda resistem ao tempo na construção do século XIX, mas o limo as tornou verdes. O teto deu lugar às copas de cedros, jequitibás e outras árvores. O piso se foi. Há apenas um buraco escuro, onde o chão da floresta é composto por um emaranhado intransponível de raízes.

Outras hipóteses são de que a casa tenha sido uma antiga fazenda ou construída para a estação da estrada de ferro do Corcovado.

A casa está no início de uma trilha menos frequentada da floresta, que começa um pouco antes do Centro de Visitantes. A entrada é quase oculta por uma barafunda de lixo e guimbas de cigarros jogados ali, principalmente, por motoristas que fazem ponto para levar turistas até o Cristo Redentor. Passada a lixeira, chega-se a uma antiga canalização, por onde o Rio Carioca corre limpo. Atravessado o rio, a trilha leva a um mirante abandonado e a uma viagem no tempo.

Conservação foi desafiada

Já às voltas com a escassez de água, o governo imperial, no período de 1843-1847, tomou medidas para conservar as florestas do Maciço da Tijuca.

— Entre elas se destacam os primeiros plantios para recuperar áreas degradadas, próximos ao Rio Carioca. Foram as experiências silviculturais inaugurais empreendidas no Rio e possivelmente no Brasil — ressalta Sales.

Ele diz que uma série de “políticas públicas ambientais” foi implementada devido ao problemático abastecimento hídrico da cidade do Rio. Uma delas foi um decreto que proibia o corte de árvores em todo o terreno que rodeasse as nascentes do Carioca. Na época, como agora, a conservação enfrentava obstáculos diários. Num relatório de 19 de janeiro de 1875, Nogueira da Gama diz que “não é coisa fácil conservar tão extensa floresta em bom estado”. O antigo administrador acabou perdido no tempo. Mas muitos dos cedros perseveraram.

— Os cedros são testemunhos vivos, com informações valiosas sobre o passado, assim como prognósticos futuros — frisa Sales.

A esperança é verde. Os cedros do Maciço da Tijuca ainda estão em plena juventude, ressalta Cátia Callado. Um século e meio não é nem meia vida para uma das espécies de gigantes que fazem da Mata Atlântica uma das florestas mais espetaculares da Terra.

— Eles ainda estão crescendo e renovando a vida na floresta — diz a cientista.

Texto: Um só Planeta

Redação
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