sábado,23 novembro, 2024

“Vácuo” no Imposto Seletivo é incógnita do incentivo verde na Reforma Tributária, dizem especialistas

Mecanismo que prevê taxar atividades de impacto no meio ambiente ainda não tem escopo definido, enquanto setores poluentes têm benefícios

Além de simplificar a cobrança de impostos e a distribuição da arrecadação para estados e municípios, a Reforma Tributária, aprovada pela Câmara e atualmente em discussão no Senado, pode também criar mecanismos para incentivar atividades industriais ligadas à transição energética no Brasil, aliviando a carga de tributos para a produção de energia verde, a regeneração de florestas e outras atividades. Neste mesmo sentido, uma nova legislação pode aplicar impostos mais altos a cadeias de produção com dano maior ao meio ambiente.

Dentro da proposta do Governo Federal para a Reforma Tributária, o mecanismo do Imposto Seletivo (IS) se coloca como meio para taxar ou isentar atividades e produtos de acordo com seu impacto no meio ambiente. Porém, indústrias tradicionalmente “carbonointensivas” no Brasil possuem hoje uma série de benefícios fiscais, e a vontade política para virar essa realidade de ponta-cabeça é um desafio.

Especialistas em economia verde se reuniram nesta terça-feira (3) para discutir os impasses que cercam a discussão sobre a nova realidade tributária do Brasil, com a oportunidade da reforma colocada no horizonte, em meio à mobilização global de grandes economias em diminuir emissões e alcançar o netzero em 2050, seguindo as metas do Acordo de Paris para manter o aquecimento global em, no máximo, 1,5°C até a metade do século.

O seminário online foi promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o Instituto Clima e Sociedade, a associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) e o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

Prestes a entrar em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a reforma vive um cabo de guerra. Se na superfície do noticiário predomina a briga entre prefeituras, estados e a União para definir quem vai gerir o dinheiro da arrecadação, nas profundezas da política o lobby age em nome de indústrias hoje privilegiadas com isenções fiscais, como a petrolífera, que, sob o regime especial Repetro-Sped, não paga tributos federais na aquisição de matéria-prima e materiais usados para a exploração de petróleo e gás.

Nos cálculos do Inesc, os subsídios à indústria de combustíveis fósseis no Brasil foi de R$ 112 bilhões em 2021, a maior parte destinada ao consumo, ajudando a segurar os preços da gasolina e do gás de cozinha, por exemplo. Não há estimativas oficiais sobre a renúncia fiscal do governo para beneficiar o setor.

Para Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, o sistema atual “produz impacto no meio ambiente e taxa pouco atividades que geram poluição, enquanto sobretaxa serviços que contribuem com o meio ambiente”. Como exemplo, Pinheiro citou o plástico reciclado, que paga o exato mesmo imposto que o plástico virgem produzido no país. “O Imposto Seletivo poderá ser cobrado de atividades produtoras de externalidades negativas para a saúde e o meio ambiente. Quais setores serão cobrados? Ainda não sabemos.”

Apesar de estar presente no texto da proposta original do governo, e mantido pelos parlamentares, o IS tem apenas a vocação definida, mas não seus alvos. Enquanto que, em relação a setores beneficiados com tarifas diferenciadas, o próprio Ministério da Fazenda já cita o transporte público, a saúde e o agronegócio, todas atividades de impacto ambiental. Na opinião dos especialistas presentes no seminário, é preciso esmiuçar melhor os danos provocados pelas atividades humanas e atrelar este impacto a uma cobrança na forma de imposto, dando incentivo ao “verde”, e encargos ao “vermelho”, usando a simbologia do semáforo.

“Hoje temos [entre os setores com benefícios fiscais] atividades como mineração e outras de impacto ambiental intenso, mesmo que com retorno financeiro e social às vezes bom, e empresas com visão de longo prazo, agenda ESG, não recebendo benefícios”, pontuou Luciane Moessa, diretora executiva e técnica da SIS.

Para aprofundar o escopo do que virá a ser o Imposto Seletivo, o Ministério da Fazenda abriu consulta pública sobre o Plano de Ação para Taxonomia Sustentável, e receberá contribuições da sociedade até o dia 20. Assim será possível elencar atividades de impacto ambiental e dar valores, classificando-as e posteriormente definindo o correspondente imposto.

“O texto da reforma estabelece que quem tem benefício fiscal não pode ter Imposto Seletivo, isso mata [um possível imposto ambiental] no começo. A lista de beneficiados cresce, e a do Imposto Seletivo está vazia”, criticou Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

A previsão é que o IS entre em vigor em 2027, mas, a reforma permite que a taxa seja posta em prática via Medida Provisória assim que o texto completo for aprovado pelo Congresso. Contudo, a definição de quem cabe no Imposto Seletivo ainda deve se prolongar.

“O IS pode ser essa luz no fim do túnel, e a descarbonização não explicitada pode vir como Lei Complementar, com o parâmetro para o poluidor. Um dos produtos que cai nessa discussão, com grande lobby para ter alíquota reduzida, é o agrotóxico, e também os alimentos ultraprocessados e outros itens de impacto social e de saúde”, observou Carolina Mattar, coordenadora executiva do IDS.

Além do Imposto Seletivo, outros mecanismo previstos na Reforma Tributária colocam a agenda ambiental como prioridade, como o FDR (Fundo de Desenvolvimento Nacional), que usará parte da arrecadação para diminuir diferenças regionais no país, com verba inicial de R$ 8 bilhões em seu primeiro ano de operação, 2029.

O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), taxa proposta para substituir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), deve ter uma versão ecológica, assim como atualmente o ICMS tem o “ICMS Ecológico”, permitindo que municípios que atendem indicadores de preservação de verde e de água potável, bem como na gestão pública, como o tratamento do lixo, recebam um bônus além do ICMS tradicional.

O desafio é grande, assim como a articulação necessária para aproveitar as oportunidades. Mas, como assinalou a diretora executiva da SIS, o Brasil tem uma chance única de inserir valores ambientais em seu sistema tributário. “Toda atividade paga tributo, então isso tem um alcance muito maior do que inserir isso apenas no sistema financeiro [concedendo crédito a empresas verdes]. Nenhum país fez isso. Além da União Europeia, mais cerca de 17 países possuem taxonomias oficiais via Legislativo, e nenhuma delas é usada para fins tributários, uma lástima e uma perda de oportunidade, pois é um trabalho brutal.”

Texto: Marco Britto

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