Criar uma cultura de inovação tem a ver com tomar riscos, promover a colaboração e conceder autonomia às equipes. Segundo o relatório “Cultura de inovação que gera resultados”, da consultoria global BCG, empresas que conseguem dar esses passos têm uma probabilidade 35% maior de serem líderes em inovar. E negócios com operações bem estruturadas têm 60% mais chance. Mas é a combinação entre os dois que faz a diferença, levando a porcentagem a 90%. “Essa junção tem um impacto muito grande na empresa e faz dela uma líder em inovação”, afirma Heitor Carrera, diretor-executivo e sócio do BCG no Brasil.
Promover uma cultura de inovação é em grande parte papel das lideranças, que precisam criar espaço nas rotinas das suas equipes para incentivar a colaboração e o desenvolvimento de novas ideias. Um exemplo disso é a “regra dos 15%” da multinacional de tecnologia 3M, em que os funcionários podem dedicar 15% do seu expediente a projetos paralelos, uma política fácil de implementar e que engaja os colaboradores.
“Muitas empresas medem o sucesso dos seus empregados com métricas objetivas, como produtividade e geração de receita, mas é preciso remunerar e reconhecer o esforço para tentar inovar”, diz Carrera. O tempo gasto com mentorias, orientação e colaboração dentro da empresa também é levado em conta nas avaliações de desempenho e para promover os funcionários na 3M.
Recompensar a inovação é o primeiro ponto citado pelo BCG para levar uma empresa ao posto de líder de inovação, um processo que não precisa, necessariamente, envolver grandes orçamentos e equipes. Isso porque o relatório mostra que os líderes de cultura de inovação contratam, em média, 10% menos.
O artigo do BCG faz uma analogia em que a cultura de inovação é como um software que funciona no “hardware” que geralmente associamos à inovação: as estratégias, a governança, os processos, as estruturas organizacionais, as métricas e outros aspectos do modelo operacional.
Heitor Carreira, do BCG, diz o que é preciso para criar uma cultura de inovação hoje, levando em conta os modelos remoto e híbrido e a força de trabalho multigeracional.
Forbes: O próprio artigo diz que o processo de criar uma cultura de inovação não precisa necessariamente ser caro. Se a realidade hoje em grande parte das empresas é de equipes sobrecarregadas e falta de recursos, como os líderes podem criar essa cultura, apesar dos limitantes?
Heitor Carrera: Eu já começo justamente pelo papel do líder, acho que o comportamento de liderança aqui é fundamental. Ele precisa implementar agilidade, criar times multidisciplinares, e pegar recursos e pessoas de diferentes áreas e colocá-las para trabalhar em um mesmo projeto. E tem vários desafios nesse processo, mas nada disso custa dinheiro. Você pode pensar que se emprestar uma pessoa da sua área para outro projeto, vai ficar descoberto e outros vão ter que trabalhar muito mais. Mas se você pensar que aquilo que eles estão criando eventualmente pode ser uma melhoria disruptiva na sua própria área, você vai ter um retorno sobre o investimento que fez. Mas se você não mudar a mentalidade da liderança e se cada um for ciumento com o seu time, a coisa não funciona.
F: Os líderes que promovem essa cultura de inovação precisam contratar menos e têm equipes mais enxutas. Como isso ajuda a reduzir o turnover e criar um cenário de eficiência?
HC: Um cliente trouxe um caso muito interessante em que um dos grandes jovens talentos da empresa disse que queria sair para empreender, com uma mentalidade de “ou eu trabalho em uma grande empresa ou eu saio para empreender e ser inovador”. Mas eles reverteram a saída do funcionário dando a ele a oportunidade para empreender dentro da própria empresa. Quando você mostra para os funcionários que existe espaço para isso, aí a pessoa vai pensar duas vezes antes de sair e não precisa mais ter esse trade-off – ou eu trabalho em empresa grande ou eu inovo. Os funcionários criam um vínculo maior com o trabalho e saem menos.
Hoje a gente trabalha com gerações que têm uma rotatividade de trabalho muito grande, e quando a pessoa rotaciona, diminui a produtividade do time porque você tem que treinar outra e volta ao ponto anterior. Se as pessoas estão comigo há algum tempo e sabem fazer aquele trabalho muito bem feito, existe mais espaço para a inovação. É um ciclo totalmente virtuoso.
F: Sobre essas questões geracionais, a força de trabalho é cada vez mais diversa em termos de idade e a geração Z traz questões novas para o trabalho. Existe alguma especificidade para promover a colaboração e uma cultura de inovação nesse cenário?
HC: A gente vem de um mundo em que você contratava uma pessoa uma vez na vida e ela ficava 30 anos na empresa e se aposentava. E a gente migrou para um mundo em que eu tenho que contratar para uma mesma função a cada seis meses ou um ano. Não é dado que se eu coloquei um recurso bom para dentro, ele vai ficar ali por muito tempo. Então eu tenho que renovar os laços e dar motivos a cada seis meses, um ano, para aquela pessoa pensar que ficar por mais um tempo vai ser muito bom para ela. É a conquista contínua, o recrutamento hoje tá sempre on, você tem que estar recrutando mesmo quem está dentro de casa, porque a melhor alavanca de recrutamento é a retenção.
Ao mesmo tempo, você tem que estar preparado para essa maior rotatividade. Ou seja, você espera o melhor, mas se prepara para o desafio, tenta segurar a pessoa, mas ao mesmo tempo cria processos para não ser prejudicado por isso. É preciso pensar em preservar o conhecimento mesmo com a saída frequente dos recursos, retendo uma parte do que foi criado.
F: Estamos vendo muitas empresas voltando para o presencial agora, mas a flexibilidade dos modelos remoto e híbrido ainda são pontos importantes especialmente para os mais jovens. Se a inovação exige colaboração, é possível ter uma cultura de inovação a distância?
HC: Tem algo que já existia antes da pandemia e tem algo novo pós-pandemia. Uma empresa como o BCG, que está em 55 países, com culturas e formas de pensar diferentes, tem um ativo que poucas empresas têm. Eu preciso de uma cultura que incentive a ideia de que o meu colega não é aquela pessoa que está aqui do meu lado, meu colega é qualquer funcionário dentro da empresa. E a gente tem uma base de conhecimento muito forte, então se eu vou começar um projeto, eu não começo do zero. Eu tenho uma base de quem são as grandes referências da nossa empresa no assunto, quais são os materiais de preparação que existem e eu posso acessar fontes e especialistas, isso tudo já existia antes da pandemia.
O problema é que a gente trabalhava em um mundo mais presencial, e foi forçado a ir para um mundo mais remoto, e agora que a gente está no híbrido, ainda não encontramos a fórmula para fazer funcionar. Se você vai em uma reunião presencial com 10 pessoas e tem alguém remoto que tem uma boa ideia para colaborar, dificilmente ele vai conseguir se colocar. A pessoa que está remota fica em desvantagem e ainda vamos precisar aprender a lidar com isso.
F: Como trazer a colaboração para o virtual?
HC: Quando você está em um ambiente em que cada um está fazendo seu trabalho, você tem a possibilidade de ouvir e trocar com as pessoas. Como é que eu imito isso no mundo virtual? Tem empresas que fazem videoconferências, não porque tem uma reunião, mas para as pessoas se ouvirem e colaborarem, só que não parece uma coisa intuitiva. Eu acho que existe mais prejuízo no remoto hoje do que precisa ter, mas com certeza a gente não aprendeu ainda a lidar com isso e por isso tem queda de produtividade, tanto é que mesmo as empresas de tecnologia, e a própria Zoom, estão fazendo o pessoal voltar ao presencial.
F: Se a inovação depende de uma combinação de operação estruturada e cultura organizacional forte, como medir esses aspectos?
HC: Tem coisas que você mede e tem coisas que você observa. Medir o número de patentes que eu lancei no último mês ou no último ano é algo tangível. Mas a qualidade das interações nos projetos você não consegue medir e acaba inferindo um pelo outro. Eu meço as coisas objetivas, elas melhoram e eu faço uma inferência que essas intervenções na cultura levaram até esse ponto. Talvez você não consiga estabelecer a causalidade, mas você sabe que tem alguma correlação. No ponto do modelo operacional que são as mais objetivas, a receita da empresa que vêm de novos produtos ou produtos lançados nos últimos anos, ou o número de novas patentes, por exemplo, são coisas bem objetivas que medem um modelo operacional inovador. A cultura você pode pegar pela retenção, com pesquisa de satisfação ou o quanto as áreas emprestam recursos entre si. A 3M pode medir quanto das novas ideias vêm do projeto dos 15%. Mas medir cultura é bem difícil, você tem que medir o impacto. Você tem que ter uma hipótese que se fizer uma série de mudanças de cultura, vai ter um impacto em variáveis objetivas, e perceber que um conjunto de coisas melhoraram.
Fernanda de Almeida