No bairro periférico Nosso Recanto, no município de Pará de Minas (MG), a falta d’água nas torneiras e a ausência de coleta e tratamento de esgoto faziam parte da rotina dos moradores. O abastecimento dependia de caminhão-pipa, que era o mesmo que transportava água para limpar as ruas e calçadas do bairro, num período em que doenças como giardíase e esquistossomose eram comuns.

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Na casa da Maria Assunção, de 79 anos, a água do banho tinha que ser fervida e, por vezes, era aproveitada para dar descarga . Meninas da comunidade faltavam mais à escola e ficavam doentes, conta a moradora. O acesso adequado a água encanada só começou a ser normalizado em 2015 com a chegada da concessionária Águas do Brasil.

O duro relato de dona Maria confirma o que apontam as estatísticas: o acesso pleno a saneamento no Brasil ainda é um desafio e sua ausência afeta mais as mulheres.

Segundo estudo da BRK Ambiental, uma em cada quatro mulheres não tem acesso a água tratada com regularidade e 38,2% delas — cerca de 41,4 milhões — moravam em casas sem acesso a coleta de esgoto.

O levantamento foi divulgado no ano passado, com base em dados do IBGE e do DataSUS de 2019, antes portanto do Marco do Saneamento. Espera-se que com as novas regras do setor, esse índice tenha melhorado, como ocorreu com dona Maria.

— A gente percebeu bem a mudança (com a chegada do saneamento), principalmente tratando-se das meninas e mulheres. Hoje, a gente não vê as crianças com aquele mau cheiro ou com diarreia. Ninguém mais ficou doente ou precisou faltar à aula por isso — conta.

Renda comprometida

Segundo relatório da Fiocruz, as meninas são mais afetadas pela falta de acesso a saneamento porque, geralmente, são elas as responsáveis pela tarefa de coletar água para manter a higiene do lar. E muitas deixam de frequentar a escola no período menstrual, quando precisam de espaços mais apropriados para fazer a higiene íntima.

O levantamento da BRK mostra que as mulheres que não têm água tratada, em geral com renda mais baixa do que as mulheres com acesso a água potável, comprometem uma parcela maior do orçamento com a compra de absorventes e coletores menstruais.

Na visão de executivos e executivas, os números evidenciam o quanto as empresas de saneamento podem transformar a vida delas.

— O saneamento traz uma melhoria de qualidade de vida além da saúde. Interfere também na possibilidade de empregabilidade dessa mulher — diz Talita Caliman, diretora executiva de assuntos regulatórios da Iguá Saneamento.

Estima-se que a renda da mulher pode ser ampliada em um terço ao garantir o acesso regular a água, com banheiro e coleta de esgoto. O aumento da renda das brasileiras seria de R$ 13,5 bilhões por ano e cerca de metade desses ganhos ocorreria no Norte e Nordeste, regiões do país com os maiores déficits de saneamento.

Outro estudo realizado pela IDB Invest, em parceria com a BRK, mostra que é possível reduzir um caso de hospitalização por doença de veiculação hídrica a cada 10 mil habitantes quando a cobertura de água e esgoto sobe três pontos percentuais. E que, em média, o aumento em um ponto percentual na cobertura de água e esgoto diminui os gastos em saúde pública com doenças relacionadas à água em 1,5%. Isso vale para homens, mulheres e crianças.

A professora Sandra Regina do Nascimento é testemunha das mudanças que o RioTamanduateí, um dos principais afluentes do Tietê, em Mauá, São Paulo, passou até que o acesso a água e esgoto fosse ampliado.

Na sua infância, quando a cidade de Mauá tinha cerca de dois mil habitantes, o esgoto a céu aberto se misturava a um rio ainda balneável onde Sandra e outras crianças brincavam. Já na adolescência, com o crescimento da população, o mau cheiro e a quantidade de mosquitos por conta do esgoto perto de casa era motivo de vergonha, ao receber as amigas em casa. Só a partir de 2003 que a cidade passou a contar com saneamento adequado.

Como educadora, ela toca o projeto “Guaruzinho” (em referência aos peixes do Rio Tamanduateí), por meio do qual leva estudantes ao Parque da Gruta, nascente do rio, e à Estação de Tratamento de Mauá, da BRK, para mostrar a importância do saneamento na qualidade de vida:

— Há vinte anos, o nosso tratamento de esgoto (na cidade) era zero. De 2015 para cá, a gente está com uma cobertura de 89%. Então, tenho sempre a esperança.

Empresas ampliam participação feminina

Não é apenas na ponta do consumidor que as mulheres ganham com a expansão do saneamento. A ampliação do serviço gera emprego, abrindo vagas para elas. Com força de trabalho majoritariamente composta por homens, o setor tem se adequado às boas práticas ESG (sigla em inglês para meio ambiental, social e governança) e apostado no pilar da diversidade, com foco na ampliação da participação feminina no quadro de pessoal.

Na Águas do Brasil, um mapeamento de quem ocupa cargos operacionais trouxe à companhia a percepção de que a presença feminina em funções como de operadores de estações de tratamento de água e esgoto era escassa.

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A fim de ampliar a participação de mulheres, a empresa lançou a campanha de Recrutamento Diverso e está sensibilizando e “letrando” os líderes em cargos intermediários para evitar o preconceito nos processos seletivos.

— Entendemos que promover a diversidade e inclusão em uma empresa é um processo contínuo, e os resultados podem levar algum tempo para serem observados e mensurados, mas estamos comprometidos em mudar a representatividade feminina no setor de saneamento — diz Luciana Reis, diretora de Gestão de Pessoas do Grupo Águas do Brasil.

A empresa tem um percentual de 40% de mulheres em cargos de liderança.

Novos talentos

Já a Aegea tem como compromisso ampliar a participação feminina entre os líderes, aumentando a fatia atual, de 34%, para 45%, até 2030. No ano passado, o programa de diversidade — criado em 2017 — passou a olhar também para a igualdade de gênero, com foco em empregabilidade, desenvolvimento de talentos e relacionamento.

Na concessionária do grupo que presta serviços na capital amazonense, a Águas de Manaus, já tem equipe de agentes de saneamento formada 100% por mulheres.

— Elas executam serviços de fiscalização, além de religações, reparos, negociações, instalações de hidrômetro e recadastramentos — afirma Fabianna Strozzi, diretora de Gestão de Pessoas da Aegea.

Na Iguá Saneamento, as mulheres ocupam 32,7% dos cargos de liderança. Há mulheres como diretoras gerais de operação em regiões como o Agreste nordestino e o interior do Mato Grosso, por exemplo, ambientes considerados masculinos.

A companhia também investe em desenvolvimento de talentos femininos que já fazem parte da empresa:

— A gente tem muita consciência de que desenvolver as mulheres é um passo fundamental para mudar a sociedade — diz Talita Caliman, diretora executiva de assuntos regulatórios da Iguá.

Fonte: OGLobo