sexta-feira,20 setembro, 2024

É bem Mato Grosso: rasqueado é parte da identidade cultural cuiabana 

“É bem Mato Grosso. Um bailão de rasqueado. Ninguém fica parado. Até o dia clarear. É bem Mato Grosso!”

Essa é a letra pertencente ao último verso da memorável canção “É bem Mato Grosso”, interpretada pelo cantor e compositor Pescuma. O rasqueado cuiabano é um ritmo que nasceu ao final da Guerra do Paraguai, por meio da interação entre os refugiados e os ribeirinhos mato-grossenses. Com mais de 100 anos de história, o rasqueado, com seu jeito envolvente, resiste ao tempo e segue embalando as tradicionais festas da capital.   

Em 2004, foi criada pela Assembleia Legislativa (ALMT) a Lei 8.203, que declara o rasqueado como ritmo musical símbolo de Mato Grosso. No ano de 1870, acaba a Guerra do Paraguai e no município de Várzea Grande estavam confinados os refugiados da guerra e os prisioneiros da retomada de Corumbá. O convívio do dia a dia entre a viola-de-cocho e o violão paraguaio começou a tocar uma nova música e, assim, criou-se o Rasqueado.  

Remedeia co que tem  

Milton Pereira de Pinho, mais conhecido no meio artístico como “Guapo”, é um músico, compositor, pesquisador e escritor percursor do rasqueado em Mato Grosso. Ele é autor do livro “Remedeia co que tem”, que se tornou uma espécie de obra consultiva para todos aqueles que buscam entender mais sobre o ritmo.   

O músico relata que já chegou até mesmo a produzir música instrumental para a Orquestra Sinfônica de Mato Grosso. Sob a regência de Leandro Carvalho, o álbum Pantanal Sinfônico inspira-se na rica cultura do Pantanal. O compositor nasceu à beira do rio Paraguai, na cidade de Cáceres e possui descendência de origem pantaneira.   

“Eu sou uma pessoa que a inspiração não tem hora e nem lugar. A minha composição é vinculada ao chamado nativismo. Eu e alguns outros artistas demos início à ideologia musical chamada vanguarda nativista. Essa ideologia consiste em pegar um acervo nativo e atualizar ele com uma linguagem de comunicação atual. A vanguarda nativista ajudou a dar um rumo para a cultura mato-grossense.  É o linguajar, o manancial folclórico popular, tudo que foi feito sendo reinventado com uma linguagem nova para os tempos de hoje. As minhas músicas, por exemplo, a maior parte é sobre contestação ecológica. Se você pegar o rasqueado do Nelsinho Marques, ele já fala até mesmo de high tec nas letras”, diz Guapo.   

Além disso, Guapo é o idealizador do projeto “Rua do Rasqueado”, uma espécie de ‘Happy Hour’ dançante que tem a proposta de resgatar a tradicional dança popular. O projeto já existe há quase 30 anos.  

Guapo afirma que o rasqueado se consagra como um ritmo tão querido pelos cuiabanos pelo fato de ter nascido logo após a guerra do Paraguai, período que, segundo ele, Cuiabá ainda estava em processo de industrialização com a chegada das indústrias de álcool e açúcar.  

“O que mais tinha por aqui era um pessoal muito festeiro”, brinca.  

O músico, que vive atualmente com seu cachorrinho de estimação Billy, se mostra bem-humorado e um grande apaixonado pela música. “A arte não é importante somente na minha vida, eu sou apenas um percursor. A arte é uma sombra que acompanha a humanidade”  , finaliza. 

Memória, história e tradição  

Os Cinco Morenos também fizeram parte da era de ouro do rasqueado cuiabano. O grupo musical surgiu por volta da década de 60 e começou se apresentando nos bailes e tradicionais festas de santo. Violino-fone, bombo, banjo, pandeiro e uma caixa de rufo eram os instrumentos que compunham a musicalidade contagiante do grupo.   

Além das performances em festas culturais, Os Cinco Morenos viajaram inúmeros estados do Brasil juntamente com o grupo de teatro Rio Abaixo Rio Acima. O grupo chegou a fazer tanto sucesso que, mesmo após a finalização das peças, os expectadores não deixavam o teatro, fazendo com que os músicos tivessem que prolongar as apresentações.   

Os artistas Raul, Jaime, Jurandir, Benedito e Domingos participaram do curta-metragem “A cilada com Cinco Morenos”, que venceu na categoria de Melhor Filme no 4º Brazilian Film Festival of Miami. A obra foi dirigida e roteirizada pelo cineasta Luiz Borges.   

“Tive a ideia para o curta quando conheci o mestre Raul, violinista do grupo. Eu estava retornando de uma viagem no aeroporto de Cuiabá e o vi empurrando bagagem, foi quando me contaram que ele era um grande músico. Fiquei muito curioso pela história dele, principalmente por saber que um artista em Mato Grosso, desse vigor, era obrigado a trabalhar empurrando bagagens para sobreviver à época ao invés de propagar sua arte”, conta o cineasta.  

 

Valorização cultural  

A valorização cultural e histórica de uma comunidade é um instrumento essencial na construção de uma sociedade com bases sólidas e preparada para o futuro. É fundamental que a população tenha conhecimento sobre raízes, tradições, pois a deficiência cultural é nociva para qualquer círculo.  

Pensando em preservar a história local o vereador Ícaro Reveles (PDT) criou, no município de Várzea Grande, um projeto de lei que foi sancionado pela então prefeita da época, Lucimar Campos, que permitiu a criação da Lei Raul Fortunato de Oliveira. Por meio dela, é comemorado no dia 12/09, data do aniversário do Mestre Raul, o Dia do Mestre da Cultura Local. O músico faleceu no ano de 2019, mas deixou como presente um legado muito importante para a cultura do Estado.   

De acordo com o vereador Ícaro, a intenção é reconhecer e valorizar a importância que os mestres têm para a manutenção cultural de Várzea Grande e Mato Grosso, bem como a construção de políticas públicas de cultura que estimulem a produção cultural na cidade.  

Texto: Victória Oliveira

Victória Oliveira
Victória Oliveirahttp://www.360news.com.br
Victória Oliveira é jornalista e estudante de cinema integrante do time 360 News. Especialista em escrever sobre atualidades, tecnologia, cultura e entretenimento.

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