Entrevista com Antonio Carrere, Presidente da John Deere no Brasil

A discussão sobre a sustentabilidade na indústria de máquinas agrícolas passa pelo uso de energia alternativa para substituir o petróleo, mas não se restringe a esse aspecto, afirma Antonio Carrere, presidente da John Deere no Brasil.

É preciso melhorar a eficiência das máquinas de grande porte, que ainda usam combustíveis de origem fóssil, para que elas trabalhem mais usando cada vez menos combustível. A seguir, leia a entrevista com o executivo.

GLOBO RURAL: O uso de energia limpa é um dos temas centrais nas iniciativas de combate às mudanças climáticas. Qual a perspectiva de adoção em larga escala de combustíveis alternativos no abastecimento de máquinas agrícolas?

ANTONIO CARRERE: O mundo realmente precisa investir em combustíveis alternativos, e é o que está acontecendo. A eletricidade, um desses combustíveis, é uma opção de fonte de energia para os produtores de menor porte — tanto é que a John Deere comprou uma fábrica de baterias na Áustria (a Kreisel Electric, em negócio fechado em 2022) para ir atrás dessa tecnologia. Agora, para os equipamentos grandes, o mundo ainda não criou uma tecnologia que seja capaz de armazenar a energia, o que é necessário a essas máquinas. Então, nós precisamos de um combustível alternativo. Estamos investigando, trabalhando e fazendo testes com todas as energias renováveis, sustentáveis e do agro — etanol, biodiesel, hidrogênio verde –, porque entendemos que precisamos lançar no mercado um combustível alternativo. A fábrica de baterias da Áustria já faz parte desses investimentos.

Quanto a John Deere tem investido em combustíveis alternativos?

No mundo inteiro, a John Deere investiu US$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, o que inclui combustíveis alternativos. São US$ 13,698 milhões por dia. Não existe empresa que investe mais no agro.

Qual o peso dos combustíveis alternativos nesse valor total?

As áreas mais importantes são tecnologia e sustentabilidade. Nosso foco principal é potencializar as máquinas, que, por sua vez, chegaram para aumentar o potencial de produção do ser humano. A partir da pá, nós trouxemos uma escavadeira. Quando se colhia ou se faziam trabalhos manuais com cavalos, nós trouxemos o trator. Mas como se vai potencializar a própria máquina? Com a tecnologia, e é isso que estamos fazendo. A John Deere está tão focada nisso que comprou a empresa que cria a inteligência artificial e depois a que fabrica as câmeras. Então, a visão computacional, a inteligência artificial, o motor e a máquina são da John Deere, que faz todo o ciclo de desenvolvimento, fabricação e distribuição.

A aquisição da empresa austríaca de baterias significa que, na visão da John Deere, as máquinas elétricas passarão a integrar de vez a lista de opções para os produtores rurais, principalmente os que trabalham com tratores pequenos?

Nós temos três divisões importantes: equipamentos agrícolas, de construção e florestais, para a produção e a colheita de florestas comerciais. Para todas essas linhas, nós temos equipamentos menores. Além disso, já lançamos equipamentos elétricos em janeiro de 2023. Ainda não usamos esses equipamentos no Brasil, mas estamos investigando os combustíveis alternativos para que possamos usar essas máquinas também aqui.

Há previsão de se ter uma máquina agrícola elétrica no Brasil?

Não, porque as baterias não conseguiriam armazenar a energia que a máquina precisaria para trabalhar. Para se operar uma colheitadeira, por exemplo, é preciso ter outra colheitadeira atrás para fazer sombra na bateria.

Recentemente, acompanhamos o lançamento no Brasil de um equipamento híbrido, movido a bateria e biometano. Esse é mesmo um caminho promissor para a indústria?

O trator que a concorrência lançou, nós também vamos ter. Ofereceremos soluções tecnológicas elétricas de até 100 HP para o agronegócio. Os híbridos com biometano também farão parte de nosso portfólio de soluções. Estamos investigando biometano, hidrogênio verde, etanol e todas essas soluções. E estamos investigando todas porque acreditamos que ainda pode haver uma que terá impacto diferente da solução da concorrência.

Impacto ambiental e também econômico?

Isso, porque, quando se lança um combustível alternativo, como o biometano, é preciso pensar também em toda a cadeia de distribuição. Não se pode ter em mente só o produtor de Ribeirão Preto, mas também os que estão no meio de Mato Grosso, de Goiás. Temos investido muito em pesquisa e desenvolvimento porque nós queremos trazer tecnologias viáveis para o produtor lá na ponta. Você mencionou a questão do motor, mas a sustentabilidade tem vários aspectos, não é? Então, como primeiro ponto, já estabelecemos que nossas máquinas maiores precisam utilizar combustão interna. Hoje, a única solução é o petróleo. Haverá outras soluções, mas, enquanto utilizamos petróleo, vamos investir e lançar máquinas mais eficientes e que utilizam menos combustível fóssil. A maior colheitadeira do mundo colhe 45% a mais do que a anterior e usa quase 20% a menos de combustível.

Você acredita que esse limite de eficiência vai continuar a existir? Com o diesel, por exemplo, vocês estão conseguindo gerar mais economia ou existe um teto?

Não sei. De qualquer forma, isso é só uma parte, o motor. Para produzirmos de forma sustentável e econômica, é preciso entender que o agro tem de utilizar remédios e químicos, e há empresas que vivem disso. A John Deere tem três pulverizadores que contam com a tecnologia desenvolvida pela inteligência artificial da empresa. Eles têm as câmaras — também da John Deere –, que permitem operar na velocidade normal. A máquina identifica as ervas daninhas e aplica a quantidade certa para essa erva na velocidade adequada. Antes, você colocava tudo. Agora, você vai identificando, na velocidade real, a erva e a quantidade que se precisa em cada estágio de crescimento. Essa tecnologia vai economizar 75% do químico que se utiliza — e esse é o ingrediente mais caro para os produtores.

Há uma perspectiva de adoção em larga escala? Essa é uma tecnologia nova, e alguns outros fabricantes também têm lançado produtos nessa direção, mas, hoje, são poucos os produtores que têm uma tecnologia com tanta precisão.

Sim, porque eles não têm essa tecnologia. Algumas empresas lançaram tecnologias que identificam uma erva daninha verde em algo marrom. Isso nós também temos. A novidade é que agora é possível identificar uma praga verde em uma plantação verde. Ninguém faz isso aqui, nem nós, mas vamos fazer. Já lançamos a máquina. Vai demorar cerca de 24 meses para ela chegar ao campo, mas essa é uma coisa que vai mudar tudo.

Isso tudo graças à inteligência artificial?

Sim, a inteligência artificial, a visão computacional e o machine learning. Faz dois anos que estamos tirando fotos de ervas para podermos identificá-las e criar a tecnologia. Nós desenvolvemos essa tecnologia para o agro, porque uma máquina qualquer não consegue operar nesse calor, na poeira. Tem de se considerar tudo isso, no meio do mato, porque, se a máquina quebra, não tem uma loja a 2 metros de distância. Isso vai trazer uma sustentabilidade muito grande. Nós colocamos o cérebro nas máquinas, com inteligência artificial, visão computacional e machine learning. Logo vem aí também a máquina autônoma. Estamos trazendo, pela primeira vez, um pulverizador autônomo, que já opera na Califórnia em culturas de alto valor, como café, laranja, árvores de nozes e amêndoas.

Qual é o investimento necessário para produzir uma máquina dessa com inteligência artificial, considerando que a fábrica é a mesma?

Para lançarmos a máquina colhedora de cana de duas linhas, a única do mundo, nós investimos mais de US$ 100 milhões. Essa máquina foi desenhada e fabricada no Brasil para o mercado brasileiro.

Sobre o Brasil, qual é sua avaliação sobre o quadro atual do mercado, em que há bastante tempo se enfrenta escassez de crédito?

O Brasil está em uma transição, em uma permanente evolução. Precisamos reconhecer, e é importante que o brasileiro reconheça, que o governo ajudou a colocar o Brasil onde ele está hoje. Precisamos de dois grandes ingredientes: a Embrapa, ajudando na pesquisa e desenvolvimento, e um governo que incentive os produtores a investir.

Mas não existe esse seguro no Brasil.

Não. Não temos essas redes de segurança como há em outros países. No Brasil, se você não colhe, precisa pagar igual. Lá fora você sempre tem um preço mínimo, um seguro para cobrir se o clima não está favorável. Isso vai chegar ao Brasil por meio de mãos privadas eventualmente. O produtor brasileiro já viveu o que o mundo está vivendo, as incertezas, a inflação. Por todos os desafios que enfrentou e superou, o produtor está cada vez mais preparado para enfrentar as mudanças do mercado. Qual é a evolução natural do mercado? Que o governo continue a apoiar aqueles que precisam de ajuda. Tem alguns produtores grandes ou extragrandes que conseguem não só se manter, mas crescer com financiamento privado, do Banco John Deere, por exemplo. Isso é uma evolução natural. Em nossa avaliação, ainda se precisa do governo para apoiar o produtor familiar, os produtores médios, que estão em processo de evolução, mas os grandes ou extragrandes têm acesso a ferramentas privadas.

Fonte: Globo Rural, por Cassiano Ribeiro.