Francisca Vieira, empresária da marca Natural Cotton Color, mostra como o algodão orgânico colorido da Paraíba respeita o meio ambiente, valoriza o produtor rural e é viável economicamente
Nos próximos dias, Francisca Vieira deixa seu escritório na Paraíba e desembarca na Itália para participar da Semana de Moda de Milão. Ao lado de grifes do mundo todo, ela vai exibir as roupas de sua marca, a Natural Cotton Color. “Nós trabalhamos de forma sustentável com alfaiataria de luxo. Mostramos que é possível fazer uma moda que respeita pessoas e meio ambiente tendo design, modelagem e acabamento de qualidade”, diz a empresária e presidente da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos).
Sua matéria prima é especial: o algodão orgânico, que não recebe defensivos agrícolas – ou “veneno”, como ela diz -, de uma variedade que nasce naturalmente colorida, em tons de bege, marrom e verde, sem precisar de corantes. A Paraíba é o maior produtor de algodão orgânico colorido do país, e a cidade de Ingá, no semiárido, desponta em primeiro lugar.
“No mercado internacional de algodão orgânico, o Brasil perde apenas para a Índia, sendo que em 2024 talvez consigamos ultrapassá-los e sermos os maiores do mundo. Há 12 anos a produção brasileira era de 1800 quilos. Há 3 anos, 30 toneladas. Hoje chegamos em 130 toneladas”, diz orgulhosa.
Francisca é uma das responsáveis por fazer com que o algodão orgânico colorido seja lucrativo para toda a cadeia produtiva e alcance o mercado consumidor. Para isso, faz o que mais gosta: articula e integra diversas pessoas e órgãos, como produtores rurais, artesãos, comerciantes e governantes, além de instituições ligadas a empreendedorismo, moda, sustentabilidade e exportação.
Coleções da Natural Cotton Color confeccionadas com algodão orgânico. — Foto: Divulgação
“Essa cadeia produtiva só funciona porque sempre andamos juntos”. No campo, o algodão é fruto do trabalho da agricultura familiar, incluindo comunidades quilombolas e assentamentos rurais. “Todos têm contrato de compra garantida e recebem cerca de 10% a mais do que os outros que plantam algodão”, explica.
Depois de colhido, o algodão passa por um processo de separação da pluma e do caroço. Neste ano, espera-se uma abundante safra, perfeita para movimentar a potente máquina descaroçadeira recém-adquirida pela Cooperativa dos Agricultores Familiares do Município de Ingá e Região (Itacoop), que vai fazer em três dias o beneficiamento que levava até oito meses. A pluma do algodão segue então para fiação e tecelagem, ainda na Paraíba e também em outros estados, para depois virar peças de decoração ou vestuário.
Nas roupas da Natural Cotton Color, Francisca muitas vezes inclui rendas, bordados, crochês ou outros detalhes que valorizam a cultura brasileira, principalmente a paraibana. Hoje o mercado internacional representa 90% de seu faturamento, com negócios em mais de 10 países, principalmente Japão e Alemanha. A empresa ainda investe em certificação de produto orgânico pela Ecocert e de rastreabilidade pelo selo Friend of the Earth.
Francisca Vieira: em 2005, passou a utilizar apenas o algodão orgânico colorido em seus produtos e a ter foco na exportação. — Foto: Agência FotoSite
Francisca é formada em psicologia industrial e tem mestrado em engenharia de produção, mas a sua história com o algodão começou muito antes disso. Seus pais eram agricultores de cana-de-açúcar e algodão e, na década de 1980, perderam metade de sua renda quando uma praga devastou o algodão. “Nunca faltou comida na mesa ou escola, mas acabou o luxo, a fartura”, diz.
“Quando o bicudo invadiu a plantação, meu pai se recusou a colocar veneno. Ele era muito inteligente: só deixava pescar na época certa, proibia que passarinho fosse pra gaiola e dizia que agrotóxico na lavoura prejudica as pessoas, a água, os animais. São valores como esses que eu mantive na minha vida e no meu trabalho”.
A costura também fez parte de sua formação: “Eu adorava a máquina de costura, então ficava do lado da minha mãe enquanto ela fazia o timão, que é o pijama de flanela das crianças, e nossos vestidos. Com 13 anos, fiz a primeira roupa sozinha. Com uma tia aprendi a adaptar moldes e a cortar tecidos, então passei a fazer quase tudo o que usava”.
Nas roupas da Natural Cotton Color, Francisca inclui rendas, bordados, crochês ou outros detalhes que valorizam a cultura brasileira, principalmente a paraibana. — Foto: Divulgação
Já tendo concluído a faculdade, em 1995 Francisca lançou a Natural Cotton Color, mas poucos anos depois sua produção despencou com a chegada das roupas chinesas, que tinham custo final muito menor do que as nacionais. Procurando uma saída para a marca e estudando sobre tecidos e suas fibras, entendeu a composição dos materiais, o impacto que causam no meio ambiente e na sociedade.
Em 2005, passou a utilizar apenas o algodão orgânico colorido em seus produtos e a ter foco na exportação. “Fizemos uma primeira coleção usando as cores de algodão colorido disponíveis na época, bege e marrom. Nos anos seguintes, inovamos colocando artesanato, com vestidos enriquecidos por renda renascença, por exemplo”, conta.
Para expandir a marca, em 2015 outra grande mudança foi necessária. Investiu tudo o que tinha na tecnologia para a produção de novos fios e tecidos com o algodão colorido, desenvolvendo jeans e jacquard de algodão com seda. Também passou a trabalhar com empresas que criaram novas fibras, usando seda e linho. Em 2020, quando estava prestes a lançar em maior escala as novidades na marca, começou a pandemia e faltaram políticas públicas nacionais para a moda sustentável.
A empresária diz que é preciso subsídios financeiros e apoio para que o algodão orgânico deslanche e alcance valores mais acessíveis para o comprador, mas entende que o mercado já está mais favorável agora, 40 anos depois que a Paraíba foi atingida pela praga do bicudo. “Em 2023, já vejo mais portas se abrindo”, diz. Ela acredita que seu papel foi importante para isso. “Não quero ser ousada, mas acho que mudei a percepção das pessoas. Agora elas notam que o algodão orgânico e a agricultura familiar são viáveis e, mais do que isso, são um bom negócio”, diz. Na Semana de Moda de Milão, mais uma vez vai levar a cultura do Brasil para o mercado internacional. Quando retornar, já é hora de começar um novo ciclo: acompanhar a colheita do algodão e planejar as próximas coleções.
Texto: Beatriz Santomauro