O maior mercado do mundo lançou um plano ousado para taxar carbono em suas fronteiras. O resto do mundo está prestando atenção

Com pouca fanfarra, a União Europeia inaugurou um grande experimento climático. No dia 1º de outubro, começou a fase inicial de uma política de taxação sobre bens importados válida para todo bloco. É a primeira vez no mundo que um imposto de fronteira sobre carbono é testado nessa escala, e o plano europeu poderia ter efeito cascata pelo globo: motivando indústrias mais poluentes a limparem sua produção e outros países a implementarem suas próprias versões da iniciativa. Talvez essa acabe sendo a mais importante política climática que você nunca ouviu falar.

“É um excelente exemplo de grande ambição no sentido regulatório”, diz Emily Lydgate, professora de lei ambiental da Universidade de Sussex. Nada que se aproxime ao escopo dessa empreitada aconteceu em nenhum outro lugar do planeta – apenas a Califórnia tem uma versão, ainda que muito limitada, de sua própria taxa contra carbono sobre importação de energia. “É muito novo lançar isso sobre um grande mercado. As perturbações dentro do sistema são enormes.”

Como isso funciona? O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês) é essencialmente um imposto de importação sobre produtos de emissão intensiva de carbono, como cimento, ferro, fertilizantes e eletricidade. Desde 2005, a UE impõe um preço sobre indústrias mais poluentes dentro do bloco, exigindo que manufaturas adquiram créditos que cubram o carbono emitido ou arrisquem multas pesadas. Negócios recebem uma certa quantidade de abonos, mas para emitirem mais carbono, precisam pagar cerca de 80 euros por tonelada métrica – é uma das maiores taxas sobre o poluente no mundo.

Você já deve ter percebido o problema desse sistema. A China, por exemplo, não aplica uma taxa de carbono sobre seu ferro, o que significa que ela pode ser privilegiada em detrimento da indústria europeia. E companhias dentro do bloco que procuram por bons negócios provavelmente vão atrás de países que ofereçam o ferro mais barato. O CBAM é uma tentativa de criar um cenário justo. Sob o novo regime, um importador do metal chinês vai ter que adquirir créditos carbono que correspondam à mesma taxa do ferro produzido na União Europeia. Esse é o cerne do CBAM – garantir que o carbono incluso em um produto de altas emissões seja precificado no mesmo patamar, não importa de onde ele venha.

“A UE está tentando exportar seu preço sobre o poluente para o resto do mundo”, diz Marcus Ferdinand, analista-chefe da consultoria Veyt, especializada no tema. Por enquanto, o mecanismo ainda está em um estágio de soft-launch. De outubro deste ano até dezembro de 2025, importadores de bens cobertos pela CBAM precisarão realizar a declaração das emissões relacionadas a esses produtos, mas não será necessário adquirir créditos carbono. A partir de 2026, no entanto, a compra de certificados CBAM para cobrir essa poluição será uma obrigatoriedade.

Mesmo esse momento de transição é coisa graúda, diz Lydgate. As novas regras vão se aplicar, de início, na importação de cimento, ferro, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Significa que todas essas

indústrias terão que começar a colocar na ponta do lápis suas emissões para garantirem que não estão desrespeitando o CBAM. “Só de ser o primeiro ator desse movimento, a UE vira o catalisador dessa grande qualificação de firmas pelo mundo na realização de algo que nunca precisaram cumprir de forma compulsória”, comenta Lydgate. Outros bens ligados a grandes emissões, como o petróleo cru, borracha sintética e outros metais, serão adicionados em uma versão futura do mecanismo.

É claro que a UE não está sendo completamente altruísta. Quando a Comissão Europeia propôs o imposto, ela se baseava em grande parte no temor de um “vazamento de carbono” – a ideia de que indústrias poluentes na região se mudariam para países de regulações ambientais menos exigentes – ou do produto europeu ser substituído por importados. A indústria metalúrgica europeia sentiu a pressão do custo do carbono por anos, segundo Adolfo Aiello, vice diretor geral da Associação Metalúrgica Europeia (Eurofer), ainda que seja cedo para dizer que a CBAM seja um passo puramente positivo para o setor. “Nesse momento não estamos nem otimistas, nem pessimistas, apenas agnósticos.”

O imposto de fronteira será um incentivo para outros países definirem seus próprios preços de carbono a partir do mercado de emissões europeu. Um dos elementos centrais do mecanismo é que esse valores não precisam ser pagos duas vezes: se uma metalúrgica é cobrada em seu próprio país, o importador europeu não precisa custear créditos adicionais. A ideia é incentivar governos fora do bloco a definirem políticas em seus próprios países para que possam colher os benefícios de taxar carbono, ao invés de deixar o dinheiro escapar para a UE. Claro, esses negócios também poderiam investir em formas mais limpas de produção para evitar esses custos. No momento, membros do bloco devem colocar ao menos metade da receita gerada por créditos carbono em planos pela redução de emissões e pela melhoria da resiliência climática.

Se tudo isso parece uma maneira meio precária de mudar os ponteiros da crise climática, bem, você está certo. O CBAM é um bom exemplo do ‘Efeito Bruxelas’ – termo criado por Anu Bradford, professor da Columbia Law, em 2012. Ele descreve a maneira súbita que a UE usa sua influência: definir novos padrões regulatórios que empurrem o resto do mundo a se manter no mesmo compasso. O CBAM é em grande parte sobre proteger a indústria europeia contra rebaixamentos de preços praticados por mercados estrangeiros, mas também vai motivar outros países a desenvolverem estruturas para a negociação de emissões no estilo europeu e descarbonizar indústrias poluentes.

Menos de um quarto da população mundial vive em lugares que precificam carbono, mas muitos desses mercados se limitam a algumas poucas atividades econômicas. A iniciativa da UE, por outro lado, cobre cerca de 45% das emissões totais de gases do efeito estufa no bloco.

“O que veremos é um potencial crescimento de outros mercados de carbono” diz Ferdinand. “Eles estarão mais visíveis, e a precificação de carbono também vai ganhar espaço na agenda política em lugares onde antes não havia tanta atenção dada ao assunto.”

Se ele funcionar como o previsto, o CBAM também deve ter como efeito de longo prazo um aumento na ambição ambiental de outros países. No momento, a UE entrega um grande volume de créditos carbono gratuitos para indústrias mais poluentes, mas esses benefícios devem diminuir aos poucos e deixar de existir até 2034. Reduzí-los deve manter o preço do carbono alto e incentivar empresas na Europa e em outros lugares a buscar meios de diminuir suas pegadas ambientais

Nem todo país está ansioso pela perspectiva do imposto. Em junho, o embaixador chinês da World Trade Organization (WTO) disse que o CBAM era “lamentável” e iria punir de forma desigual nações em desenvolvimento. Essa taxação pode colocar economias menos desenvolvidas em uma posição infeliz. Elas são responsáveis por uma fração pequena das emissões ao longo da história, mas geralmente têm indústrias de potencial poluente relativamente alto comparado a países mais ricos. Essencialmente, essas nações ficam em um patamar transacional muito desvantajoso, o que pode colocar a medida no alvo das normas da WTO, que ditam que comerciantes não devem discriminar diferentes parceiros vendendo o mesmo produto.

“É difícil imaginar uma defesa legal à toda prova”, diz Lydgate. Mas, uma vez que o mecanismo é tão amplo e novo, ninguém sabe exatamente seu impacto ou como outros países irão responder. “Em política, não se trata apenas do modelo, mas seu material e o desenho de suas medidas que o farão eficientes ou não”, diz Aiello. O imposto de fronteiras da UE pode levar a uma das mais importantes mudanças de paradigmas ambientais da década, mas sua importância – como sempre – estará nos detalhes.

Texto: Um só Planeta