Você pode não gostar muito do seu emprego, mas os dias, em sua maioria, são pelo menos toleráveis. Mas um dia razoável no escritório pode ficar muito pior se você tiver um colega reclamando sem parar.
Ele resmunga porque sua folga não foi aprovada ou sobre como ele odeia o chefe. Rapidamente você começa a notar como essa pessoa reclamando constantemente faz com que o seu dia fique muito pior. Com o tempo, você pode até começar a apreciar menos o seu trabalho, olhando para a empresa de forma negativa.
Ou seja: o descontentamento do seu colega de trabalho é contagioso.
Sabemos que as opiniões e comportamentos das pessoas à nossa volta podem influenciar o nosso próprio humor e as nossas percepções. Da mesma forma que colegas alegres e motivados podem nos inspirar, o chato do escritório pode nos levar para baixo — e, ao longo do tempo, até espalhar seu descontentamento pela equipe.
A insatisfação desmedida dos funcionários pode prejudicar a percepção do local de trabalho pelos colegas, criando um ambiente no qual cada vez mais pessoas acabam por odiar o seu trabalho — incluindo você.
Como os resmungos se espalham
Existem evidências que sugerem que certos comportamentos e atitudes podem espalhar-se de uma pessoa para um grupo com muita facilidade, especialmente no ambiente de trabalho. Os funcionários são muito mais propensos a realizar atos imorais, como mentir ou roubar, por exemplo, se trabalharem ao lado de outros que cometem esses atos.
Mas formas mais sutis de negatividade no local de trabalho – como um colega que simplesmente não gosta do seu trabalho e manifesta isso verbalmente – podem também causar efeito cascata sobre as equipes.
Hemant Kakkar, professor de administração e organizações da Universidade Duke, nos Estados Unidos, atribui esse efeito cascata a um fenômeno psicológico chamado de contágio social, segundo o qual os comportamentos e atitudes se espalham entre as pessoas, que então assumem essas características. Ele afirma que isso pode também ocorrer com as emoções — tanto positivas quanto negativas.
O contágio emocional ocorre quando nós, enquanto criaturas sociais, reconhecemos as emoções dos demais e subconscientemente as imitamos.
“Por exemplo, quando vemos um colega de trabalho de mau humor após uma reunião, nós percebemos que algo não correu bem”, segundo Kakkar. “O contágio emocional ocorre com mais facilidade quando alguém não tem opinião definida sobre a situação e a pessoa que está demonstrando suas emoções é alguém próximo, ou que você respeita.”
Essa afirmação está de acordo com as pesquisas de Jim Harter, cientista-chefe de administração e bem-estar no ambiente de trabalho da empresa norte-americana de pesquisas Gallup, que estudou o comprometimento dos funcionários nos Estados Unidos durante a pandemia.
Ele afirma que existem três tipos de trabalhadores: as comprometidas, que gostam do seu emprego e têm bom desempenho; as não comprometidas, que podem não gostar do seu emprego, mas ainda se sobressaem e têm bom desempenho; e as ativamente descomprometidas, que não gostam do seu emprego e não têm bom desempenho (e, na verdade, procuram ativamente um novo emprego).
Para Harter, as pessoas ativamente descomprometidas espalham sua falta de comprometimento para os demais, particularmente os que se encontram no grupo de “não comprometidos”.
Isso significa que as queixas de um colega podem entrar na sua mente, mesmo que você não esteja insatisfeito com o seu trabalho. “Quanto mais você ouve, mais começa a pensar sobre si próprio”, acrescenta John Trougakos, professor de administração da Universidade de Toronto, no Canadá. Eles plantam a semente na sua cabeça e na dos demais; em pouco tempo, muitas pessoas podem ter a mesma opinião negativa.
“Os números têm influência”, segundo Trougakos. “Quando você tem duas, três ou quatro pessoas dizendo a mesma coisa, isso fortalece [o agravamento da insatisfação]. As pessoas ficam presas nessa forma de pensar.”
Ter muitos amigos no trabalho não necessariamente deixa você isolado da propagação de opiniões negativas.
Harter afirma que, embora as amizades no ambiente de trabalho possam ajudar a manter o comprometimento em alta, elas podem também servir de potencial vetor de lamentações. “Essas conexões sociais podem ser sessões de queixas — quando as pessoas espalham o seu descontentamento — ou as pessoas podem se manter unidas”. Pode ser muito inovador, segundo ele, reunir-se para criar soluções para melhorar a situação.
Mas Kakkar indica que os sentimentos ou emoções são particularmente contagiantes quando a pessoa que os expressa é alguém que você considera influente, pessoal ou profissionalmente. Queixas de um líder de equipe carismático ou do melhor funcionário do escritório provavelmente terão efeito mais amplo.
E o trabalho remoto também não cria barreiras contra a propagação da negatividade.
“Se você está em uma reunião presencial e vê metade das pessoas pegando seus laptops e fazendo todo tipo de trabalho externo durante a reunião — isso é um indício de falta de comprometimento”, segundo Terri Kurtzberg, professora de administração da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos. Da mesma forma, “se você estiver em uma chamada na plataforma Zoom e as pessoas simplesmente não se preocuparem em ligar suas câmeras ou responder perguntas, de forma que você nem mesmo sabe com certeza se elas realmente estão ali — você vai perceber que este é um sinal de falta de compromisso” e ficará mais propenso a internalizar esse sentimento no seu próprio comportamento.
Analise o contexto
Existe uma série de efeitos sobre as equipes que sofrem de difusão da negatividade. Na melhor hipótese, a satisfação dos funcionários com seus papéis, com a equipe ou com a empresa pode vir abaixo; no pior dos cenários, os trabalhadores insatisfeitos poderão acabar procurando emprego em outros lugares, em um fenômeno de pedidos de demissão em massa conhecido como efeito contágio.
Como podemos identificar o problema?
Se você estiver relativamente feliz na sua situação, existem estratégias que podem ser implementadas para tentar isolar as reclamações dos demais. Orientações clássicas incluem aliar-se a pessoas positivas, criar barreiras contra os demais e redirecionar a conversa para a positividade. “Será muito mais satisfatório concentrar sua energia nas pessoas comprometidas”, aconselha Kurtzberg.
Ela acrescenta que é importante relembrar que você não conhece o contexto completo das queixas dos seus colegas. “Talvez a reclamação da outra pessoa seja baseada em todo tipo de fatores complicadores sobre a forma em que o trabalho dela — ou outro setor da sua vida — está se desenrolando; [esses fatores] são diferentes dos seus”.
Mas os especialistas também afirmam que é fundamental ter em mente que, se as pessoas estão infelizes na sua equipe, este muitas vezes é um problema muito maior que só um funcionário insatisfeito. Para John Trougakos, “pode não se tratar apenas de uma maçã podre — isso pode ser consequência de má gestão organizacional”.
Empresas que pressionam as pessoas para que permaneçam online até tarde e chefes que enviam emails para as pessoas às 11 horas da noite, por exemplo, são condições que favorecem uma maior incidência de burnout. Mas isso significa que parte da solução é tarefa das empresas, que precisam rever sua cultura. E é difícil saber se os empregadores adotarão as mudanças — e até se eles chegam a observar a baixa motivação dos funcionários.
Por enquanto, se você está preso no escritório (ou no Zoom) com um colega queixoso, cuide para que ele não influencie o seu próprio humor. “A tristeza adora companhia”, segundo Trougakos. Mas você não precisa seguir o mesmo caminho dele.
Fonte: BBC News