quinta-feira,19 setembro, 2024

Adeus, senha numérica: biometria facial avança em meio a desafios de combater fraudes e garantir inclusão

Como toda tecnologia transformadora, há aspectos sensíveis sobre uso, acesso, garantia de inclusão e segurança que precisam ser observados, especialmente em um país com tantas desigualdades de acesso à tecnologia, em si, e ao letramento digital necessário para usá-la

Abra a câmera do seu celular. Agora, sorria. Afasta-se um pouco. Vire para a direita e para esquerda. Aguarde enquanto coletamos a sua biometria facial”. Seja para compras no comércio de rua, e-commerce ou para acessar aplicativos, a biometria facial está cada vez mais presente na rotina dos brasileiros. A tecnologia ganha terreno entre empresas e bancos como uma das principais ferramentas frente aos fraudadores. Também tem se mostrado eficiente para reduzir o acesso de terceiros a um determinado cadastro. Como toda tecnologia transformadora, há aspectos sensíveis sobre uso, acesso, garantia de inclusão e segurança que precisam ser observados, especialmente em um país com tantas desigualdades de acesso à tecnologia, em si, e ao letramento digital necessário para usá-la.

Mas, mesmo tendo em perspectiva tais aspectos estruturais, os aspectos negativos são considerados mais incipientes do que as vantagens que a biometria oferece.

Adeus, senha de seis dígitos

Apesar de não ser uma tecnologia nova – vem sendo usada desde os anos 1960 nos Estados Unidos -, a implementação da biometria facial tem avançado nos últimos anos no Brasil. Um conjunto de fatores tem incentivado a escolha da ferramenta. Um deles envolve diretamente o setor financeiro. A partir de 1º de novembro de 2023, o Banco Central passa a exigir que as instituições financeiras compartilhem, entre entre si, dados e informações sobre fraudes no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Segundo o BC, a norma permitirá o aprimoramento da capacidade das instituições supervisionadas fazerem a prevenção de fraudes, bem como melhorar seus controles internos. E, para isso, o rol mínimo de informações a serem compartilhadas inclui a identificação de quem teria executado ou tentado executar a fraude.

Por capturar aspectos “personalíssimos” e únicos do rosto de cada pessoa, a biometria facial é classificada como “assinatura avançada” pelo texto da Lei n.º 14.063/2020, que trata da utilização de assinatura eletrônica em contratos.

A pandemia, aliás, também ajudou a dar tração ao recurso tecnológico que utiliza a Inteligência Artificial e outros algoritmos para reconhecer uma pessoa pelo rosto, independente de mudanças no corte de cabelo ou uso de barba, por exemplo. Nos apps de bancos, houve um crescimento mais evidenciado desde então. O meio passou a ser adotado pelas instituições, orientadas pelo Comitê de Prevenção a Fraudes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), como fator para validar transações envolvendo altos valores, por exemplo.

“Desde que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça que as instituições financeiras são responsáveis por provar a autenticidade de assinatura em contrato quando questionado pelo cliente, aumentou o cuidado em adotar meios mais eficientes e seguros para garantir a autenticidade e a integridade das operações“, observam Antonio Alves de Oliveira Neto e Viviane Prota de Oliveira, do escritório Peck Advogados.

O recurso acaba sendo, também, o caminho para que os bancos que não têm agências físicas façam testes de autenticidade e prova de vida. Sem a interação em um posto de atendimento, a biometria facial dá às plataformas melhores condições para confirmarem que aquela pessoa, de fato, é o cliente que diz ser.

Com isso, a biometria facial avança como uma das assinaturas eletrônicas mais seguras para se auferir a autenticidade e cada vez mais as senhas de quatro ou seis dígitos, e outras formas de acesso, ficam para trás.

Ainda assim, como em qualquer sistema, há desafios inerentes à sua utilização e funcionamento. E não só do ponto de vista de conter as fraudes, que também se aprimoram.

Tecnologia avança, acesso e conhecimento de uso nem tanto

Não é novidade que nem sempre os usuários têm o completo domínio do que está em jogo na interação com ambientes digitais. Conforme mostrou o índice “The Inclusive Internet 2021”, publicado pela revista britânica The Economist, o Brasil ocupa a 80ª posição, entre 120 países, no ranking de alfabetização digital, ou seja, o nível de competência para uso da internet. Entre os 20 países da América Latina, o Brasil está em 16º lugar.

Além de não terem pleno conhecimento do ambiente, há a questão do acesso à internet. O Índice de Privação on-line, calculado pela consultoria PwC em parceria com o Instituto Locomotiva, publicado em 2022, mostra que há um grupo de 41,8 milhões de brasileiros subconectados à rede. O grupo é formado por moradores do Norte e Nordeste, que usam celular pré-pago, são menos escolarizados, negros, e pessoas das classes D e E. Na média, ficam 19 dias por mês com limitações de acesso a conteúdo on-line, usam apenas apps que não consomem dados, ou adotam ações de economia, como recorrer a estratégias como wi-fi.

Ao mesmo tempo, o país tem mais celulares do que gente. São 242 milhões de celulares inteligentes em uso no país, que tem pouco mais de 214 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE.

Christiane Marie Menezes Rodrigues, coordenadora acadêmica da Saint Paul Escola de Negócios, pondera que, mesmo se tratando de uma tecnologia avançada, a biometria facial está atrelada aos botões do aparelho celular. E o uso massivo das redes sociais entre os brasileiros ajudou a desmistificar o manuseio do aparelho.

Ainda que as pessoas não saibam ler e escrever, elas conseguem usar o celular para tirar fotos, enviar vídeos e áudios. Isso as deixa confortáveis para realizar algumas etapas”, diz. “Então, para as empresas que desenvolvem a infraestrutura por trás da biometria facial, o desafio é aprimorar mecanismos contra fraudes mas que ainda sejam amigáveis ao uso”, complementa.

Fabiana Saenz, diretora de inteligência antifraude do Mercado Livre, compartilha da visão que a adaptação dos brasileiros em relação ao aparelho celular ajuda a diminuir as barreiras. Ela acrescenta que os bancos digitais, como o Mercado Pago, têm investido para facilitar o uso da tecnologia enquanto mais mecanismos e processos são incorporados para garantir a segurança.

“Cada vez mais as áreas de produtos dos bancos digitais são focadas em atender a uma parcela que até a pandemia não tinha sequer um cartão de crédito para fazer uma conta presencial. Quando plataformas como o Mercado Pago dão acesso a essas pessoas, o investimento é em linguagem acessível para explicar tudo o que vai acontecer. E as pessoas que não conseguem fazer autogestão do processo são atendidas pelas equipes de suporte humanizado”, detalha.

Ela destaca que as empresas têm se esforçado para que mais usuários tenham conhecimentos e habilidades para explorar as oportunidades do ambiente on-line. “No Mercado Livre e no Mercado Pago disponibilizamos canais como blogs e conteúdos mais elaborados. Isso ajuda o mercado, como um todo, pois o usuário fica mais seguro e eleva seu nível de educação para saber navegar pelo digital e reconhecer as engenharias sociais que levam a golpes e fraudes”, sustenta.

Biometria facial: modo de usar

Outro entendimento comum sobre o uso da biometria facial é sobre não causar constrangimentos, desconfortos e discriminações. E, para isso, dois pontos são importantes, na avaliação da coordenadora acadêmica da Saint Paul Escola de Negócios: mitigar os vieses culturais na hora de programar as tecnologias e deter uma base de dados que reflita diversidade.

“Há diversos experimentos que indicam que em base de dados pouco diversa, mulheres terão menos chance e acesso a uma determinada posição em empresas, por exemplo. Ainda que o algoritmo não tenha sido criado com essas regras, ele vai agir de forma discriminatória por se apoiar em uma base de dados enviesada. As empresas precisam aprender que multidisciplinariedade mitiga erros“, pontua.

A clareza na comunicação com o público exposto à biometria facial é um dos pontos mais defendidos pelo Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Em recente nota técnica, a entidade destaca que a justa preocupação das empresas em relação ao combate às fraudes pode violar direitos básicos do consumidor quando a coleta de dados é feita sem informação clara. É preciso que o usuário seja informado sobre a forma que os dados serão usados, armanezados, e para quais finalidades específicas estão sendo coletados, diz o Idec..

“Consideramos que o mais importante é garantir que a pessoa que está sendo alvo do tratamento de dados tenha sempre a opção de consentir ou não, sem que isso inviabilize o acesso ao serviço ou à obtenção do produto”, defende o relatório técnico.

Tais cuidados e boas práticas são especialmente importantes para não causar constrangimentos e discriminação especialmente em relação aos grupo sub-representados.

Conforme a diretora de inteligência antifraude do Mercado Livre, a automatização de processos por meio da biometria facial reduz o risco de haver constrangimento na hora de identificar uma pessoa, bem como a sua documentação, em comparação ao processo manual. “Hoje temos mais recusas de cadastros ligadas ao uso inadequado de CPFs do que em relação aos aspectos biométricos” garante Fabiana Saenz.

Fonte: Valor Investe

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