Tecnologia de edição de genes tem o potencial de ajudar a erradicar a gripe aviária e outras grandes ameaças à oferta de alimentos
Uma pandemia recorde está em andamento, mas não tem recebido a atenção que merece, tendo em vista os prejuízos causados pelo vírus. O surto, neste caso, não é de Covid-19, e sim de uma variante agressiva da gripe aviária. Mas há evidências preliminares de que a CRISPR, uma técnica inovadora de edição de genes, pode ser a solução, criando galinhas geneticamente modificadas.
O atual surto de gripe aviária é grave. Ele já matou mais de 59 milhões de galinhas em 47 estados dos EUA, se espalhou para outros animais e causou estragos na cadeia de abastecimento de alimentos do país, fazendo com que os preços dos ovos disparassem no início do ano. A situação é tão grave que o governo Biden cogitou fazer uma campanha de vacinação em massa para as aves.
HÁ ARGUMENTOS EM FAVOR DA NECESSIDADE EMERGENCIAL DE SE TER UMA CADEIA ALIMENTAR COM ALTERAÇÃO GENÉTICA.
Maior exportador mundial de frango, o Brasil declarou emergência de saúde animal por causa da gripe aviária em maio, após confirmar vários casos em aves selvagens, embora não tenham sido relatados casos em aves domésticas ou em operações comerciais. Assim, o país continua classificado como livre da doença.
No entanto, centenas de focas e leões marinhos foram encontrados mortos ao longo do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, vitimados pela gripe aviária. Vários dos animais foram encontrados perto da fronteira do Brasil com o Uruguai, que também relatou recentemente centenas de casos semelhantes, assim como o Chile e a Argentina.
ALIMENTOS COM ALTERAÇÕES GENÉTICAS
O setor de ciências biológicas se mobilizou e, na semana passada, cientistas anunciaram um estudo em estágio inicial, publicado na revista “Nature“. Eles usaram com sucesso a edição de genes CRISPR, que poderia dar origem a galinhas que resistem – ou, pelo menos, sobrevivem – a determinadas cepas de gripe aviária graças a ajustes genéticos específicos.
É claro que há ressalvas no estudo mais recente sobre o CRISPR. Em primeiro lugar, as aves domésticas (assim como os seres humanos) são suscetíveis a infecções inesperadas. A exposição a altos níveis do vírus pode, potencialmente, driblar até mesmo as defesas geneticamente modificadas, permitindo que o vírus sofra mais mutações.
Mas essa crise recente e sua solução impulsionada pelo CRISPR é um estudo de caso significativo em uma questão muito maior: o argumento de alguns de que há uma necessidade emergencial de se ter uma cadeia alimentar com alteração genética.
Os organismos geneticamente modificados (OGMs) e a modificação genética em geral têm sido, historicamente, um tema polêmico, marcado por preocupações ecológicas e de segurança, como o escoamento tóxico de culturas resistentes a pesticidas ou a incerteza em relação às consequências de longo prazo para a saúde e os ecossistemas, caso os animais geneticamente alterados cruzem com animais selvagens.
São preocupações legítimas, expressas por muitos cientistas e agrônomos que pedem diligência e cautela na forma como o setor utiliza essa biotecnologia.
O MUNDO PRECISARÁ PRODUZIR PELO MENOS 50% A MAIS DE ALIMENTOS E ENERGIA ATÉ 2030 PARA SUSTENTAR A POPULAÇÃO GLOBAL.
As pesquisas de opinião pública também mostram um quadro contraditório. Basta considerar que quase metade (48%) do público de 20 nações importantes, incluindo EUA, Canadá, Brasil, Índia, Austrália e Rússia, acha que alimentos com ingredientes geneticamente modificados não são seguros para consumo.
Apenas 13% acreditam em sua segurança, de acordo com uma pesquisa de 2020 do Pew Research Center. Uma em cada quatro pessoas entrevistadas disse que não sabia o suficiente sobre modificação genética em alimentos para ter qualquer opinião.
GENÉTICA NO COMBATE À FOME
Ironicamente, grande parte dos céticos em relação aos OGMs já está consumindo produtos que consideram inseguros, uma vez que os setores agrícola e pecuário os adotaram pelo impulso econômico que os alimentos mais resistentes proporcionam.
Na verdade, um quarto da população global de 2019 (quase dois bilhões de pessoas em 29 países) colheu os benefícios dos alimentos reforçados pela biotecnologia, de acordo com relatório da organização sem fins lucrativos ISAAA, graças a melhorias na “segurança alimentar, sustentabilidade, mitigação da mudança climática e melhoria da vida de até 17 milhões de agricultores biotecnológicos e suas famílias em todo o mundo”.
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E MODIFICAÇÃO GENÉTICA EM GERAL TÊM SIDO UM TEMA POLÊMICO, MARCADO POR PREOCUPAÇÕES ECOLÓGICAS E DE SEGURANÇA.
Há dezenas de exemplos que destacam o impacto tangível da edição de genes na cadeia de suprimento de alimentos, desde o salmão aprovado pela FDA, que cresce duas vezes mais rápido do que seus progenitores (e está no mercado dos EUA desde 2015), até os porcos com edição CRISPR desenvolvidos por cientistas chineses em 2018 e resistentes a infecções virais.
Esse último representa muito bem os benefícios que os OGMs podem proporcionar quando usados de forma responsável e estratégica para atender a necessidades humanas sérias, bem como as restrições sociopolíticas e logísticas que reduzem seu alcance e bloqueiam o acesso a alimentos modificados por genes para milhões de pessoas que seriam as mais beneficiadas.
O Golden Rice é uma cultura com infusão de betacaroteno com 20 anos de existência, desenvolvida especificamente para combater a desnutrição e as deficiências de vitamina A, que provocam cegueira em 250 mil a 500 mil crianças por ano e matam metade das que ficam cegas em um ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
O fato de essa cultura modificada ainda ter dificuldades para atingir seu mercado-alvo não é nada bom, já que o mundo precisará produzir pelo menos 50% (no mínimo) a mais de alimentos e energia do que produz hoje até 2030 para sustentar todos os habitantes do planeta.
As pessoas estão cautelosas em relação à modificação genética daquilo que comem, mas o estudo dos frangos criados com CRISPR demonstra como os alimentos geneticamente modificados podem se tornar importantes para garantir que a cadeia alimentar resista às ameaças ambientais, patogênicas e de doenças que ainda não conhecemos.
Com informações da redação da Fast Company Brasil.
Texto: Sy Mukherjee