A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu nesta segunda-feira (12), em decisão individual, trechos dos quatro decretos sobre porte e posse de arma editados pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro. Os textos passam a valer nesta terça (13).

A suspensão atinge, por exemplo, o trecho que aumentava, de dois para seis, o limite de armas de fogo que o cidadão comum pode adquirir, desde que preencha os requisitos necessários para obtenção do Certificado de Registro de Arma de Fogo.

No mesmo decreto, Bolsonaro também permitia que policiais, agentes prisionais, membros do Ministério Público e de tribunais comprassem duas armas de fogo de uso restrito, além das seis de uso permitido. Rosa Weber também suspendeu esse trecho.

A ministra do STF suspendeu, ainda, o trecho de outro decreto publicado na mesma data que ampliava, em grande escala, os limites para compras de armas e munição para caçadores, atiradores e colecionadores – conhecidos como “CACs”.

Em nota, a presidente do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, afirmou que a decisão de Rosa Weber foi uma “grande vitória da sociedade brasileira”. “Precisamos de políticas públicas que protejam a vida e não das que cultuam a morte”, acrescentou.

Os decretos de Bolsonaro foram anunciados pelo governo no fim da noite de 12 de fevereiro, às vésperas do carnaval, e as mudanças não passaram pela análise do Congresso. Os textos fazem uma nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003.

Na decisão, Rosa Weber determina que o tema seja enviado ao plenário do STF, que pode confirmar ou rejeitar o que a ministra decidiu.

O julgamento das ações protocoladas pelos partidos PT, PSB e Rede contra esse pacote de quatro decretos de Jair Bolsonaro já estava marcado para começar na próxima sexta (16), em plenário virtual.

“A medida privilegia a prudência ao evitar que os decretos produzam seus efeitos mais nefastos e imediatos antes que o STF possa analisar sua constitucionalidade”, afirmou nesta segunda o advogado Rafael Carneiro, do escritório que representa o PSB na ação.

“Como já foi amplamente demonstrado, flexibilizar a compra e o uso de armas de fogo e munições no Brasil resultará no aumento de crimes violentos como assassinatos e feminicídios, além de representar uma ameaça à estabilidade institucional. A sociedade não tem nada a ganhar com isso”, disse Carneiro.

Na semana passada, reportagem do Jornal Nacional mostrou a articulação de senadores para tentar derrubar, em plenário, os decretos.

Ponto a ponto

Veja, na lista abaixo, quais regras estavam previstas nos decretos de Bolsonaro e foram suspensas por Rosa Weber:

fim do controle feito pelo Comando do Exército sobre categorias de munições e acessórios para armas;

autorização para a prática de tiro recreativo em entidades e clubes de tiro, independentemente de prévio registro dos praticantes;

possibilidade de aquisição de até seis armas de fogo de uso permitido por civis e oito armas por agentes estatais com simples declaração de necessidade, revestida de presunção de veracidade;

comprovação pelos CACs da capacidade técnica para o manuseio de armas de fogo por laudo de instrutor de tiro desportivo;

dispensa de credenciamento na Polícia Federal para psicólogos darem laudos de comprovação de aptidão psicológica a CACs;

dispensa de prévia autorização do Comando do Exército para que os CACs possam adquirir armas de fogo;

aumento do limite máximo de munição que pode ser adquiridas, anualmente, pelos CACs;

possibilidade de o Comando do Exército autorizar a aquisição pelos CACs de munições em número superior aos limites pré-estabelecidos;

aquisição de munições por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada;

prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos de idade completos;

validade do porte de armas para todo território nacional;

porte de trânsito dos CACs para armas de fogo municiadas; e

porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadãos.

A decisão de Rosa Weber

Na decisão provisória, Rosa Weber afirma que inúmeros estudos revelam uma “inequívoca correlação entre a facilitação do acesso da população às armas de fogo e o desvio desses produtos para as organizações criminosas, milícias e criminosos em geral, por meio de furtos, roubos ou comércio clandestino, aumentando ainda mais os índices gerais de delitos patrimoniais, de crimes violentos e de homicídios.”

Para Rosa Weber, os decretos de Bolsonaro fragilizam pontos do Estatuto do Desarmamento de 2003 – que, nas palavras da ministra, “inaugurou uma política de controle responsável de armas de fogo e munições no território nacional”.

A relatora diz ainda, na liminar, que Bolsonaro extrapolou as prerrogativas do Poder Executivo ao alterar, por decreto, trechos da legislação aprovada pelo Congresso.

“Desse modo, entre o agir do Poder Executivo, no exercício da competência regulamentar, e a atuação do Poder Legislativo, no desenho da moldura normativa delegada àquele, deve haver a observância da coerência normativa entre os atos na construção do direito, que têm em si uma relação de hierarquia e dependência”, diz a ministra.

“Os Decretos de fevereiro de 2021 alteram de maneira inequívoca a Política Nacional de Armas, em atividade regulamentar excedente do seu espaço secundário normativo”, prossegue.

Fonte: G1

Nota do editor: em Mato Grosso, a flexibilização das regras de acesso da população a armas de foto fez uma vítima recente, a adolescente Isabele Guimarães, de 16 anos, assassinada no ano passado por uma colega da mesma idade que praticava tiro esportivo seguindo o exemplo do pai, também atirador.

Os pais da adolescente que matou Isabele também se tornaram réus por homicídio culposo, posse ilegal de arma de fogo, entrega de arma de fogo a pessoa menor, fraude processual e corrupção de menores. O processo ainda está tramitando e a adolescente está internada provisoriamente.

O pai também responde por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as armas em local seguro. As armas estavam na casa da atiradora num condomínio de luxo em Cuiabá, com fácil acesso a qualquer morador da casa.

As decisões da ministra reforçam o controle sobre a prática de tiro desportivo por menores entre 14 e 18 anos, como é o caso da assassina de Isabele. Antes do atual governo, a prática apenas era permitida com autorização judicial e devia restringir-se aos locais autorizados pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável quando por este acompanhado. Com a edição do Decreto 9.846/19, retirou-se a necessidade de autorização judicial, bastando a autorização de ao menos um dos responsáveis e com a prática restrita a locais autorizados pelo Comando do Exército, no mais, apenas poderia ser usada arma de fogo da agremiação ou do responsável legal, quando o menor estiver por este acompanhado (não se exigia a presença do responsável durante a prática pelo menor).

O decreto de Bolsonaro agora vetado por Rosa Weber, ampliou ainda mais as possibilidades, permitindo que o menor use arma de fogo cedida por qualquer outro desportista.

Por fim, o mesmo decreto afastou a necessidade de autorização do Comando do Exército para a compra de armas nos limites estabelecidos, quais sejam, 60 armas para atiradores, 30 armas para caçadores e 10 para colecionadores, valendo lembrar que para tais aquisições, dentre outros requisitos, bastaria laudo de qualquer psicólogo.

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