sexta-feira,22 novembro, 2024

Publicidade na era da Inteligência Artificial

Estamos vivendo na era da inteligência artificial. Uma das evidências mais recentes é o grande crescimento no uso de recursos que utilizam IA generativa. Com a popularidade de modelos de processamento de linguagem natural, temos acompanhado ao longo deste ano aplicações inovadoras em diferentes setores, inclusive no mercado publicitário.

Grandes anunciantes se valeram da tecnologia em seus anúncios, como Runway Gen2, Stable Diffusion e ModelScope. Os exemplos vão de Burger King até Coca-Cola, passando pela Volkswagen, que ao “reviver” a cantora Elis Regina por meio da técnica do deep-fake, despertou uma série de discussões éticas e legais sobre a utilização da técnica.

Sem entrar no mérito da campanha, que dividiu opiniões, é relevante tratarmos da polêmica cujos temas permeiam os direitos personalíssimos, como a imagem, nome, som de voz, direitos morais de autor e intérprete, assim como a questão da herança digital e do quanto precisa ficar claro quais os contextos que aquela pessoa gostaria de ver seu nome e imagem envolvidos post mortem.

Essas discussões vêm sendo cada dia mais recorrentes. Em âmbito internacional, vimos os movimentos dos sindicatos americanos de atores, o Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists (SAG AFTRA) e de roteiristas, o Writers Guild of America (WGA), impondo-se contra a proposta dos estúdios de escaneamento dos figurantes, com a consequente autorização do uso da sua imagem de forma abrangente e ilimitada, independentemente de consentimento prévio e informado, para criação de novas cenas por meio de ferramentas de IA. Os sindicatos também contestaram o uso das obras dos roteiristas para treinar a IA, retomando as questões relativas a eventuais violações de direitos autorais.

Como consequência, inúmeros artistas como Whoopi Goldberg e Madonna vieram a público manifestar a proibição do uso de suas imagens após sua morte. Na verdade, a grande questão gira em torno da definição de regras claras e transparentes, com limitações e definições para garantir o uso seguro. Sem isso, o medo impera, o que facilita a aprovação de proibições. A inovação tecnológica veio para servir ao bem-estar humano, para que possa fazer melhores escolhas, inclusive, superar o próprio limite da morte.

Esses movimentos chamam a atenção do mercado para a necessidade de adequar os novos modelos de criação buscando a sua conformidade legal e ética. Estamos lidando com o novo e com a mudança. É um contexto que exige atualização dos clausulados contratuais e muito diálogo. Quanto mais informação e comunicação entre as partes, melhores serão os acordos e os negócios para toda a indústria. E a sociedade sai ganhando, tanto do lado dos artistas, como dos fãs.

Os sindicatos de roteiristas e artistas clamam pela regulação da inteligência artificial, em todo o mundo temos acompanhado iniciativas nesse sentido. No Brasil, o Projeto de Lei 2338/2023, em tramitação no Senado, pretende disciplinar o uso da inteligência artificial, estabelecendo normas gerais de uso e implementação de sistemas de inteligência artificial – mas é alvo de muitas críticas. É inegável que uma legislação com tal propósito ainda demande muito estudo e debate prévio à implementação.

A tecnologia está em constante evolução e sabemos que o Direito corre para acompanhá-la, porém a passos mais lentos. Isso nos leva à necessidade de socorrermo-nos de outras fontes, além da legislação vigente. Nesse ponto, parece-nos mais adequado caminhar pelo modelo do soft law, que possui instrumentos como Códigos de Conduta e Guias de Melhores Práticas para atender as necessidades mais imediatas e em constante evolução, dada sua maleabilidade para adaptação ao dinamismo da sociedade civil e da indústria.

Além disso, embora tenhamos a legislação civil e de direitos autorais para disciplinar casos como da propaganda com a Elis Regina e tantos outros, sua aplicação crua não resolve o problema por completo. Isso porque abrange questões de ordem ética, do uso da imagem da artista após sua morte, e o que significa a associação de sua imagem e nome a determinados contextos e conteúdos.

Nesse ponto, vale questionar se estariam os herdeiros aptos a avaliar se o uso está compatível com os valores cultuados em vida por quem não mais está aqui. A solução costuma ser mais simples quando existe alguma disposição post mortem. Caso contrário, teremos que refletir se a pretensão do anunciante fere algum princípio, se a homenagem é legítima e se o uso está devidamente autorizado por quem de direito.

Uma questão crucial para a aplicação da inteligência artificial é a transparência e a qualidade da informação. Assim como os preceitos do Código do Consumidor e do CONAR aplicados ao anúncio, o uso da inteligência artificial deve estar claro ao espectador do conteúdo publicitário, evitando que ele seja ludibriado por qualquer comunicação gerada por IA.

É fundamental, assim, que os anunciantes adotem um programa de governança do seu conteúdo publicitário, com o estabelecimento de Códigos de Conduta e Melhores Práticas para o uso da inteligência artificial em seus anúncios.

A atenção do anunciante deve estar voltada à análise do conteúdo para buscar a observância dos direitos dos envolvidos do anúncio, sejam eles atores, eventuais herdeiros, titulares dos direitos do falecido, consumidores ou a sociedade como um todo.

A tecnologia existe para contribuir com o mercado e nos cabe implementá-la da melhor forma, orientando e indicando o caminho legal e ético a seguir.

Texto: Patricia Peck

Redação
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