Celso Athayde chega sozinho à redação, na região da Faria Lima, em São Paulo. De blazer azul claro, mochila nas costas e óculos escuros, o empresário é recebido por Renato Mimica, co-CEO da EXAME, que pergunta sobre suas expectativas para a economia no segundo semestre. Athayde olha para o copo d’água à sua frente e respira, pausadamente. Sua voz é baixa, grave, mas inteligível. O empresário conta que ouviu análises pessimistas de algumas pessoas, entre elas Abilio Diniz, com quem esteve na semana anterior. Ele levanta a cabeça e encara Mimica. “Minha impressão é que será difícil, mas há setores que não vão sentir a queda”, afirma.
A cena apresenta um contraste que, talvez, fosse impensável algumas décadas atrás. Mimica é um executivo branco, terno e corte de cabelo impecáveis. Fez carreira no mercado financeiro e hoje comanda a maior revista de economia e negócios da América Latina. Athayde é negro – também está impecavelmente vestido, porém mais casual. Nasceu na favela e morou na rua. Fez carreira onde dava, em camelódromos, bailes funk, shows de rap. Nessa conversa, no entanto, ele é o dono da informação e, portanto, quem dá as cartas.
O trabalho realizado por Athayde nas duas últimas décadas o credencia como um dos mais importantes pensadores da economia brasileira. Fundada por ele no início dos anos 2000, junto com outros integrantes do movimento rap, a Central Única das Favelas (Cufa) é atualmente a maior organização não governamental focada nesse tipo de território no mundo – engana-se quem pensa que favela só existe no Brasil. A Favela Holding, conglomerado de empresas com atuação exclusiva em favelas que Athayde criou, acaba de incorporar mais duas empresas. E a Expo Favela, seu mais recente empreendimento, em sua segunda edição, se tornou um evento nacional, com eventos em diversos estados.
A novidade que Athayde foi compartilhar com a EXAME é a evolução natural de qualquer empreendimento de grande porte: a internacionalização. O processo começou com a Cufa, que já está presente na Europa, nos Estados Unidos e na África. Agora é a vez da FHolding, seu braço de negócios. “Você pode chamar de vila, de quebrada, de gueto, do que quiser. São sinônimos de favela”, diz Athayde. “A ONU aponta que, em 2025, teremos mais de 2 bilhões de pessoas vivendo nesses territórios. Mas, eu não quero exportar favelas, e sim as soluções desenvolvidas nas favelas e para resolver os problemas das favelas.”
Pelo fim das favelas
O termo favela já foi um pejorativo para designar o que o IBGE classifica como “aglomerados subnormais”. Desde o início de seu trabalho como líder comunitário, Athayde buscou desassociar o termo a seu aspecto negativo, de carência. A questão, diz ele, não é romantizar a favela nem esconder seus problemas. É mostrar que, embora falte infraestrutura e serviços básicos a que todo cidadão tem direito, o favelado não é um carente. “Favela é potência”, afirma, sempre que pode, o empresário.
Acreditar nessa potência, em muitos aspectos, empreendedora, fez de Celso Athayde um homem de negócios bem-sucedido, que conquistou espaços antes impensáveis para um negro ex-morador de rua como ele. Alguns dias depois de gravar esse podcast, Athayde atravessou o Atlântico para derrubar mais muros, dessa vez no Festival de Cannes, na França.
Ao lado de Sérgio Gordilho, sócio da Agência Africa (outro homem branco), ministrou uma palestra sobre comunicação e mídia na base da pirâmide – e aproveitou para lançar a Expo Favela na França. No dia seguinte, foi homenageado pela Meta, a dona do Facebook, em uma festa regada a espumante – nacional, é verdade, mas na França. Assim o ex-morador da Favela do Sapo vai adicionando lugares ao seu mundo, sempre levando a favela consigo, até o dia em que esses territórios deixem de se chamar “aglomerados” e ganhem o status de bairro.
Fonte: Exame