sábado,23 novembro, 2024

Inteligência artificial salva cantos gregorianos de 4 mil anos

“Kyrie eleison! / Christe eleison!” (Senhor, tende piedade / Cristo, tende piedade)… Na idade média, há mais de mil anos, monges de diferentes abadias e mosteiros da Europa recitavam suas orações ao longo do dia cantando. Oito vezes, a cada três horas, auxiliados por manuscritos contendo neumas (sinais musicais), as letras e como cantar, solenemente, declamando.

Apenas um piscar de olhos mais tarde na história, no final do século XIX, os monges da abadia beneditina de Solesmes, no noroeste da França, começaram a tirar fotos de volumes de cantos gregorianos criados entre os séculos IX e XI. Um trabalho que desenvolveram em sua casa e na de outros monges de boa parte do continente. Os religiosos de Solesmes temiam que, mais uma vez, chegassem os tempos de guerra, fogo e destruição. Eles não estavam errados em seus presságios — alguns anos depois estourou uma guerra mundial.

O salto mais recente desta história nos leva a 2023, quando o Repertorium, um projeto da Comissão Europeia, liderado pela Universidade de Jaén (Espanha), passou a compilar imagens dos cânticos que os monges franceses fotografaram. Graças à inteligência artificial, eles poderão verificar se essas músicas já estão cadastradas em bancos de dados, ou não. Nesse caso, poderão transferi-los para partituras para que sejam interpretados por grupos gregorianos e gravados para que possamos ouvi-los em um CD ou em um aplicativo.

Julio Carabias é o investigador que coordena o Repertorium, uma iniciativa que “promove o patrimônio cultural e as artes” e “preserva o patrimônio musical europeu”, como define ele, em entrevista por telefone. “Foram apresentadas 60 propostas de toda a União Europeia e escolhidas três, cada uma financiada com € 3 milhões. Uma delas é o Repertorium”.

Catalogar todos esses cantos gregorianos fotografados à mão levaria muito mais tempo e dinheiro. “Cerca de 400 mil negativos foram preservados”. Logicamente, nem todos em bom estado. “Estamos digitalizando esse material, que é simples, mas também extraímos todas as suas informações (melodia, ritual, textos, posição na liturgia) graças à IA por meio de um sistema chamado deep learning”. Posteriormente, será verificado se aquela música já está catalogada nas bibliotecas de música digital existentes na Internet. “Se não existe, então é um material histórico que vamos resgatar”, explica Carabias. Entre esses negativos, além dos de Solesmes e de outros lugares da França, “há os das abadias espanholas e alemãs”. Os promotores do Repertorium destacam que a tecnologia resultante será de código aberto para que possa ser utilizada com outras modalidades musicais.

Os próprios monges de Solesmes, que têm uma oficina de paleografia para estudar seu material histórico, “estimam que desses 400 mil negativos sairão cerca de dois milhões de pedaços de cantos gregorianos, que são os que vamos comparar para saber se estão registrados”. Mas nem tudo é tão fácil quanto parece. A inteligência artificial precisa de pessoas para treiná-la para pensar como um ser humano. O Instituto Complutense de Ciências Musicais (Iccmu) e a Universidade de Alicante estarão envolvidos nesta tarefa. Torrente explica que um musicólogo do Iccmu “vai ajudar a catalogar as músicas fotografadas”. “É preciso ter em mente que são manuscritos de diferentes copistas e épocas.” Cerca de 127 mil músicas serão catalogadas manualmente para ensinar essa IA. Clérigos franceses estimam que no final voltarão à vida cerca de 4 mil canções que provavelmente não são executadas há séculos e das quais não há cópias.

Fonte: Agência O Globo

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