A seca severa que atinge a Amazônia está produzindo uma tragédia humana e ambiental na região – e a situação pode se agravar ainda mais por conta de uma combinação climática perversa.
O aquecimento anormal do Oceano Atlântico antecipou o início da estação seca, produzindo uma estiagem extrema que está secando alguns dos principais rios amazônicos em um ritmo inédito, multiplicando queimadas e aumentando as temperaturas acima do normal. A estiagem é mais grave na Amazônia Ocidental, que compreende os estados do Acre, Rondônia, Roraima e Amazonas.
Ao mesmo tempo, o forte El Niño previsto para este ano deve se intensificar a partir de meados de outubro, agravando e prolongando os efeitos da seca, que tendem a se alastrar por outras partes do bioma. Se o aquecimento anômalo do Atlântico permanecer, segundo os especialistas, a seca extrema na Amazônia poderá se prolongar até a metade de 2024.
De acordo com o diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira Rosa , o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tem alertado há anos para o aumento da frequência de eventos extremos como a seca que assola a Amazônia.
“A combinação de mudanças climáticas e desmatamento desenfreado contribui para o agravamento e prolongamento da seca, que, por sua vez, leva ao aumento das queimadas, o que tende a exacerbar ainda mais os efeitos da estiagem, afetando o regime de chuvas. Isso impacta não apenas na vida dos povos locais, mas também a economia e a segurança hídrica de outras regiões, pois o que acontece na Amazônia interfere nos demais biomas”,
explica.
Agravamento da seca em outubro
Caso as previsões se confirmem, com a seca se agravando em outubro, os rios Negro, Solimões, Purus, Madeira e Amazonas devem ter, ainda em 2023, a maior seca da história, superando a de 2005, quando faltaram alimentos, combustível, energia e água em inúmeras localidades. Houve outras estiagens severas em 2010, 2015 e 2016, mas em nenhuma delas o aquecimento do Atlântico foi tão pronunciado.
Esse cenário catastrófico já está se desenhando na Amazônia, com cidades inteiras, cujo acesso só se dá pelos rios, correndo o risco de ficar isoladas. Em diversas localidades os rios já estão intransitáveis, impossibilitando o transporte de alimentos e medicamentos e o abastecimento de água.
Cerca de 500 mil pessoas já estão sendo afetadas na região. A pior situação é a do Amazonas, onde 55 dos 62 municípios decretaram estado de emergência. O governo do estado estuda a possibilidade de remover comunidades inteiras que vivem da agricultura familiar nas áreas de várzea dos principais rios por conta das mudanças no clima da região.
Também foi decretado estado de emergência em Rio Branco, no Acre – onde já há falta de água potável e a produção rural despencou. Porto Velho, em Rondônia, decretará estado de emergência nos próximos dias, caso não haja uma recuperação do rio Madeira, cuja queda de nível já bateu todos os recordes históricos nos últimos meses. Em Rondônia e Roraima usinas hidrelétricas já tiveram suas atividades suspensas por causa do baixo nível dos rios.
A seca também está afetando a agropecuária: na região dos rios Araguaia e Tocantins, no Pará, os pastos perderam a cobertura vegetal e há registros de mortes de bovinos. Segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), 79 municípios da Região Norte tiveram mais de 80% de suas áreas agrícolas impactadas pela seca.
A seca extrema da Amazônia chamou a atenção da sociedade brasileira e mundial após a divulgação pela imprensa da morte de pelo menos 125 botos cor-de-rosa e tucuxis no lago Tefé, na região do médio rio Solimões, no Amazonas, onde as águas chegaram a 40 graus – 10 acima da média registrada historicamente.
Enfrentamento da crise
Desde o início da crise, o WWF-Brasil tem agido em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que está liderando o resgate de botos na região, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários.
O WWF-Brasil também já está em contato com parceiros locais e mobilizado para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos.
“Formamos uma enorme coalizão para ajudar a recolher carcaças, monitorar animais vivos em áreas críticas de baixa profundidade e altas temperaturas, coletar e enviar amostras biológicas e de água para análises. Todo um esforço para chegar às causas desse evento sem precedentes.”
afirma Mariana Paschoalini Frias , especialista em Conservação do WWF-Brasil.
Segundo ela, a crise mostra que é preciso realizar com urgência mais estudos sobre os impactos das mudanças climáticas na fauna.
“Em nossos estudos sobre os botos amazônicos, constatamos que eles sofrem diversas pressões, como a pesca predatória, contaminação por mercúrio e impacto de hidrelétricas. Mas esses eventos em Tefé mostram que é preciso realizar mais pesquisas sobre como eles serão afetados por mudanças climáticas constantes”, diz.
A crise, porém, vai bem além da morte de botos. Já há registros de aumento da mortalidade de espécies de peixes na região, incluindo o pirarucu, que é fundamental para a alimentação e a economia das populações locais. Além disso, para muitos especialistas, a tragédia sem precedentes na Amazônia pode ser uma amostra do que pode ocorrer quando a Amazônia atingir o ponto de não-retorno.
Texto: WWF