De maneira inteligente, as organizações inovadoras atraem e engajam esses talentos, escolhem lideranças criativas, reforçam e valorizam atitudes que compõem um sistema e moldam diariamente a tal cultura de inovação
Estreando minha coluna em Época Negócios, mando “Aviso aos Navegantes”. Não espere ler aqui repetições de clichês e mistificações sobre inovação. O que me motiva é trazer perspectivas originais, misturadas com alguma poesia e uns “chacoalhões” desconfortáveis para tratar de temas relevantes do mundo da inovação, inspirando leitores para mudanças positivas.
Em tudo que faço, procuro coerência com a intenção. Quando comecei a falar sobre criatividade, em 1998, buscava surpreender, incluir uma prática inesperada, uma nova ideia, a cada apresentação. Se pretendo inspirar o público sobre criatividade, não posso jamais ser monótono, previsível, tedioso, concorda? Mesmo pensamento para minha coluna. Para quê repetir lugares-comuns sobre ChatGPT e outros trends?
Nas minhas primeiras experiências na 3M, toda oportunidade (aniversário de cliente, evento sazonal, convenção de vendas, feira comercial) era abraçada por nosso time com entusiasmo para fazer diferente e trazer resultados. Foi uma grande escola!
Hoje, como Diretor da World Creativity Organization, sempre pergunto para minha equipe se estamos coerentes com nossos propósitos. Vamos relançar novo festival de Criatividade em 2024. Mas o mundo precisa mesmo de mais um festival no modelo “mil palestras para multidões” que se autodenomine o “maior do mundo da última semana”? Agora, se promovermos um encontro original, descentralizado, colaborativo, estimulando experiências humanas acima de tudo, aí começa a fazer sentido.
Então, fica a pergunta: na sua área de atuação e na sua vida, você está aplicando um pouco dessa coerência? Ou fala de colaboração, mas usa o microgerenciamento? Busca organização saudável, mas lidera no velho estilo comando e controle? Quer inovar, mas tem aversão a riscos e se fecha a novas ideias?
É preciso ter coerência para inovar. Claro que nem sempre somos coerentes o tempo todo no mundo ambíguo e complexo. Toda a liberdade para um pouco de incoerência. Mas hipocrisia é coisa horrorosa que assassina o ambiente de inovação e envenena as relações humanas.
Também valorizo a autenticidade. Nos meus textos, sempre tento trazer coisas que vivi, acompanhei de perto, senti na pele. Somente ser caixa de ressonância de algo que ouvimos num podcast ou num TED, sem refletir e processar? Para quê?
Venho me dedicando cada vez mais ao desenvolvimento de nossos potenciais humanos e sua aplicação prática na vida real, com destaque para a criatividade, etapa inicial do processo de inovação.
Quando compartilho sobre estratégia e cultura com as organizações, faço questão de despertar inicialmente a importância de cada pessoa incorporar mais inovação em sua vida. Depois é que mergulho na centralidade no cliente, estratégias, mapas de futuro, tecnologias, ambientes de trabalho, ecossistemas e tudo mais. Inovação são pessoas!
É fundamental que as organizações façam seus “deveres de casa”, cultivando cultura favorável para a inovação sustentável, elaborando estratégias, priorizando projetos, alocando recursos e estabelecendo processos e KPIs. Mas, antes de mais nada, precisam colocar verdadeiramente as pessoas no centro de tudo.
São elas que fazem a inovação, aplicando seus propósitos, ideias, talentos, conhecimentos, energia de execução para solucionar problemas, melhorar vidas, gerar impactos e resultados.
Se, como indivíduo, estou desmotivado, me desbotando a cada dia, sem vontade de aprender e sair da rotina confortável, sem buscar novas conexões, descobertas e experiências, minha chance de inovar é minúscula.
Não basta trabalhar no Google, Suzano, 3M, Natura, Weg, Eve Air ou Boticário e esperar que esses ambientes lhe transformem em um inovador serial.
Claro que um sistema estimulante ajuda. Só que é mais o contrário. Essas empresas são reconhecidas como inovadoras porque seus colaboradores já carregam evidências desse comportamento de aprendizagem contínua, disposição para colaborar, abertura ao novo.
De maneira inteligente, as organizações inovadoras atraem e engajam esses talentos, escolhem lideranças criativas, reforçam e valorizam atitudes que compõem um sistema e moldam diariamente a tal cultura de inovação.
A mágica só acontece quando essas pessoas que inovam em suas vidas encontram uma empresa que prioriza a Cultura de Inovação como alicerce.
A transformação é muito mais ampla e anterior ao negócio nu e cru.
Precisamos instigar as pessoas para que todos se percebam criativos, despertem suas paixões por causas e áreas de interesse, se inspirem para gerar movimentos que levem a colocar mais inovação em seus dias. Pode ser na hora de criar um presente surpreendente de aniversário para quem amamos, um prato especial, uma atividade “quebra-rotina” de terça-feira, uma arrumação de sala para mudar a casa ou uma viagem inusitada no fim de semana.
Venho praticando há décadas doses diárias e despretensiosas de criatividade. Quando minha mãe fez 65 anos, parei de lhe presentear com flores, perfumes e chocolates, e, como bom pianista, fui para um estúdio e gravei um álbum com canções que ela adorava e mais duas músicas de amor que ela compôs para o meu pai.
No aniversário de 18 anos do meu filho, entreguei a ele um diário que vim escrevendo desde seu nascimento, trazendo memórias e sentimentos ao longo da jornada fascinante de pai e filho.
Ao ver um grande amigo completar 10 anos de empresa, me recusei a simplesmente entregar uma carta formal de agradecimento da empresa e desenhei um quadro divertido, cheio de mensagens customizadas, mesmo sem saber desenhar.
Temos muitas oportunidades para inovar. Nem sempre temos tempo, foco, energia. Mas é absolutamente terrível vivermos sem nunca usar esse potencial maravilhoso da criatividade e do empreendedorismo.
Quanto mais criamos, mais queremos criar. Quando percebemos o impacto positivo das inovações, mais desejamos experimentar, arriscar. Aí, quando chegamos numa empresa com cultura inovadora, trombamos com pessoas inspiradas, ansiosas por aprender, doidas para colaborar e gerar melhores soluções para o mundo. A consequência são muitas inovações e resultados concretos para os negócios.
Então, na tentativa de inspirar (ou cutucar um pouco) para começar nossos papos sobre inovação nas organizações neste espaço, quero que pense no que tem feito para inovar na sua vida. Que esforços tem feito para seu autoconhecimento? Quais foram descobertas recentes a respeito de sua capacidade de criar, empreender, colaborar? Quais novos repertórios e insights lhe geraram boas reflexões? Quais as novas conexões humanas deste último mês? Quanto tempo tem dedicado a atividades que ama além do trabalho?
Nunca se esqueça: A Inovação começa com você! Antes de tirar o pijama e pisar no escritório, co-working ou chão de fábrica, bem antes de acessar sua ferramenta de colaboração remota.
A inovação nasce da sua curiosidade em aprender mais sobre algo que tem sentido para você. Ela cresce quando você interage com áreas de paixão, diante de incômodos e inquietudes que lhe empurram para transformar o mundo, junto com esperanças que lhe fornecem a energia para melhorá-lo. Ela se multiplica quando você se flexibiliza, se abre e se conecta com outras pessoas e universos, colaborando nesta era da interdependência para fazer mudanças positivas.
Verdade seja dita e repetida. O passo inicial da inovação corporativa não está nas tecnologias, na metodologia ágil, nas startups e aceleradoras, na área de P&D, nos workshops de design thinking, na disponibilidade de capital de risco…
Tudo começa com o ser humano. Começa com você! Inovação são pessoas!
Fonte: Epoca Negócios