Estudo mostra que a pesquisa ecológica na Amazônia ocorre com mais frequência em ambientes já desmatados do que naqueles sob risco de perda florestal nas próximas três décadas
Ainda que seja um ponto focal de preocupações socioambientais para todo o mundo, dado seu potencial em biodiversidade, equilíbrio climático e remoção de gás carbônico do ar, a Amazônia ainda tem importantes pontos desconhecidos pela ciência. Um estudo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros reunidos na iniciativa de pesquisa colaborativa Synergize aponta algumas dessas áreas, bem como fatores que determinam esses gaps de investigação ecológica.
O trabalho, divulgado pela Agência Fapesp, utilizou informações de 7.694 locais da Amazônia brasileira onde ocorreram investigações ecológicas entre 2000 e 2010, avaliando como a logística e a influência antrópica nas florestas explicaram a chance de diferentes regiões da Amazônia receberem pesquisas. São consideradas pesquisas sobre animais e também vegetais, em terra firme e ambientes aquáticos.
Os cientistas mapearam as áreas mais negligenciadas em pesquisa ecológica na Amazônia e a esse mapa sobrepuseram as áreas que mais seriam afetadas pelas mudanças climáticas e pelo desmatamento, usando estudos já existentes com essas estimativas. O cruzamento de dados revela que a pesquisa ecológica na Amazônia ocorre com mais frequência em ambientes já desmatados do que naqueles em que se espera desmatamento nas próximas três décadas.
As descobertas indicam que 15% a 18% das áreas com biodiversidade mais negligenciadas na Amazônia brasileira também mostram alta suscetibilidade às mudanças climáticas até 2050. A região em que há menor volume de pesquisas coincide também com parte das áreas ameaçadas nas proximidades do chamado “Arco do desmatamento”, região que contorna os limites sul, sudeste e leste da Amazônia.
Já os cenários menos pessimistas aparecem ao longo dos rios, no nordeste do Pará e de Roraima, no sudeste do Acre e no norte de Rondônia, onde já existe uma base maior de estudos compreendendo as características das regiões e são previstos impactos menores das mudanças climáticas.
Os dados revelam ainda que as maiores lacunas na pesquisa ecológica na Amazônia aparecem em ambientes de terra firme. “Isso é esperado e provavelmente reflete o papel que a rede de vias navegáveis da região tem em facilitar o acesso a florestas alagáveis (várzeas e igapós) e ambientes aquáticos”, diz o biólogo Mario Ribeiro de Moura, do Instituto de Biologia da Universidade de Campinas (Unicamp), um dos autores do artigo.
Apesar das lacunas identificadas, os pesquisadores admitem que há uma dificuldade em combinar pesquisas científicas com preservação da floresta. Afinal, é mais fácil realizar estudos onde já há instalações científicas, como universidades e centros de pesquisa – mas também há caminho facilitado para a devastação da floresta “A facilidade de acesso permite que os pesquisadores alcancem mais áreas, mas permite que os desmatadores e outros com piores intenções também cheguem lá”, diz Moura.
Outro fator que condiciona o acesso científico a áreas da Amazônia é o tipo de posse de determinado território. De forma geral, faz-se menos pesquisa em Terras Indígenas, e mais em unidades de Conservação. “Talvez faltem mecanismos administrativos que conectem pesquisadores com órgãos que regulam o acesso às Terras Indígenas e com as próprias comunidades indígenas. Precisamos melhorar a integração entre as partes envolvidas e, sobretudo, envolver as comunidades locais no processo de geração de conhecimento”, aponta o pesquisador.
Para ele, os resultados do grupo deverão servir para orientar o estabelecimento de novas estratégias de financiamento de pesquisa dentro da Amazônia. “Sabendo onde estão as lacunas, os investimentos para conservação e a pesquisa da Amazônia podem mirar esses locais ou dar maior peso para as propostas que contemplem pesquisas nesses locais em futuras chamadas e editais. As políticas públicas podem levar esses resultados em consideração no planejamento de novas ações e programas de monitoramento e inventariamento da biodiversidade amazônica.”
Texto: Redação Um Só Planeta