domingo,10 novembro, 2024

Sabe o que é uma Diretoria de Felicidade? Descubra as políticas de empresas voltadas para a saúde mental

Ações corporativas já vão bem além da oferta de terapia aos funcionários. Para a maioria das companhias, bem-estar é o aspecto mais importante dos programas de capital humano

Para 78% das companhias brasileiras, o bem-estar é o aspecto mais importante nos programas de capital humano. E saúde mental e emocional é apontado como o principal problema dos funcionários, segundo Pesquisa Global de Bem-Estar 2022-2023. Este é o cenário do mercado de trabalho após a pandemia da Covid-19, que deixou sequelas nos ambientes corporativos.

— A pandemia trouxe mais luz para a pauta, pois toda aquela experiência potencializou a exposição de fragilidades. As pessoas se mostraram mais vulneráveis. Resgatar o sentimento de autoestima e fortalecer o pertencimento delas passou a ser fundamental para que os ambientes se tornem mais harmoniosos e a produtividade possa retornar com menos desgaste emocional — explica o professor Cesar Lessa, coordenador geral do Curso de Gestão de Recursos Humanos da Estácio.

Após o apoio emergencial à saúde mental prestado de 2020 a 2022 — com oferta de terapia, por exemplo —, neste ano, as empresas comprometidas com o bem-estar partem para ações mais amplas a fim de cuidar dos colaboradores e melhorar o clima organizacional. E uma das novidades são as Diretorias de Felicidade, como na Chilli Beans e na Heineken.

— A gente pode aprender a ser feliz. Com a diretoria, desde janeiro, descontruímos a ideia de que felicidade é estar alegre o tempo todo, pois isto é tóxico. A gente abre a cabeça para pensar o que pode fazer no dia a dia para torná-lo melhor, levando embasamento científico, provocação e atividades baseadas na psicologia positiva aos colaboradores — explica Denize Savi, diretora de felicidade da empresa de óculos escuros e acessórios.

Um dos pontos centrais dessas diretorias têm sido levar os funcionários a se engajarem mais entre si, baseadas em um estudo de Harvard sobre felicidade, desempenhado ao longo de 85 anos. “Relacionamentos positivos” foram apontados como os principais motivadores de felicidade.

Em grupos de 40 pessoas por vez, todos os 300 colaboradores da sede de Chilli Beans passam por seis encontros, de duas horas cada, promovidos pela diretoria “Você tem amigos aqui?”, é uma das perguntas feitas, antes de provocar os funcionários a convidarem quem ainda mal conhecem para um cafezinho, almoço ou happy hour. Na cervejaria Heineken, desde maio, a Diretoria de Felicidade forma líderes e 640 voluntários a serem Embaixadores da Felicidade na empresa.

— Uma das dinâmicas é para que reconheçam quem elas têm de confiança na equipe e as razões para isso. Então as pessoas se expressam com palavras que causam emoções positivas e quem ouve muitas vezes não imaginava tudo aquilo. É um privilégio parar uma ou duas horas do trabalho para isso — diz Aline Mello, gerente sênior de Saúde Corporativa.

O olhar positivo para as situações e a listagem do que lhes traz felicidade são outros instrumentos apresentados para o autoconhecimento e promoção da felicidade entre colaboradores das empresas.

Diagnóstico da Covid-19

No ano passado, um levantamento do portal Empregos.com.br, apontou que, em 12 meses, um quarto das empresas ouvidas tinham afastado de um a cinco funcionários por adoecimento mental. A ansiedade (41%) e o stress (31,9%) eram as principais causas, seguidos de depressão ou síndrome do pânico (26,7%) e burnout (9,2%)

— Na pandemia, as pessoas começaram a se olhar: a necessidade de se entender, qual o significado do trabalho delas. E isso afeta diretamente os níveis de stress e ansiedade, já aflorados pelo isolamento e incerteza do que viria — analisa Aline, da Heineken.

As demandas atuais são diferentes, segundo ela. Há muito excesso de informação e distrações, que dificultam o foco nas atividades: seja de trabalho, seja de relaxamento. Com isso, os colaboradores estão estimulados o tempo todo e o stress não volta ao nível basal. Uma das dicas da Diretoria da Felicidade é estar presente em cada atividade proposta e não ultrapassar limites. Não exagerar nas reuniões, por exemplo, e valorizar os intervalos.

Terapia durante a pandemia

Ainda segundo a pesquisa do Empregos.com.br, em dois anos, houve um aumento de 49,4% no interesse das empresas em implantar ações de saúde e bem-estar na rotina de seus colaboradores. Em acordo com este dado, o mestre em mudança organizacional e consultor Joaquim Santini viu a demanda por seus serviços crescer 50% na pandemia, principalmente no segundo ano. Ele atua em construção de equipes, resolução de conflitos e promoção de relacionamentos interpessoais.

— É inegável que houve maior receptividade a esses serviços durante esse período desafiador. O que motivou as empresas era a necessidade de resolver os desafios no ambiente de trabalho que resultam em burnout, redução da concentração, alta rotatividade, perda de talentos, conflitos geracionais e o organizacionais, além da falta de colaboração e engajamento dessas pessoas — avalia.

Alguns dos benefícios mais comuns, voltados à saúde mental de colaboradores, oferecidos pelas empresas durante a pandemia eram os que facilitavam o acesso à terapia. O Consórcio Magalu foi uma dessas representantes.

— Durante a pandemia, foi feito um contrato com uma plataforma a fim de oferecer acesso a profissionais de saúdes, como psicólogos, principalmente para trabalhar questões de ansiedade que o momento acabava propiciando. Durante dois anos, a gente ofereceu esse benefício 100% integral em até quatro consultas por mês. Após os dois anos da pandemia, a empresa continua a custear uma consulta por mês — conta Andresa Ferreira, gerente corporativa de Pessoas.

Na empresa, cerca de 20% dos colaboradores já fizeram uso deste benefício — quando consideradas outras práticas voltadas a saúde mental, a participação chega a 70%.

— A gente ainda sente uma resistência das pessoas em buscarem esse apoio psicológico. Mas também recebemos muitos feedbacks de quem teve o primeiro contato com terapia a partir do programa. E nas nossas pesquisas de clima, os processos feitos durante a pandemia e pós-pandemia são citados pelos colaboradores como forças da empresa.

Rafael Maia, analista de riscos do Consórcio Magalu, usufrui do benefício ainda.

— A partir do convênio da empresa, tive meu primeiro contato com a terapia. E tem feito bastante diferença na minha rotina: trouxe mudanças na socialização, na família, relacionamentos e no trabalho. Ter esse tempo semanal de escuta ativa faz diferença para aliviar a ansiedade e estar presente com clareza mental no trabalho. E sinto que o ambiente da empresa ficou mais leve, as pessoas buscaram melhoras com uma comunicação não violenta e mais empática — relata.

Visão ampla do colaborador

De julho de 2021 a julho de 2022, oferecer sessão de terapia era a estratégia de 8,4% das empresas ainda. Mas na busca por oferecer qualidade de vida aos colaboradores, encarar a Saúde de forma integrada tornou-se primordial. O levantamento do Empregos.com.br mostra que eram oferecidos convênio médico (48,6%), desconto em academias (10%) e aulas de yoga (8,4%) como benefícios.

Na pandemia, a Adeste — fabricantes de matérias-primas secundárias para as indústrias de alimentação, saúde e nutrição animal — promoveu atividades que tinham como objetivo garantir momentos de paz e lazer para o quadro de funcionários. Mas as atividades seguem em 2023.

— Momentos de descontração com receitas culinárias, encontros virtuais com os times, aulas de yoga e meditação, tudo isso com o propósito de levar qualidade de vida para eles — lista a diretora de Inovação Cristina Amorim.

Na empresa de meio de pagamentos Cielo, o programa “De bem com a vida” tem como uma das iniciativas o “Nutricionista in company”, que possibilita atendimento diariamente com a profissional, sem coparticipação para o colaborador. “Cada vez mais estudos comprovam a importância da alimentação equilibrada para a saúde mental, e os benefícios que pode causar: melhora da energia, do sono, da autoestima, de memória etc”, ressalta a empresa.

Na Amazon, o Programa de Assistência aos Funcionários possui ainda em seu escopo a possibilidade de consultas legais e financeiras aos colaboradores, expõe Ricardo Frias, líder de benefícios:

— Os temas podem ir desde investimentos e como lidar com dívidas até a parte legal, a fim de entregar informações sobre ações judiciais.

Família também está nos planos

Para o professor Cesar Lessa, da Estácio, as empresas estão entendendo que as pessoas são seus principais ativos e, por isso, todos esses cuidados se tornaram mais presentes. Mas não só com eles.

Na Cielo, os dependentes de funcionários podem fazer terapia sem custos, recebem Gympass — que dá acesso a academias e estúdios —, e podem se associar gratuitamente ao Sesc, para atividades culturais. Na Amazon Brasil, o Programa de Assistência aos Funcionários têm um serviço de saúde mental adaptado a crianças e adolescentes tuteladas pelos seus funcionários.

— Foi projetado para ajudar a enfrentarem problemas para dormir, cyberbullying, preocupações com a imagem corporal ou desafios mais complexos, como TDAH, depressão e ansiedade — diz Frias.

Os benefícios ampliados também são estratégicos para a atração e retenção de talentos.

— Além de ser um cuidado social, cria um vínculo maior de relação afetiva e direta com outras pessoas influentes e importantes para aquele colaborador. Então ao mesmo tempo que a empresa cuida de todos, tem mais gente interessada que aquela relação do colaborador com a empresa se perpetue. Por isso, é um projeto interessante de retenção de talentos e, a médio prazo, pode ser uma excelente vantagem competitiva para a organização — ressalta o professor Lessa.

Texto: Agência O Globo

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