Nos primeiros sete meses de 2023, o Ministério Público do Trabalho recebeu mais de 7 mil denúncias de assédio moral no ambiente de trabalho. Esse problema se estende também ao assédio sexual, com aproximadamente 831 denúncias registradas somente no primeiro semestre do ano. Essas estatísticas revelam uma triste realidade: nenhum setor do mercado, incluindo o ecossistema de startups, está imune ao assédio laboral.
Em março de 2023, membros do ecossistema criaram e assinaram uma carta intitulada “Todos contra o assédio no ecossistema de empreendedorismo e inovação do Brasil!”, direcionada à Associação Brasileira de Startups. O documento pedia que a Abstartups criasse um comitê “independente, isonômico, amplo e transparente” para acolher denúncias e investigar possíveis casos de assédio no ecossistema, além de garantir confidenciabilidade aos relatos e apoio às vítimas. Em resposta, a Abstartups criou um formulário para que empresas e voluntários “possam pensar em iniciativas e contribuir em ações específicas contra esse tipo de violência”.
Olhando para esse cenário – que não é novo – e de tanto ser vítima e escutar relatos de outras pessoas, a recifense Ana Addobbat criou em 2017 a Livre de Assédio, uma startup que torna as organizações e eventos livres de assédio sexual, moral e discriminação por meio de ações estratégicas de impacto.
“Em 2016, eu trabalhei como Coordenadora de Relações com a Ásia e Pacífico nas frOlimpíadas do Rio e na época cheguei à obesidade nível um em conjunto com um burnout, achei que era por puro cansaço mental, mas descobri que passei por um abuso no trabalho quando a psicóloga confrontou. Essa oscilação na balança era a forma que encontrei lidar com um trauma e medo do abuso estrutural que aconteceu no trabalho. Me senti privilegiada por poder estar cuidando da minha saúde mental e consegui viajar para o Uruguai para sair do ambiente que estava”, explica Ana.
Na viagem, Ana sofreu um assédio em um bar e quando estava quase indo embora por conta do desconforto, um garçom fez uma intervenção e falou que se o homem mexesse mais uma vez com ela, ele seria retirado do local. “Esse foi meu momento eureca, eu percebi que era possível existir um protocolo para controlar essas situações em ambientes públicos, de bares e eventos. Não é possível controlar quem é externo, mas dá para instruir os colaboradores a lidarem da melhor forma com situações como essa.”
Soluções da Livre de Assédio
Hoje, a Livre de Assédio já impactou a vida de mais de 200 mil pessoas pelo Brasil, A startup começou com foco em bares e eventos e com o sucesso das suas soluções, as corporações começaram a entrar em contato para pedir treinamentos para os seus ambientes corporativos. Em 2018, a startup fez negócio como o festival No Ar Coquetel Molotov, trazendo ações para estimular a empatia com as vítimas de assédio e ajudar as mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso.
Desde então, foram várias ações nacionais, em parceria com empresas e agências produtoras, a exemplo da Arena da Copa em Copacabana em 2022, com mais de 20 mil pessoas impactadas por dia no Rio de Janeiro. Durante a Copa, a Livre também coordenou o SAC de Respeito, atendendo 240 bares da Ambev para acolher situações de LGBTFobia. Recentemente, a Livre participou de ações com o app Bumble, esteve com sala de atendimento no Festival Girls e já fechou sua participação do Rock The Mountain.
Para empresas de todos os portes e setores, a startup oferece uma gama de soluções. Isso inclui cursos e treinamentos presenciais e remotos, que visam educar os funcionários e conscientizá-los sobre o assédio no ambiente de trabalho.
Além disso, fornece cartilhas informativas e desenvolve programas para formação de replicadores de conteúdo, capacitando os colaboradores a compartilharem conhecimento e práticas saudáveis. Campanhas de endomarketing são implementadas para promover a cultura de respeito e inclusão. Além disso, Livre auxilia na verificação de processos internos e estabelece canais de ouvidoria eficazes para que vítimas de qualquer tipo de assédio, abuso ou violência no trabalho possam compartilhar o que estão passando e serem acolhidas. As organizações que se comprometem com essa missão recebem o prestigioso “Selo Empresa Livre de Assédio”, um reconhecimento de seu compromisso com ambientes de trabalho seguros e respeitosos.
“Para as empresas, a ênfase na governança transcende o ambiente interno. Uma marca que prioriza ser um espaço seguro e livre de assédio não apenas atrai consumidores que valorizam esses princípios, mas também cultiva um ambiente de trabalho mais saudável”, destaca Ana.
No setor de bares e restaurantes, a startup oferece treinamento especializado para a brigada de funcionários, com a oportunidade de obter a certificação “Selo Bar Livre de Assédio”. Essa solução é apresentada de forma acessível e em uma plataforma escalável para atender a diferentes estabelecimentos. A startup indica que esses estabelecimentos façam o treinamento com uma certa frequência para que ocorra uma reciclagem do time, garantindo que os funcionários estejam sempre atualizados com as melhores práticas. A Livre também oferece mentorias para a gestão de crises, capacitando os estabelecimentos a lidarem eficazmente com situações delicadas e a manterem ambientes seguros e acolhedores para seus clientes.
Para o setor de eventos, a startup fornece treinamento de brigada especializada, visando aprimorar a segurança e o acolhimento. Eles operacionalizam estratégias de acolhimento e segurança, incluindo a ativação de canais de monitoramento para garantir que os participantes se sintam seguros e protegidos. Também oferece apoio na gestão de crises, ajudando os organizadores a lidar com desafios imprevistos. Além disso, a startup auxilia na ativação de mídia e marca, garantindo que os eventos transmitam uma mensagem de segurança e respeito. Assim como nos ambientes corporativos, os eventos e bares clientes da Livre recebem canais de ouvidoria em escala para apoiar cliente e equipe em caso de descumprimento de alguma boa prática relacionada à prevenção ao assédio e respeito à diversidade.
Ecossistema de startups
Ana analisa os desafios enfrentados pelas empreendedoras dentro do ecossistema de startups e enfatiza que uma empreendedora fundando sua startup, buscando investimentos e gerando networking, está tão vulnerável quanto uma funcionária que está vendendo cerveja no bar – ambas estão expostas ao assédio verbal, moral e sexual, a diferença é que, enquanto existem recursos estabelecidos para auxiliar uma funcionária que enfrenta situações de assédio em seu local de trabalho, o apoio estruturado para empreendedoras que estão trilhando seu caminho solo ainda está em desenvolvimento.
A violência, seja ela de que natureza for, muitas vezes deixa as vítimas sem saber por onde começar a buscar ajuda. É aqui que o propósito da Livre de Assédio entra à tona, a startup oferece orientação para as vítimas, mapeando detalhadamente todas as etapas que elas podem seguir, desde quem procurar até como coletar provas. A ênfase é orientar e encaminhar as vítimas para os recursos adequados, conectando-as a advogadas e policiais especializadas e proporcionando um apoio completo.
“É sobre criar um tecido social de apoio”, sinaliza Ana. “Nenhuma organização pode fazer tudo sozinha. Não temos todas as soluções, mas podemos contribuir para um propósito maior. O foco é proporcionar apoio, orientação e um caminho para a mudança, contribuindo para um mundo mais seguro e respeitoso”, completa.
Texto: Startupi